Outros sites Medialivre
Caldeirão da Bolsa

Artigos de Opinião do dia ...

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

por pepi » 3/10/2011 13:30

PSG as usual...
A armadilha da liquidez
03 Outubro2011 | 11:26
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt

Haveremos de analisar as causas, de sossegar as consequências, de discutir as responsabilidades, de querer prender e de querer soltar. Mas isso é contexto. Os factos são: a banca está perto de ser parcialmente nacionalizada, há ameaças de "credit crunch" e o sector vai passar por um emagrecimento do número de balcões, de bancários, de lucros - e de bancos.

Não é uma opinião, nem sequer uma previsão, é uma evidência. O tempo escorre como água por uma clepsidra partida. Vão chamar-lhe "linha de capitalização" e fugir da palavra "nacionalização". Percebe-se: é uma expressão traumatizante, é um estigma. Vai ser difícil explicar que essa intervenção do Estado é boa para o País, como já foi escrito nesta coluna, defendida pelo governador do Banco de Portugal e apoiada desde a semana passada também pelo Presidente da República. Mas é-o, porque torna os bancos mais sólidos para poderem ser mais líquidos: recuperarem credibilidade e acesso aos mercados de financiamento.

Os banqueiros estão sumariamente contra. Garantem que estão muito sólidos, o que é uma armadilha pois as garantias dos seus empréstimos desvalorizaram; dizem que é pressão do BCE, que quer recuperar parte do dinheiro emprestado; aferem que vai reduzir-lhes a rentabilidade, logo o valor das acções, mesmo que grande parte dos seus lucros seja subsidiado pelas baixas taxas do BCE; acham mesmo que quem defende a entrada do capital do Estado é idiota pois não percebe que o problema não é capital mas liquidez, e que uma intervenção do Estado pode quebrar a confiança no sistema, por má percepção pública. Essa confiança existe: apesar de saída de algumas categorias de produtos, os depósitos bancários não param de aumentar.

Acontece que a banca não está apenas sedenta de liquidez e vulnerável ao festim de crédito que deu no passado. A banca, como indústria, precisa de ser reestruturada. Há balcões a mais para uma economia tão depauperada como a nossa está e estará por muito tempo. Isso significa também que há bancários que terão de deixar de o ser. Por todas essas razões, a intervenção do Estado na banca é um momento único para fomentar (mas não dirigir) uma reestruturação do sector. Estudar fusões entre os maiores e os mais pequenos. Para tornar o sistema mais robusto e apto. E até para melhor justificar socialmente a intervenção. Mesmo que ela traga encerramento de balcões e despedimentos. Eles acontecerão com ou sem intervenção do Estado.

A banca ficou com os sectores da construção e imobiliário ao colo. Está a ver se se devolve as parcerias público-privadas para o Estado mas vê antes o Estado atirar-lhe as empresas públicas para cima. Na semana passada, numa declaração que passou estranhamente despercebida, Ricardo Salgado falou da possibilidade de "credit crunch" em Portugal, o que significa crédito zero, para os bons, para os maus e para os assim-assim. E sem crédito não há nada.

A entrevista de Cavaco Silva da semana passada teve provavelmente como motivo falar da banca, que fez pedindo mais tempo para reduzir o endividamento dos bancos (para não secar a liquidez) e apoiando a venda de créditos (o que tem de ser feito com prejuízo e portanto leva a necessidades de mais capital, isto é, ao fundo do Estado). É preciso começar a preparar os portugueses para o que significa o pedido de alguns bancos ao capital que a "troika" vai emprestar. Como diria Cavaco, é "boa moeda" que não pode ser expulsa pela "moeda má".
 
Mensagens: 935
Registado: 17/3/2009 14:43
Localização: 16

por Pickbull » 23/9/2011 11:30

Muito bom esse texto.

Só é pena que poucos o entendam. Dar sim, mas só o que se pode a quem realmente precisa.

Malditos políticos. :evil:
Mais vale perder um lucro do que ganhar um prejuízo.

É melhor um burro vivo do que um cavalo morto.

Mais vale uma alegria na vida do que um tostão no bolso.
Avatar do Utilizador
 
Mensagens: 1427
Registado: 23/1/2008 19:18
Localização: Coimbra

por Automech » 23/9/2011 11:06

Saiu-nos caríssimo o preço do que não tinha preço
Helena Matos - PUBLICO

A saúde não tinha preço. A educação não tinha preço. A solidariedade não tinha preço. A grande obra não tinha preço. Vivemos décadas num mundo em que nada tinha preço. Tudo nos era devido porque se inscrevia numa cartilha de adquiridos em que mal nascíamos tínhamos direito não apenas a viver numa sociedade regida por princípios de tolerância e liberdade mas também e sobretudo por proporcionar regalias materiais que passaram a incluir coisas tão variadas quanto os túneis da Madeira, os livros escolares gratuitos ou um serviço público de televisão.

Parecia que só por perfídia desde o princípio da nacionalidade não existia o Rendimento Social de Inserção nem a possibilidade de o acumular com o abono de família, o abono pré-natal e o subsídio de renda de casa e assim obter um rendimento que os beneficiários consideram sempre baixo mas que em vários casos é superior ao que se aufere trabalhando.

Paulatinamente Portugal encheu-se de pais que, segundo eles mesmos afirmam, lançaram as bases de todo este universo dos direitos crescentes e gratuitos: é Arnaut enquanto pai do SNS; Guterres, o pai do RSI e Jorge Miranda, pai da Constituição. Graças aos céus o ensino público gratuito ficou órfão desta paternidade que corre por conta das carteiras alheias porque a bem da verdade teríamos de remontar ao marcelismo, coisa assaz inconveniente para uma democracia que valoriza mais a gratuitidade do que a liberdade e a transparência.

Agora todos os dias nos chegam as facturas do que não tinha preço – só o Serviço Nacional de Saúde (SNS) custou, em 2010, mais de 25 milhões de euros por dia – e de repente interrogamo-nos se alguma vez seremos capazes de pagar o preço do que não tinha preço e que durante décadas nos garantiram que os governos davam.

Contudo os efeitos mais nefastos desta alienação não são, de modo algum, essas contas astronomicamente negativas que contabilizam tudo aquilo que os nossos governos “nos deram”.

Em primeiro lugar temos um problema político: os líderes políticos da democracia construíram a sua legitimidade e habituaram-se a ganhar eleições com base no alargamento desse universo dos direitos materiais. Sócrates derrotou Manuela Ferreira Leite em 2009 pela mesma razão que Alberto João Jardim vai muito provavelmente ganhar as eleições em 2011: ambos vendem a ilusão de um mundo em que os custos não existem e a obra pública e os apoios sociais resultam apenas daquele ímpeto pessoal que os faz escrever o seu nome num decreto que dá mais isto e mais aquilo.

Enquanto conseguirem manter em movimento a girândola do governo que dá, do homem que faz obra e da vida para lá da dívida, estes líderes são quase imbatíveis. Sócrates caiu porque no meio do frenesi de lançamento de auto-estradas, TGV e Novas Oportunidades ficou, um dia, só e subitamente patético diante do teleponto a ensaiar o anúncio do pedido de ajuda externa. Jardim talvez ainda consiga manter a ficção de modo a ganhar as eleições, pois a Madeira é uma ilha, o discurso do anticolonialismo rende muito e os adversários têm medo de dizer que os governos, mesmos os regionais, não dão nada.

Mas o segundo (e na minha opinião muito mais grave) problema desta forma não de governar mas sim de ganhar eleições é moral: o gratuito que não tem custo e os direitos materiais crescentes fizeram de cada cidadão/beneficiário um potencial prevaricador, uma espécie de pedinte insatisfeito que procura retirar todos as vantagens possíveis desse universo do gratuito: são os velhos inevitavelmente com baixas pensões, mas que atempadamente transferiram as suas poupanças para as contas dos filhos, sobrinhos e netos, de modo a pagarem o mínimo nos lares comparticipados pela segurança social.

São os usufrutuários da habitação social que acham que não podem pagar uma renda cujo valor é muito frequentemente inferior àquilo que pagam de telemóvel.

É Portugal de todas as classes que vai de carro para todo o lado mas depois acha natural que o Estado lhe pague as deslocações para fazer tratamentos médicos.

São as famílias que dizem que não podem pagar as refeições nas cantinas escolares e depois mandam os filhos para as escolas com roupas caríssimas e ténis de marca. (Claro que levar lanche de casa é algo absolutamente impensável para quem nasceu nos tempos dos direitos crescentes e sem custo!)

São os usufrutuários do SNS que dizem que não podem suportar as taxas moderadoras mas que não prescindem do pequeno-almoço no café.

São aqueles milhares e milhares de pessoas gozando de boa saúde e que vêem na baixa uma espécie de direito ao descanso…

A lista é mais ou menos interminável e ainda acrescento que em muitos casos não será assim que as coisas se passam. Mas valha a verdade que acho que será assim cada vez mais, pois não só a necessidade aguça o engenho como todos nós ouvimos dizer durante anos que tudo isto não só era um direito mas também gratuito.

Não existe censura moral para este tipo de comportamentos e sem essa censura moral não há mecanismos de controlo que resultem, pese esses mecanismos estarem a transformar o Estado Social num estado policial. O NIF é já mais importante que o BI, meio país anda com declarações várias na carteira para provar que tem direito ao passe mais barato, aos manuais escolares gratuitos, à isenção das taxas moderadoras, à energia comparticipada…

Durante décadas os estados afadigaram-se em saber o que pensávamos. Agora aplicam o mesmo zelo para esquadrinhar o que temos e sobretudo o que não temos, pois, provando-se o que não se tem, consegue-se ainda passar pela porta cada vez mais estreita que dá acesso ao outrora reino universal do faz de conta, aquele em que os governos dão serviços e as obras não têm preço.

Por fim, e para prevenção de tentações futuras, proponho que tudo passe a ter um preço: dos hospitais às escolas, dos transportes públicos aos espectáculos subsidiados, da habitação social às refeições nas cantinas escolares, o valor real deve constar dos respectivos recibos. Poucos o pagarão na totalidade, mas deve estar lá. Para que se comece a perceber que o gratuito não existe, que os governos não dão nada, que o dinheiro de todos nós deve ser aplicado para ajudar quem precisa enquanto precisa – e como todos nós usufruímos sempre de alguns destes serviços temos todos a obrigação de estarmos mutuamente agradecidos a quem nos ajudou – e não para fazer engenharias sociais.

http://blasfemias.net/2011/09/23/saiu-n ... nha-preco/
No man is rich enough to buy back his past - Oscar Wilde
Avatar do Utilizador
 
Mensagens: 9360
Registado: 4/6/2010 12:12
Localização: 16

por pepi » 22/9/2011 15:28

BRAVO! :clap: :clap: :clap:
Onde pára Paulo Campos?
22 Setembro2011 | 10:58
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt


Pára no Parlamento. Está na oposição. Mas fala como se ainda estivesse no Governo. Porque precisa de defender aquilo que alimentou: o monstro das estradas.
Paulo Campos foi um homem essencial a José Sócrates, na sua política, nas campanhas e no financiamento delas. Deixou obra feita, algumas com inaugurações estranhamente milionárias e um escandaloso Aeroporto de Beja. Sobretudo: foi o grande actor das concessões de estradas. Mas este editorial não é sobre o homem: já perdeu umas eleições e ganhará outras. Paulo Campos é apenas uma pessoa errada. Cometeu erros que deixam um custo brutal. Aliás, era só fazer as contas. Quando as fizemos, fomos desmentidos.

Um desses muitos desmentidos que o tempo clarificaria foi há mais de três anos. A 24 de Julho de 2008, ninguém falava do Lehman Brothers, o mundo ainda não tinha mudado. Mesmo nessas condições, uma investigação conjunta do Negócios e da Antena 1 concluía, em manchete, que as "estradas de Sócrates" não eram rentáveis; o investimento nunca seria recuperado e, em vários casos, nem sequer a operação seria lucrativa.

O contra-argumento do Governo era o suposto "keynesianismo": o investimento público traria emprego e crescimento. Além disso, combatia-se a interioridade e acidentes de viação. E o valor económico das externalidades ambientais e de desenvolvimento compensaria. Com o IRC dos lucros das empresas que iriam florescer à volta das estradas, a conta seria paga.

Estes argumentos não são idiotas. Se o Estado só investisse no que dá lucro, nem bancos de jardim haveria. Mas naquela altura, com uma dívida pública ascendente e já reconhecidamente desorçamentada, sem a economia a crescer e com juros a subir, era uma loucura. Foram escritos milhares de editoriais sobre isso. Debalde. Ficou um "buraco" de 400 milhões por ano, de 2014 até 2030.

Os dados são da Inspecção-geral de Finanças. Esta semana, na Assembleia, Paulo Campos continuava a defender as suas estradas. Devia pedir desculpa: tem uma pegada fiscal gigantesca.

A Estradas de Portugal era um bicho complicado, nascendo de uma Junta Autónoma imersa em dívidas e suspeitas de corrupção. A sua renovação e modelo de financiamento pretendiam dar-lhe respeito e equilíbrio (e, suspeito, desorçamentação). O respeito foi conseguido, o equilíbrio não. A EP é um fracasso. Dá lucro financiado pelos impostos das gasolinas mas não tem dinheiro para pagar dívidas, que aliás não consegue refinanciar. As sete "estradas de Sócrates" (que chegaram a ser doze, mas algumas ficaram pelo caminho, como a sinistra concessão do Centro) estão ainda a ser construídas.

Juntando à factura destas concessões os encargos com as SCUT e com as PPP, explica-se grande parte do drama português. O "betão" começou com Cavaco, as PPP com João Cravinho (que as fez especialmente ruinosas), a demência final com Paulo Campos. As estimativas de tráfego saem furadas. Os bancos estrangeiros saltam dos contratos de financiamento, que foram sobrando para a Caixa. E os privados pedem compensações ao Estado.

Temos infra-estrutras do melhor, o que não temos é dinheiro. As estradas foram parte de um modelo de desenvolvimento que aproveitou às concessionárias. Do crescimento económico, ficaram as dívidas.
 
Mensagens: 935
Registado: 17/3/2009 14:43
Localização: 16

por Automech » 6/9/2011 13:16

A armadilha dos impostos
06 Setembro2011 | 11:40

Portugal está a cair na armadilha grega. Sabe que está a cair, o que é mais trágico, mas não consegue esquivar-se.
Portugal está a cair na armadilha grega. Sabe que está a cair, o que é mais trágico, mas não consegue esquivar-se. Aumenta impostos até à loucura, o que aniquilará a economia, como Vítor Gaspar bem sabe e supomos que até ensina. Por isso diz que "os países perduram sempre", que é frase de um desesperado. Mas é tempo de perguntar: o que andam os outros ministros a fazer pelo corte de despesa?

A armadilha é conhecida. A brutalidade dos impostos sobre o trabalho será tal que servirá de incentivo perfeito aos evasores e aos emigrantes, afugentando os dois principais factores da equação económica, o trabalho e o capital. Como explica Eduardo Paz Ferreira nesta edição, taxas de 50% de IRS, acrescidas de 10% de descontos para a Previdência, além do IMI e dos impostos indirectos mas também ascendentes tem um nome: confisco. Por isso, propõe, é preciso passar a tributar quem tem em vez de quem trabalha, ou seja, património em vez de trabalho.

O problema é que, de uma forma ou de outra, estamos sempre a falar de mais impostos, quando devíamos estar a falar de menos despesa. Porque a triste conclusão é que sem a economia a crescer (e ela não cresce coisa que se veja nem nos últimos dez anos, nem nos próximos cinco), estamos ainda a trabalhar para défices, mesmo que talvez diminutos, mas défices, o que significa que precisamos de pagar todos estes impostos para pagar o Estado que temos. Ponto final.

Ponto inicial: é preciso reduzir o custo do Estado. Não há maior banalidade que dizer isto. Nem maior dificuldade, como se vê. O Governo de Pedro Passos Coelho já engoliu essa dose de humildade, e terá de a vomitar um dia: as gorduras que denunciou são um mito. Para cortar despesa do Estado é preciso ir aos salários Função Pública ou às pensões, é preciso ir às empresas do Estado, é preciso ir à Saúde e à Educação, é preciso começar a reduzir a dívida para baixar a âncora dos juros.

Não basta, pois, encostar Vítor Gaspar a uma parede e ameaçá-lo de pancada para que confesse como vai concretizar os cortes da despesa. Grande parte dela terá de ser feita pelos que se sentam a seu lado no Conselho de Ministros. O ministro da Saúde é provavelmente o que está a fazê-lo mais aceleradamente, confirmando a sua reputação. O ministro da Economia parece estar para lá de Marraquexe, pois tutelando áreas problemáticas como as empresas de transportes não deu ainda uma para a caixa das poupanças. Onde estão as extinções, fusões, as reestruturações prometidas?

Quando se fala de poupança de despesa do Estado, é disto que se fala: de cortes com dor. Na saúde, nas empresas de transportes, nas PPP, nos serviços do Estado, nas prestações sociais, nos salários dos funcionários públicos (ou no seu número), nas pensões mais elevadas. São estes os alvos das medidas que terão de estar no Orçamento do Estado a apresentar dentro de mês e meio.

Tal como Gaspar era apenas um de três Reis Magos, Vítor é apenas um dos ministros. Quem bem poderia explicar isto seria um tal de Álvaro Santos Pereira num blogue por ora suspenso chamado "desmitos". Aí, Álvaro poderia explicar que o poder supremo do ministro das Finanças é uma mistificação e que é preciso pelo menos um ministro da Economia que o acompanhe na empreitada. Portugal, dizem, até tem mais que um ministro da Economia, tem um super-ministro. É possível, mas para já só se viu o super-ministério, não o seu inquilino. O herói continua parecendo alheado, mas supomos que isso faz parte da roupagem que ainda não despiu: a de Clark Kent.
http://www.jornaldenegocios.pt/home.php ... &id=504641
No man is rich enough to buy back his past - Oscar Wilde
Avatar do Utilizador
 
Mensagens: 9360
Registado: 4/6/2010 12:12
Localização: 16

por pepi » 12/8/2011 12:08

Os reis vão nus
12 Agosto2011 | 11:58
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt


Portugal vive um último Verão de ilusão. A ilusão de que tem grandes bancos privados, industriais prósperos, grandes empresas nacionais. Mas são estrelas decadentes. Metade dos ricos está pobre.
Portugal vive um último Verão de ilusão. A ilusão de que tem grandes bancos privados, industriais prósperos, grandes empresas nacionais. Mas são estrelas decadentes. Metade dos ricos está pobre.

O mundo não se divide hoje entre ricos e pobres, mas entre os que têm capital e dívidas. Portugal tem dívidas. Os seus banqueiros, empresários, cidadãos têm dívidas. E quando chegar a liquidação, liquidação será.

Compre a revista "Exame" deste mês, traz a lista anual dos mais ricos de Portugal. Guarde-a, é uma edição histórica. Daqui a cinco anos gostará de a reler, será como o "Conta-me como foi", da RTP: passado, longínquo, nostálgico, um anacronismo. O problema não é da revista, é dos ricos que o não são. Porque a história não está a ser bem contada. Há ricos com activos luxuriantes. E passivos monstruosos.

Esta lista dos mais ricos de Portugal é um monumento à decadência do capitalismo português. Ao listar apenas o património, mede-se a opulência. Ao ignorar as dívidas, ocultam-se os caídos. Metade dos magníficos empresários Dr. Jekyll transformam-se à noite em endividados Mr. Hyde. Só não estão executados porque em Portugal há muito respeitinho - e porque uma dívida grande não é um problema do devedor, é um problema do credor.

A semente da destruição está numa elite capitalista sem capital. Em parte porque foi expropriada em 1975 com fracas indemnizações depois. Noutra parte, porque foi recebendo dividendos na Suíça e distribuindo pelas famílias. Depois, porque nunca quis abdicar do controlo de 10 em vez de partilhar 100 (o medo de ter sócios..., sobretudo se forem - credo! - estrangeiros). E finalmente: porque há muitas empresas grandes mal geridas.

Esta estrutura empresarial está a ruir, 4% ao dia, na bolsa. A falta de capital, as cascatas de dívida, os dividendos não suportam um problema: a desvalorização dos colaterais. As acções são hoje casas decimais do que eram quando foram dadas como contrapartidas de dívidas. O caso mais famoso é o dos accionistas do BCP, num processo que foi aqui muitas vezes denunciado: o patrocínio da Caixa e do próprio BCP a uma guerra sem quartel, financiando guerreiros e guerrilheiros contra acções que não valiam o que cotavam. Os activos desvalorizam, os passivos ficaram. Agora, quem paga?

Joe Berardo, Teixeira Duarte, Manuel Fino... Os "donos" do BCP estão nas mãos dos bancos, que estão com as mãos na cabeça. Mas há mais. As dívidas da Impresa, da Ongoing, da Zon, da Brisa, das construtoras, das imobiliárias, tudo isto são dívidas também dos seus accionistas. Como o Estado: prepara-se para vender o controlo da EDP sem prémio de controlo.

Depois do Verão, a revisão das carteiras de crédito dos bancos vai precipitar a análise da sua nacionalização, como aqui tem sido avisado. Se isso acontecer, os balanços serão "limpos" e tudo será executado, o que levaria a uma nacionalização de grande parte da economia, através dos bancos. Para evitá-lo, restará vender essas empresas, acções e imóveis. E, claro, a estrangeiros. O problema não é serem estrangeiros, é ser ao melhor preço. Isto é: ao pior.

Não estão todos assim. Amorim está mais rico que nunca depois de ter encontrado petróleo. Soares dos Santos está mais rico que nunca depois de ter criado o seu próprio petróleo na Polónia. Queiroz Pereira, que não foi em loucuras e teve os apoios certos dos Governos, prepara-se para mobilizar centenas de milhões para comprar parte da Secil (ou para disputar parte da Cimpor?). São excepções.

Estamos a ouvir o cisne cantar. A maior parte da bazófia são casacas coçadas ou sapatos brancos em Janeiro. É como atirar a última bezerra das muralhas de Monsanto para iludir o cerco para uma falsa prosperidade.

O cerco é financeiro. A venda de activos será acelerada e o Governo já escolheu os predilectos: alemães e franceses, talvez brasileiros e angolanos. Que venham por bem, não para desmantelar, mas para investir e gerir bem. Se assim for, que venham eles. Viva o Verão, viva este Verão, este Verão de ilusão.


psg@negocios.pt
 
Mensagens: 935
Registado: 17/3/2009 14:43
Localização: 16

por pepi » 11/8/2011 14:34

A especulação à solta
11 Agosto2011 | 11:39
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt


Os mercados estão com a cabeça a andar à roda. Um sopro torna-se furacão, um azar passa a tragédia, uma alegria vira azia.
Os mercados estão com a cabeça a andar à roda. Um sopro torna-se furacão, um azar passa a tragédia, uma alegria vira azia. Enquanto as acções derretem na incineradora do pânico, muitos fazem fortunas do dia para a noite. Ataque especulativo, diz Sarkozy. Diz Zapatero. Diz Berlusconi. Diz agora até Obama. E diz Vasco de Mello.

Vários gestores portugueses têm criticado as vendas a descoberto, e não só através de "naked short-selling", que permite vender acções que não se tem. Ricardo Salgado foi o primeiro, António Mexia depois, Carlos Tavares também. Mas hoje é a primeira vez que um presidente de uma empresa cotada denuncia, em declarações a este jornal, uma suspeita de manipulação de acções da sua própria empresa: da Brisa.

Os crentes dos mercados que ainda são crédulos acham estas críticas uma paspalhice. Mas a questão põe-se: o "short-selling" é uma forma de diversificar risco, ganhando dinheiro quando as acções desvalorizam? Ou, sendo isso, permite também manipulações de acções ao ponto de as deixar inanimadas?

"Portugal está de 'shorts'", escreveu-se aqui há três anos. A acção do BCP tem sido rodada como uma galdéria entre "short sellers". Como a da EDP, que convenientemente não pára de tombar desde que se anunciou a privatização. A privatização do seu controlo!

Agora a Brisa. A Brisa tem problemas evidentes: está muito endividada, as taxas de juro estão a subir, o tráfego a cair, há concessões que estão a valer zero. Mas no último mês e meio, em que a bolsa caiu 19%, a Brisa caiu quase 40%. "Short-selling"? Aqui surge a perplexidade: ao contrário do BCP e da EDP, a Brisa tem pouca dispersão em bolsa. Para haver um ataque especulativo, é preciso quem, detendo acções, as esteja a emprestar a troco de uma comissão. Sabe-se das tensões entre a José de Mello e os seus parceiros Arcus (com quem houve conflito no final do ano) e Abertis (que prometem vender tudo há dois anos mas não vendem nada). Mas não é possível acreditar que algum deles ande nisto.

Desde 2007 que reguladores e legisladores prometem enjaular o mercado financeiro, mas são tíbios ou falhos. É o caso dos CDS, que ainda ontem zarparam para a dívida francesa. É o caso do "short-selling", que chegou, recorde-se, a ser proibido em 2008 em acções do sector financeiro na Alemanha, no Reino Unido e nos Estados Unidos.

O nervosismo é hoje tão grande que tornou os mercados quase descontrolados. Qualquer rumor gera um movimento de pânico, como se viu ontem com a banca francesa. Para mais, os líderes europeus continuam a mostrar-se sólidos como plasticina. Angela Merkel não sabe como salvar o euro e salvar-se a si mesma na Alemanha - país que se tornou nuclear na crise europeia sem estar pronto nem ter estratégia para isso. O seu amigo Sarkozy decidiu ontem dizer que ia interromper as férias, o que provocou boatos imediatos. Zapatero fizera o mesmo há semanas, com o mesmo desfecho. E até Obama, dos discursos maravilhosos, fez uma intervenção ridícula sobre as agências de "rating".

Tudo isto é desespero, tudo isto alimenta o pânico, tudo isto destrói a confiança sobre a qual se erguera o edifício dos mercados financeiros globalizados. Sem confiança não há mercados, sobram arenas, onde se come aquilo que se mata. E que agora se tornou canibal: devora-se.

Ontem foi o banco francês Société Générale a ser roído. Muitos perderam milhões. Muitos ganharam milhões. Está certo: "Banca Francesa" é, como se sabe, o nome de um jogo de casino.


psg@negocios.pt
 
Mensagens: 935
Registado: 17/3/2009 14:43
Localização: 16

por Automech » 27/7/2011 8:58

Habitualmente nos Frente a Frente da SIC Notícias costuma haver grandes confrontos de ideias contrárias, mas no fim são todos amigos e tal. Ontem, enquanto jantava, assisti a este triste espectáculo da Teresa Caeiro e do Alfredo Barroso a partir do minuto 5m. A coisa não deve ter ficado bem no final.

<iframe width="425" height="349" src="http://www.youtube.com/embed/IY2ChmIupsE" frameborder="0" allowfullscreen></iframe>
No man is rich enough to buy back his past - Oscar Wilde
Avatar do Utilizador
 
Mensagens: 9360
Registado: 4/6/2010 12:12
Localização: 16

por pepi » 22/7/2011 14:53

Da tanga ao ar condicionado
22 Julho2011 | 12:00
Fernando Braga de Matos

(Onde o autor lança o seu olhar falcoeiro sobre os passos titubeantes do jovem governo, repleto de sinais positivos, mas parco de realizações, agindo num denso ambiente de incertezas internacionais e nacionais, com o bom nome e reputação da República pelas ruas da amargura, concluindo que pior que ser governante se calhar só mesmo ser governado).

Agora que Sócrates deu de frosques em busca das novas oportunidades estrangeiras (com o cursilho em filosofia técnica ainda lhe passam a chamar o Ressócrates), nem por isso as desgraças nacionais se desvaneceram, porque cá as novas oportunidades para o cidadão comum ainda estão para lá do horizonte, excepto a de pagar impostos extraordinários que andam a dar mau nome aos auspícios de Natal.


O caminho em frente para a governação não começou de forma auspiciosa com a história, ainda de contornos imprecisos, sobre os dois mil milhões em falta nas contas públicas, a qual terá fundamentado a decisão de impor o dito novo imposto extraordinário. E agora, ficamos com um "esforço colossal" ou "um buraco colossal"? É óbvio que, com tal fundamentação, ambas as asserções são exactas e só atingiram o nível polémico de título de comunicação social pelo facto de Passos Coelho ter asseverado que nunca se iria desculpar com base na governação passada.

Já aqui tinha aplaudido a bondade da decisão, menos pelo exercício de espírito franciscano e de esforço para ganhar o Céu, mas seguramente porque quanto mais se acenam com coisas negras mais se tinge o espírito construtivo que é essencial nas empreitadas bem sucedidas, e até em razão inversa da magnitude e complexidade do esforço. "Sim, nós podemos" só tem a força mobilizadora que galvaniza e arrasta as pessoas se não tiver acoplados adversativos do género "apesar de…", os quais acenam com a insídia da dúvida e o peso do contratempo. Quando Durão Barroso viu o País "de tanga" estava a ver bem, mas a frase infeliz e negativista só conseguiu ser superada pela irresponsável de "há mais vida para além do orçamento", ainda para mais vinda do Presidente da República, minimizando ou desvalorizando as tarefas essenciais do País que deu início à falha generalizada do Pacto de Estabilidade. E proclamar com grande alarido um défice virtual excessivo de 6,8%, como fez Sócrates, não ajudou seguramente as hostes a cerrarem fileiras antes incutiu a desconfiança dos cidadãos na governação geral do país e desorientação para o futuro. Ganhou indulgências absolutórias temporárias mas não espíritos ao alto.



É claro que ocultação não lembraria ao diabo, nem num caso nem noutro, mas nem grande figuração nas palavras ou histrionismo nos actos ajudam a resolver as questões, definindo de início a necessária exactidão dos problemas em presença. Inventariar os desafios, propor soluções e descrever a metodologia, num discurso de confiança é o signo dos ganhadores. Essa foi a atitude do ministro das Finanças que, em tom tranquilizadoramente fáctico, referiu a "tarefa colossal" mas igualmente a segurança no sucesso, com o a excelente tirada de que "falhar não é uma opção". Em "expressão corporal" o novo Governo vai muito bem e erra quem minimiza como trivialidades as viagens em executiva a menos e os cortes a mais nos automóveis de serviço. Como nos duelos do antigamente, as flâmulas e os estandartes não entram em combate mas revelam o propósito e acicatam os ânimos. Uma sondagem de quarta feira, revelava uma notável subida de 4% das intenções de voto dos portugueses no PSD, e o que é facto é que até ao momento apenas se viu atitude tranquila nos pequenos gestos e, com excepção do colossal "colossal", comedimento e teor factual nas mensagens. A eficácia da componente psicológica é evidente e, no meio de tanta perturbação e instabilidade na Europa, aqui reflectida diariamente, não é só o estado de graça nem a letargia do PS que as explica.

Vêm no mesmo sentido da valorização dos pequenos sinais as instruções contra o fato e gravata no Ministério da Agricultura, mas aqui o arguto autor discorda. Que se ponham os homens mais ligeiros e com menos roupa, em pleno estio, parece simples bom senso, mas em que situação ficam as mulheres? Descriminadamente enroupadas ou igualitariamente despidas na roupagem ? Convém lembrar que está cientificamente comprovado o nexo de causalidade entre a frescura da vestimenta feminina e a temperatura corporal masculina. Realmente, faz muita falta o Ministério da Ciência.

Advogado, autor de " Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença).
 
Mensagens: 935
Registado: 17/3/2009 14:43
Localização: 16

por pepi » 22/7/2011 14:48

Olá Caixa, adeus EDP
22 Julho2011 | 00:01
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt

Responda num segundo: quem é o maior accionista privado da EDP? Agora noutro segundo: quem é o novo presidente executivo da Caixa? Se precisou de tempo, não cobre à memória. Um ninguém conhece, do outro ninguém se lembra.
São duas escolhas muito relevantes, a da nova administração da Caixa Geral de Depósitos e a do modelo de privatização da EDP. Ambas foram assinadas pela mão do primeiro-ministro. Ambas têm o dedo do ministro das Finanças. Vítor Gaspar foi claramente subestimado ao início.

A Caixa Geral de Depósitos passou a ser liderada por três "sensibilidades": o "chairman" Faria de Oliveira, próximo do Presidente da República; o CEO que ninguém conhece, escolhido pelo ministro das Finanças; o número dois, Nogueira Leite, próximo do primeiro-ministro.

Esta visão divisionista é a pior: esperemos que o PSD não queira fazer de Nogueira Leite o que o PS fez de Francisco Bandeira: o infiltrado. A tarefa do banco é demasiado importante para curtos-circuitos, e a verdade é que Nogueira Leite tem reputação e pensamento próprios. Já Faria de Oliveira ganha o lugar que propôs, "chairman", depois de se mostrar mais poderoso do que se julgava: foi ele quem impediu que o Governo PS renovasse o mandato da administração da Caixa antes das eleições.

Só quando soubermos a lista final da Caixa perceberemos os seus equilíbrios. Mas, com certeza, a administração executiva será menor, até para provar que os não executivos não estão numa nova prateleira dourada.

O mais importante nesta escolha da Caixa é, todavia, outra coisa: a visão financeira, em vez de económica, que parece ir dominar. O Banco de Portugal exportou há um mês o ministro das Finanças e agora o presidente da Caixa. José Agostinho de Matos, que toda a gente vai passar a conhecer, provavelmente nunca teve uma reunião com um cliente na vida mas porta a visão de cumprimento estrito do plano da troika. Isso inclui vender todas as participações não financeiras, e depressa: EDP, Zon, PT, Galp, etc. Mas também deixar cair credores famosos e falidos da gesta PS, o mais reputado dos quais é Joe Berardo. Outras empresas para quem houve simpatias, como a Martifer ou a Visabeira, podem arrepiar caminho.

Se dúvidas havia quanto à visão liberal do Governo, a privatização da EDP esclarece. Não há cá "fatias" de 5% para dividir o poder por muitos e, portanto, mantê-lo em quem está: o BES, os Mello e cunhas do Governo. Não: a privatização vai criar um bloco de 20%, o que significa, sem qualquer dúvida, a venda a um estrangeiro do controlo da EDP - e o que maximiza o valor da venda em várias centenas de milhões de euros. Depois dessa operação, ou há aumentos de capital que os portugueses não podem acompanhar, ou OPA, ou a empresa é vendida às postas. Mas não duvide: o "P" de EDP passará a ser uma relíquia como o "por" de Cimpor já o é. Porque o maior accionista privado da EDP já é estrangeiro, a Iberdrola, mas é como se não existisse: não manda.

De futuro analisaremos melhor a privatização da EDP, que vai levantar polémicas e os medos proteccionistas do costume. Para já, fica isto: há mesmo um choque liberal que desponta. Ele tem como epicentros o primeiro-ministro e o Banco de Portugal, que tomou o Ministério das Finanças e a CGD. Se ninguém os parar, não restará pedra sobre pedra no edifício político, financeiro e empresarial que se alojou a engordar nos defeitos da economia portuguesa. Assim seja: que ninguém os pare.

psg@negocios.pt
 
Mensagens: 935
Registado: 17/3/2009 14:43
Localização: 16

por Pata-Hari » 20/7/2011 7:53

Eu vi que este artigo está aqui, mas este tópico está cheio de coisas que eu, pessoalmente, acho que mereciam tópicos próprios e destaque porque são efectivamente muito boas. Vou colocar o PSG em destaque.
Avatar do Utilizador
Administrador Fórum
 
Mensagens: 20972
Registado: 25/10/2002 17:02
Localização: Lisboa

por pepi » 19/7/2011 13:47

Quem paga os meus 200 milhões?
19 Julho2011 | 12:00
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt

O banco "executou" o empréstimo e a Metro do Porto não tinha como pagá-lo. Pagou-o o Estado. E assim, num negócio, se revelam dois privilégios: o das empresas públicas sobre as privadas; e o dos bancos estrangeiros sobre os portugueses. É para isto, o dinheiro da troika?
Não, não é para isto. Mas é disto que veremos. E faz muito pouco sentido: quer proteger as empresas públicas de uma dura reestruturação; quer isolar os pobres dos bancos portugueses dessa hipótese de liquidez.

A Metro do Porto é apenas um exemplo. Há nos contratos de financiamento de alguns bancos cláusulas que dizem que, se o "rating" baixa a um determinado nível, o banco pode exigir a amortização imediata do capital (ou um reforço de garantias). É o caso de vários bancos como o BNP Paribas (que o exigiu à Metro do Porto) e, curiosamente, de bancos supranacionais como o Banco Europeu de Investimento.

O que aconteceu à Metro do Porto já está agendado para a RTP, mais 200 milhões que a empresa não tem. Nos próximos meses, mais empréstimos terão o mesmo tratamento, basta olhar para os passivos assustadores da Refer, CP, Estradas de Portugal e outras. Que o Estado pagará.

O Estado faz bem em pagar: um accionista tem obrigação de responder pela insolvência das suas empresas. Sobretudo se a culpa é sua, como o é clamorosamente nas empresas de transportes. Aquele passivo nunca foi se não dívida pública desorçamentada. O caso da Metro do Porto só é mais grave porque mais recente: numa década reproduziu-se mais um escandaloso buraco financeiro, que, de tão grande ser, serviu de abrigo a tudo: quantos quilómetros de rede foram construídos para benefício autárquico? Quantos jardins plantou a Metro do Porto, quantas calçadas calcetou, quantos neóns coloriu para uma festança?

Este pagamento do Estado traz o risco moral para as empresas públicas de que não há problema com a dívida, pois o Estado "nacionaliza-a". E a injustiça de privilegiar a banca estrangeira face à nacional. De que o dinheiro que pedimos emprestado entre por uma porta e saia por outra.

Não é por pena da banca portuguesa (que, com estas cotações em bolsa, até a merece), mas porque a economia portuguesa precisa de crédito para não congelar. Ora, o processo de desendividamento e a restrição de financiamento externo são ameaças credíveis a esta liquidez, mais do que à solidez (isto é, aos níveis de capitais próprios).

Já no BPP foi assim: o Estado garantiu um empréstimo de 450 milhões para pagar a certos credores ("certos" é ironia: deu preferência de legalidade duvidosa a alguns credores). Incluindo a banca estrangeira.

A melhor maneira de o Estado ajudar as empresas e os bancos seria pagar o que lhes deve. Seria cumprir a Lei. Câmaras e hospitais devem milhares de milhões de euros fora do prazo. Se as dívidas fossem saldadas, injectariam liquidez na economia como óleo numa engrenagem. No caso da banca, há dívidas de curto prazo de 15 mil milhões de euros, que sobem para 40 mil milhões considerando empresas públicas e regiões autónomas. É o mesmo que a banca deve ao Banco Central Europeu.

A questão da liquidez da banca vai ocupar muitas páginas doravante. Hoje, o Negócios noticia a pressão para que o Estado pague as suas dívidas, num processo que vai no adro e que tem a ver com a desalavancagem do sistema financeiro. É uma ideia excelente. Mas depende mais da troika do que do Governo. E não pode servir para criar a ilusão da abundância, branqueando mais cheques na vergonhosa administração das empresas públicas.
 
Mensagens: 935
Registado: 17/3/2009 14:43
Localização: 16

por PT_Trader » 6/7/2011 16:46

The Mechanic, esta versão está melhor :twisted:

You bastards (English version)
06 Julho2011 | 14:04
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt

Shock. Scandal. Junk. Acceptance? No… But yes, junk, we’re junk. The markets have become a fairground, and we’re the scales of their remains. This is not an emotional reaction. Nor is it retaliation to humiliation. These are the facts. The arguments. Moody’s isn’t right. Moody’s isn’t rightful. Moody’s doesn’t give a damn. Moody’s treaded us. And Europe caved in.
The rationale for Portugal’s rating cut makes no sense. Whatsoever. Socrates and Passos Coelho made a colossal mistake by knocking down the government without drawing up an “à la Irish” scheme beforehand. I wrote that then, in this page, that that was “the dumbest political crisis ever”. It sure was. Portugal was targeted with a streak of rating cuts that put us in the verge of “junk”. But then everything changed, a stable majority in parliament, a 78 billion euro loan, a programme designed by the troika, a committed government, a prime-minister obsessed with compliance. No matter what. We weren’t even given a full week: we’re junk.

The reasons for a rate cut are now absurd: the challenge of reducing the fiscal deficit, the need for more money and the troublesome return to the financial markets in 2013 are topics being addressed by the government. By the Country. This rating cut doesn’t identify these challenges, it precipitates them. Portugal is absent from the markets, it deserved some time to dissociate itself from Greece. Six months, a year.

Only it’s not a matter of time, it’s a matter of profit, it’s a struggle for power. This decision carries with it severe and immediate consequences. Not only because Portugal takes one step backwards in the path back to the financial markets. But because many investors will now dispose of Portuguese assets. Because collateral on our debt will have to be reinforced. Because today all Portuguese assets lost value. Portuguese companies, Portuguese banks, everything lost value between yesterday and today. At a time when privatizations are being prepared. When stress tests are underway. There are no coincidences. Today, thousands of investors who’ve been short-selling Portuguese stocks and bonds are richer. Buying stocks in EDP and REN will now come cheaper. We’re not on sale, we’re being ransacked.

Portugal was a mad MAN, he threw himself into a cliff and now clings to a rope that was thrown in his direction. He’s trying to hold on with all its strength, lucid and humble in the way only those in ruin are lucid and humble. Then came Moody’s, spitting to the side and saying climbing the rope is tough – thus cutting the rope.

This is not about Portugal, it’s a matter of war between the US and Europe, it’s about profits for private investors in the shadow of ratings agencies. Two weeks ago, an outstanding piece by the journalist Cristina Ferreira, at newspaper “Público”, illustrated that corrosion. Another journalist, Myret Zaki, wrote the remarkable book “La fin du Dollar”, which documents the “system” on which these agencies thrive and the underlying euro-dollar tug of war.

Yesterday, Angela Merkel condemned the power of rating agencies and promised to fight back. In less than 24 hours came the response: S&P’s warning that the Greek debt roll over will be considered a selective default; and Moody’s rating cut on Portugal.

We’re in the middle of a scam and the European Union is impotent. Four years after the crisis that these agencies allowed, Europe has been unable to put out a recommendation, a threat, an European rating agency. What has China done? They created their own rating agency. What does that rating agency say? That Portugal is BBB+. That US debt is no longer triple-A. The Chinese have power and courage, Europe has hung itself in the American bargain-price shop.

The troika is worried about the lack of corporate competition in Portugal… What about competition in rating agencies? Two days ago, Stuart Holland put forward, along with Portuguese former Presidents Mario Soares and Jorge Sampaio, the proposition for an European “New Deal”. He told this newspaper “we need government governing instead of rating agencies ruling”.

We’re not asking for pity, we want fairness. Europe crosses its arms. Let us not do the same. The European Central Bank must stand up against to this despotism. In October, a report by the Financial Stability Board, led by Mario Draghi, advised private banks and the central banks to build their own models for assessing the eligibility of financial instruments, putting a stop to the mechanical evaluations made by rating agencies. Draghi will soon become chairman of the ECB’s governing council. He doesn’t need to terminate rating agencies, he needs to rise up in look into their eyes.

This rating cut is serious. It’s uncalled for, and it will cost us. Portugal is now Europe’s junk. Rating agencies are the undertakers, wealthy and euphoric, of a ridiculously impregnable system. The agencies assure us they don’t hold anything against Portugal. As the man said, “it’s nothing personal, it’s strictly business”. That man was a mob boss.



This article is the English version of today's Editorial of Portugueses daily newspaper Jornal de Negócios. Pedro Santos Guerreiro is it's Editor-in-Chief. To read the Portuguese originial article, go to this link.

 
Mensagens: 1191
Registado: 20/6/2011 21:48
Localização: 16

baixar 4 niveis?

por dfviegas » 6/7/2011 16:43

Claro que existem interesses por detrás destes ratings, como é que é possivel o rating de Portugal baixar 4 niveis de uma assentada se não for por interesses ou então a moodys é muito incompetente e não viu que não ultima avaliação deveriamos estar mais abaixo.

Estes 4 niveis só se justificariam se o governo continuasse a fazer asneira atrás de asneira se eles não estivessem a fazer anda para reduzir o défice mas é precisamente o contrário.

É nitido que após o acabar com as golden shares, interessa baixar ao máximo o preço das acções para que fiquem ainda mais a preço de saldo para virem cá a americanada comprar isto tudo.
 
Mensagens: 988
Registado: 29/11/2007 2:53
Localização: Alto do Moinhi

por The Mechanic » 6/7/2011 16:34

You bastards
06 Julho2011 | 09:04
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt


Choque. Escândalo. Lixo. Resignação? Não. Mas sim, lixo, somos lixo. Os mercados são um pagode, e nós as escamas dos seus despojos.
Isto não é uma reacção emotiva. Nem um dichote à humilhação. São os factos. Os argumentos. A Moody's não tem razão. A Moody's não tem o direito. A Moody's está-se nas tintas. A Moody's pôs-nos a render. E a Europa rendeu-se.

As causas da descida do "rating" de Portugal não fazem sentido. Factualmente. Houve um erro de cálculo gigantesco de Sócrates e Passos Coelho quando atiraram o Governo ao chão sem cuidar de uma solução à irlandesa. Aqui escrevi nesse dia que esta era "a crise política mais estúpida de sempre". Foi. Levámos uma caterva de cortes de "rating" que nos puseram à beira do lixo. Mas depois tudo mudou. Mudou o Governo, veio uma maioria estável, um empréstimo de 78 mil milhões, um plano da troika, um Governo comprometido, um primeiro-ministro obcecado em cumprir. Custe o que custar. Doa o que doer. Nem uma semana nos deram: somos lixo.

As causas do corte do "rating" não fazem sentido: a dificuldade de reduzir o défice, a necessidade de mais dinheiro e a dificuldade de regressar aos mercados em 2013 estão a ser atacadas pelo Governo. Pelo País. Este corte de "rating" não diagnostica, precipita essas condenações. Portugal até está fora dos mercados, merecia tempo para descolar da Grécia. Seis meses, um ano.

Só que não é uma questão de tempo, é uma questão de lucro, é uma guerra de poder. Esta decisão tem consequências graves e imediatas. Não apenas porque o Estado fica mais longe de regressar aos mercados. Mas porque muitos investidores venderão muitos activos portugueses. Porque é preciso reforçar colaterais das nossas dívidas. Porque hoje todos os nossos activos se desvalorizam. As nossas empresas, bancos, tudo hoje vale menos que ontem. Numa altura de privatizações. De testes de "stress". Já dei para o peditório da ingenuidade: não há coincidências. Hoje milhares de investidores que andaram a "shortar" acções e dívidas portuguesas estão ricos. Comprar as EDP e REN será mais barato. Não estamos em saldos, estamos a ser saldados. Salteados.

Portugal foi um indómito louco, atirou-se para um precipício, agarrou-se à corda que lhe atiraram. Está a trepar com todas as forças, lúcido e humilde como só alguém que se arruína fica lúcido e humilde. Veio a Moody's, cuspiu para o chão e disse: subir a corda é difícil - e portanto cortou a corda.

Tudo isto não é por causa de Portugal, é por causa da guerra entre os EUA e a Europa, é por causa dos lucros dos accionistas privados e nunca escrutinados das "rating". Há duas semanas, um monumental artigo da jornalista Cristina Ferreira no "Público" descreveu a corrosão. Outra jornalista, Myret Zaki, escreveu o notável livro "La fin du Dollar" que documenta o "sistema" de que se alimentam estas agências e da guerra dólar/euro que subjaz.

Ontem, Angela Merkel criticou o poderio das agências e prometeu-lhes guerra. Não foi preciso 24 horas para a resposta: o aviso da Standard & Poors de que a renovação das dívidas à Grécia será considerado "default" selectivo; a descida de "rating" da Moody's para Portugal.

Estamos a assistir a um embuste vitorioso e a União Europeia não é uma potência, é uma impotência. Quatro anos depois da crise que estas agências validaram, a Europa foi incapaz de produzir uma recomendação, uma ameaça, uma validação aos conflitos de interesse, uma agência de "rating" europeia. Que fez a China? Criou uma agência. Que diz essa agência? Que a dívida portuguesa é BBB+ (semelhante ao da canadiana DBRS: BBB High). Que a dívida americana já não é AAA. Os chineses têm poder e coragem, a Europa deixou-se pendurar na Loja dos Trezentos... dos americanos.

Anda a "troika" preocupada com a falta de concorrência em Portugal... E a concorrência ente as agências de "rating"? Há dois dias, Stuart Holland, que assinou o texto apoiado por Mário Soares e Jorge Sampaio por um "New Deal" europeu, disse a este jornal: é preciso ter os governos a governar em vez das agências de 'rating' a mandar.

Não queremos pena, queremos justiça. A Europa fica-se, não nos fiquemos nós. O Banco Central Europeu tem de se rebelar contra esta ditadura. Em Outubro, o relatório do Financial Stability Board, que era liderado por Mário Draghi, aconselhava os bancos e os bancos centrais a construírem modelos próprios para avaliarem a eligilibidade dos instrumentos financeiros por estes aceites e pôr termo ao automatismos das avaliações das agências de rating. Draghi vai ser o próximo presidente do BCE. Não precisa de acabar com as agências de "rating", precisa de levantar-se destas gatas.

Este corte de "rating" é grave. É uma decisão gratuita que nos sai muito cara. Portugal é o lixo da Europa. As agências de "rating" são os cangalheiros, ricos e eufóricos, de um sistema ridiculamente inexpugnável. As agências garantem que nada têm contra Portugal. Como dizia alguém, "isto não é pessoal, apenas negócios". Esse alguém era um padrinho da máfia.



Alguem tem duvidas de que o que este gajo diz é verdade !? Não podemos continuar a ver as Agencias de Rating como "isentas" nas suas avaliações . Já começa a cheirar muito mal .

Eu ia até escreve sobre este corte , mas resolvi procurar a ver se o PSG já tinha escrito alguma coisa e o gajo já disse tudo .

Porque ráio estamos agora pior , com tudo o que está a ser feito , do que estavamos há 2 meses atrás ?!?!
Porque razão este rating sái um dia antes da colocação de 1 Bilião de divida Portuguesa ? Porque razão continua a Europa ( nem falo em Portugal, coitados) a sujeitar-se a isto ?


Um abraço ,

The Mechanic


.
" Os que hesitam , são atropelados pela retaguarda" - Stendhal
"É óptimo não se exercer qualquer profissão, pois um homem livre não deve viver para servir outro "
- Aristoteles

http://theflyingmechanic.blogspot.com/
Avatar do Utilizador
 
Mensagens: 4564
Registado: 16/12/2004 15:48
Localização: Sintra

por urukai » 1/7/2011 14:23

Obrigado pelo texto Pepi. Gostei mt.
Avatar do Utilizador
 
Mensagens: 1124
Registado: 11/5/2007 14:09

por pepi » 1/7/2011 14:16

Temos homem?
01 Julho2011 | 12:20
Fernando Braga de Matos

(Onde o autor faz notar que em equipa ganhadora não se toca, mas quando se depara uma outra , com os cofres exauridos, o treinador megalómano, os jogadores com varizes e os adeptos exaustos, ou se muda de clube ou se muda de vida, se entretanto não acontecer o mesmo que ao River Plate. Agora é mesmo avançar para outra, e, nesta metáfora futebolística, há indícios de que a pré-epoca começou bem).
Devo dizer que antipatizo com o saco de gatos que é normalmente o PSD. Para ilustrar, a razão que Ferreira Leite apresentava para votar em Passos Coelho era a de derrubar Sócrates e não qualquer mérito do excluído da suas listas de 2009. O PSD nem costuma usar a elegância das facas longas do CDS, às vezes com sangue vertido como o de Manuel Monteiro, mas também embainhadas por vezes como com Ribeiro e Castro. A coisa lá é um bocado caipira, com corpos a boiar nos esgotos e naifas nas espáduas. Ora PC lá venceu internamente, conseguiu chegar às eleições e até ganhá-las folgadamente.

Tendo em conta o modo cordato como se foi apresentando, PC pareceu-me pouco indicado para enfrentar Sócrates e o seu modo pugilístico de fazer política, baseado nos golpes baixos e no que quer que houvesse mais a jeito junto às cordas. Em seguida, foram surgindo as posições desajeitadas, evidenciando boa fé e convicções, mas também tácticas contraproducentes, como a famosa revisão constitucional. Num certo ponto, a questão já não era a de saber se PC poderia vir a ser bom governante mas se conseguiria ganhar o combate eleitoral, num país de subsidiodependentes a quem se agitasse a bandeira do medo. Enquanto eu seguia tudo com grande cepticismo ("stupid me"), optou pela estratégia do jogo claro, e saiu-se bem, dizendo pura e simplesmente ao que vinha com um programa de excelente concepção intelectual, integridade e clareza, a até de refrescante liberalismo.

Sinais não passam de presunções, mas na vida usámo-los permanentemente e isso é porque seguramente as percentagens de acerto são satisfatórias. O ponto que estávamos a desenvolver é um claro indício de que PC promoverá a verdade e a transparência, talvez os mais estruturais elos da boa governança, onde até poderia apresentar, como exemplo "a contrario", o famoso Emanuel dos Santos, de seu cognome "o grego", e as suas manipulações estatísticas e contabilísticas com o Orçamento. Seguiram-se coisas menores mas também significativas nesta perspectiva, e isto vai desde a manutenção de hábitos simples de vida, rapidez sóbria e pontualidade nas actuações e ordens para frugalidade, onde ressalta o muito badalado modo de viajar em turística e a diminuição do uso da frota automóvel.

Se é mais do que um acaso, há também que valorizar fortemente a maneira como transformou a derrota na eleição para Presidente da Assembleia da República numa clara vitória. Esta agilidade de golpe de cintura é um raro trunfo na vida conflitual que o espera. Manteve a palavra dada (coisa rara) ao jarrão Nobre a tirou da cartola Assunção Esteves, mulher, de grande talento, e com um sorrisinho Julia Roberts (em " Peter Pan", não "Mulher de Sonho", entendamo-nos). "Well done".

A faceta simbólica mas também repercutiva vimo-la, igualmente com agrado, no desligar da máquina dos governos civis, quiosques da ligação espúria dos partidos ao Estado e da redundância ou excrecência de serviços públicos. Prometido sistematicamente por toda agente , a desactivação está finalmente a consumar-se.

Não deu tanto nas vistas como merecia, mas achei de alta qualidade, o apelo para deixar o passado para trás, fugindo ao natural instinto da comparação com o socratismo e as suas judiarias, o que revela o espírito positivo que é o apanágio do sucesso, propiciando também possíveis cooperações essenciais com os adversários.

Para prosseguir um Programa de Governo de refundação do Estado, como o qualificou um exuberante Cantiga Esteves, PC formou uma equipa governativa onde a dialéctica politico-técnico, experiente - inexperiente ou grande-pequeno parece irrelevante, pois o que se vê é um conjunto de pessoas de convicções, competentes, focalizadas, motivadas e com sentido de missão. Para gestão de organizações e prossecução de objectivos, não se pode querer melhor perfil.

Atrevo-me, então, a pensar que quando chegar a nossa vez de renegociar a dívida soberana talvez sejamos ouvidos como parceiros e não com o desdém com que Portugal é actualmente visto fora de portas.


Advogado, autor de " Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com
Assina esta coluna semanalmente à sexta-feira
 
Mensagens: 935
Registado: 17/3/2009 14:43
Localização: 16

por pepi » 1/7/2011 12:42

Trabalhar para aquecer
01 Julho2011 | 11:55
Pedro Santos Guerreiro - psg@negocios.pt

Há uma fina ironia no nome que o Fisco dá aos contribuintes: "sujeitos passivos".
É o que somos. Sujeitos a cada vez mais impostos. Passivos a aceitá-los. Tem que ser. Tem mesmo que ser. Passos Coelho fez bem. Mas terá de fazer agora melhor. Porque se este novo imposto é da responsabilidade de Sócrates, o próximo já será da responsabilidade de Passos Coelho.


O discurso inaugural do novo primeiro-ministro foi igual ao discurso inaugural dos anteriores primeiros-ministros: a situação é pior do que supunham; o anterior Governo mentiu; é preciso mais impostos. O que, como das outras vezes, é verdade. Acontece que desta vez Portugal está ligado ao ventilador. Respira oxigénio numa atmos-fera artificial: o empréstimo externo.

Já perdemos as contas do rosário de impostos que passámos a pagar nos últimos anos. Mas apesar de todos eles, e apesar dos cortes na Função Pública, o Orçamento continua a derrapar. Sócrates foi Sócrates até ao fim: nas eleições falava em excedente orçamental. Mas era défice de 7,7%. Há um buraco de mais dois mil milhões. É uma vergonha. É uma vergonha...

Pedro Passos Coelho fez o que tinha de fazer. As metas de défice orçamental foram traços contínuos atravessando selvaticamente. Mas agora não há estrada do outro lado do traço. Há um precipício.

Este anúncio de impostos tirou Portugal da diversão criada pelas eleições. Voltámos ao mundo real, às contas, às dívidas, às dúvidas. E o mundo real é este: a Grécia à beira da loucura, Portugal a fugir do efeito de sucção.

A situação é de uma delicadeza extrema. Sem o empréstimo externo, Portugal estaria a ficar sem dinheiro para pagar salários e pensões, para importar comida e combustíveis. O resto é conversa. Mas o empréstimo externo é uma botija de oxigénio contado: cada milhão emprestado corresponde a segundos desse oxigénio. Ou voltamos à superfície entretanto, ou precisaremos de mais oxigénio. De mais dinheiro. De mais austeridade. Foi nessa espiral que a Grécia entrou. É dela que temos que fugir. Passos Coelho tem de garantir uma execução impecável do plano da troika. Dependemos de nós e de outros para sair desta desgraça. Mesmo que os outros falhem, temos de cumprir nós. Repito: é isto ou o caos.

O imposto extraordinário é mais justo do que um corte de salários da Função Pública, porque abrange todos. É mais justo que um aumento de IVA, porque é progressivo. Mas se falhar, não evitou a subida do IVA, apenas a precedeu. O imposto extraordinário é, todavia, injusto porque premeia - e estimula - a evasão. Paga o reformado, o assalariado, o recibo verde, o senhorio, o funcionário público. Não paga o empresário malandro que declara o salário mínimo. Fugir compensa. Agora compensa mais.

O direito ao trabalho transformou-se na obrigação de pagar impostos. Os contribuintes vão continuar a trabalhar para aquecer se o Governo trabalhar para esquecer. Sim, os primeiros-ministros começam sempre da mesma maneira, mas não têm de acabar todos da mesma maneira. Passos tem de acabar bem. Ou acaba connosco.

A tolerância social está a alargar como um elástico. Mesmo que não haja mais austeridade (e haverá), teremos aumentos de transportes, do IVA da electricidade, das taxas moderadoras, de serviços, de prestações de crédito. Feliz Natal, Estado, a nossa metade está feita, agora façam a vossa. E dessa não bastam 50%.
 
Mensagens: 935
Registado: 17/3/2009 14:43
Localização: 16

por Elias » 30/6/2011 20:38

Novo Governo, nova esperança: "déjà vu"
30 Junho2011 | 11:46
Nuno Garoupa

Aí está o novo Governo. Foi recebido, na generalidade, com palavras positivas na comunicação social

(1) Aí está o novo Governo. Foi recebido, na generalidade, com palavras positivas na comunicação social, muitos com a esperança de uma nova geração de caras e políticas reformistas, e com um primeiro-ministro que sabe que não pode falhar. Agora sim Portugal vai mudar, vai arrumar casa, e vai crescer ("Portugal de novo o aluno exemplar"). Mas, para os mais esquecidos, e parecer que em Portugal está muito na moda esquecer, foi assim em 2005. Os mesmos elogios, a mesma conversa do reformismo, e também uma mesma promessa de um primeiro-ministro que não vai falhar (e sabemos agora que falhou e por muito). O mesmo panegíricio pelos mesmos de sempre ("O optimismo que faz bem a Portugal"). Os mesmos comentadores, os mesmos grupos de pressão, os mesmos senadores do regime. Pode ser que Passos Coelho venha a ser muito melhor que Sócrates. Mas espero que saiba ver que o mesmo coro de loas e hosanas é apenas um sinal de que Portugal realmente não mudou.

(2) A obsessão com os "independentes" é um fetiche português certamente decorrente do anti-partidarismo que impera na sociedade portuguesa, herança do salazarismo que não só não desapareceu como se agravou com a degradação do regime. Os "independentes" são umas senhoras e uns senhores que não pagam quotas como filiados num determinado partido. A relação entre o pagamento de quotas e o mérito individual é absolutamente absurda, mas está transformada num dogma essencial da nossa democracia. Politólogos, comentadores, jornalistas, todos analisam o número de independentes no Governo, o seu significado, a sua escolha. E, no entanto, objectivamente os quatro ministros "independentes" são figuras próximas do PSD há mais de dez anos, alguns deles com carreiras que passaram pela Administração Pública em épocas do PSD e/ou com participação activa em iniciativas do PSD. Francamente, é absolutamente irrelevante para avaliar os novos ministros, mas os profissionais da comunicação social portuguesa (também todos eles "independentes") acham que o pagamento de quotas é que importa. Em qualquer outra democracia os "independentes" à portuguesa são simplesmente identificados como próximos de um determinado partido, isto é, o PSD tem sete pastas e o CDS três (em vez do 4-4-3 que os jornalistas comentaram durante dias e dias). Mas, em Portugal, gostamos de "independentes" por oposição aos "dependentes". Acontece que em qualquer democracia avançada são os "dependentes" que mandam e governam. No Reino Unido até existe a regra pela qual não se pode servir no governo sem previamente ser membro do Parlamento. Uma democracia de "dependentes". Ainda não descobriram as maravilhas dos "independentes".

(3) A ministra da Justiça não é uma "independente" mas antes um peso político importante da coligação. Como foram os dois ministros anteriores. E pelos exemplos de Alberto Costa e Alberto Martins é evidente que ter uma senioridade política não chega (bem pelo contrário, acredito que o PS teria feito mais e melhor na Justiça com gente mais nova e mais consciente que tinha nos seus governos). Tenho a certeza que a ministra tem quer a personalidade, quer o "modus operandi" para prosseguir com sucesso uma reforma da Justiça que finalmente possa melhorar significativamente os nossos tribunais. Ao contrário dos ministros anteriores, tem o conhecimento profundo do mundo judiciário e experiência dos tribunais para perceber o que tem que mudar. Foi bem recebida pelas corporações, pelos poderes fáticos da justiça portuguesa, e até por observadores normalmente mais críticos (como Boaventura de Sousa Santos). As mesmas corporações, os mesmos poderes fáticos da justiça portuguesa, e os mesmos observadores críticos que não pouparam elogios a Alberto Martins em Outubro de 2009. E sabemos como bem acabou a reforma da justiça nas mãos do PS.

(4) Escrevo esta coluna antes de ter a oportunidade de ler o Programa de Governo para a justiça. Mas antecipo duas notas. Primeiro, o cumprimento cabal do memorando com a troika. Como já aqui escrevi (bem como no documento elaborado pela Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa), na área da justiça, o documento parece-me tecnicamente deficiente, inconsistente, irrealista e problemático (sem colocar em causa que muitas das medidas pontuais preconizadas pela troika sejam positivas). Entendo que a ministra da Justiça tenha que cumprir aquilo que o Governo português prometeu fazer, mas temo que a coisa não vai correr bem (porque, com o actual documento, não podem correr bem). Muitos comentadores da Justiça já falam em cumprimento parcial ou selectivo, eliminado aquilo que tem menos sentido. Concordo. Mas a ministra é vice-presidente de um partido que assinou esse memorando e não recordo nenhuma palavra cautelosa quer do PSD, quer do CDS ao que lá está escrito.

Segundo, daquilo que conheço da ministra pelo que vem dizendo nos últimos anos, ela acredita que temos essencialmente um problema de gestão e organização, eventualmente um problema de cultura judiciária corporativa, mas não um problema sistémico de modelo. Uma vez que o nosso modelo não funciona nem em Portugal, nem em Espanha, nem em França, nem em Itália, eu tenho uma opinião distinta. Evidentemente temos um problema conjuntural (no que certamente partilho do diagnóstico da ministra), mas temos também um problema estrutural, e este bem mais grave. Enquanto a política na Justiça não reconhecer esse problema estrutural, não vai mudar muito (ainda menos vamos ter poupanças significativas como pretende a troika). Mas cá estaremos em 2015 para ver quem tinha razão! Espero sinceramente que a realidade mostre que eu estava errado.
 
Mensagens: 35428
Registado: 5/11/2002 12:21
Localização: Barlavento

por pepi » 30/6/2011 13:00

Contas a fingir
30 Junho2011 | 11:35
João Cândido da Silva - joaosilva@negocios.pt

As contas das administrações públicas apresentaram um saldo positivo no final do primeiro trimestre deste ano, diz um documento oficial.
As contas das administrações públicas apresentaram um saldo negativo no primeiro trimestre de 2011, garante outro documento oficial. Está baralhado?

Se respondeu "sim", compreende-se. O verdadeiro estado das finanças públicas raramente foi matéria que, em Portugal, conseguisse honrar, sem reservas, a transparência e a seriedade que deviam caracterizar as relações entre o Estado e os cidadãos. Qualquer leitor habitual dos pareceres do Tribunal de Contas acerca das contas públicas terá escassas dúvidas de que muito do dinheiro sugado à economia é gasto sem critério, nem diligência. E, pior, também não ficará surpreendido por haver frequentes menções a despesas que deviam estar devidamente reflectidas mas que se limitam a pairar no éter, na esperança de quem ninguém as detecte.

O período final da vida do anterior Governo foi o cenário onde se tentaram construir as mais grosseiras manipulações para iludir eleitores e credores de que a execução orçamental não só estava a correr sobre rodas, como até a brilhante gestão do dinheiro dos contribuintes estava a gerar excedentes. Pura ilusão.

A táctica utilizada foi básica e tinha a solidez de um castelo de cartas exposto a uma rajada de vento. Bastava pegar nos relatórios mensais de execução da direcção-geral do Orçamento, ignorar que os valores de receitas, despesas e saldos neles contidos eram um mero exercício de tesouraria que reflectia apenas entradas e saídas de dinheiro e omitiam compromissos assumidos mas não liquidados. Depois, os números eram arremessados para a opinião pública como uma prova de sucesso no controlo do monstro, papel que, pela sua natureza, os documentos em causa nunca poderiam representar.

Foi assim que o Governo anterior foi saltitando de mentira em mentira, acabando por anunciar, sem pingo de vergonha e provavelmente sem vestígios de remorso, que o saldo das administrações públicas durante os primeiros três meses de 2011 tinha sido positivo em quase 500 milhões de euros. O vistoso desempenho, conforme logo se apressaram a garantir os porta-vozes para todo o serviço, era um resultado "importante" e "positivo".

Se ainda tiver sobrado alguma garganta a esses portadores das boas novas, depois de a terem usado para actos de propaganda de qualidade rasteira, poderão agora utilizá-la para engolirem os elogios que teceram a uma gestão do Orçamento do Estado que revela dados importantes mas que de positivo tem pouco oferecer. As dúvidas que persistissem ficaram esclarecidas ontem.

A verdade sobre as contas públicas do primeiro trimestre deste ano, de acordo com os cálculos do Instituto Nacional de Estatística, confirma que onde estava escrito superavit encontra-se, afinal, um défice. E bem gordo. São perto de 3.200 milhões de euros de saldo negativo, equivalentes a 7,7% do produto interno bruto, valor que está longe da meta orçamental de 5,9% que Portugal tem de cumprir este ano.

As conclusões são evidentes. A situação orçamental vai exigir medidas de correcção adicionais se o actual Governo quiser evitar a continuação de uma derrapagem fatal. É o que Pedro Passos Coelho deverá fazer hoje, quando anunciar mais uma dose de austeridade indigesta. Depois, ficou mais nítido o retrato da irresponsabilidade delirante do Governo de José Sócrates. Fez muito pouco para dominar as contas públicas mas fez muito para fingir que as controlava. Pior, teria sido difícil.


joaosilva@negocios.pt
 
Mensagens: 935
Registado: 17/3/2009 14:43
Localização: 16

por Elias » 29/6/2011 19:26

A "engenharia" dos feriados
29 Junho2011 | 11:24
Bagão Félix

De vez em quando vem à baila o tema dos feriados e das "pontes".

Por sinal, assunto velho… É que o Código de Trabalho (CT) de 2002 já estabeleceu que "… determinados feriados obrigatórios podem ser observados na segunda-feira da semana subsequente".

Com novo Governo e velha crise, assunto renascido.

Temos 13 feriados (um eles, a Páscoa, ao domingo), a que se juntam, por regra, mais 2, o municipal e o Carnaval. Ao contrário do que se papagueia, não muito diferente da Europa (sem contar com feriados regionais: Espanha, 12; França 13; Alemanha, 10; R. Unido, 9; Grécia 14; Itália 12).

Pode discutir-se a supressão de um ou outro feriado, mas talvez se devesse começar por efectivar o que o CT já previu: a redução das chamadas "pontes". Primeiro, porque esta "engenharia" é, não raro, mais perturbadora para a organização da produção do que os próprios feriados. Depois, porque as "pontes" se concentram, injustamente, nos mesmos: Estado, serviços, sector financeiro, cidades principais e pouco mais. Quase nada no sector primário, nas fábricas e no interior…

Dado o acentuado simbolismo (civil ou religioso) de certos feriados, esta disposição só deve ser aplicada a alguns. Em minha opinião, a dois feriados religiosos (Corpo de Deus e 8 de Dezembro), a dois feriados civis (5 de Outubro e 1 de Dezembro) e ao feriado municipal.

É claro que estas alterações são, sobretudo, sinalizadoras. É que o nosso nível de produtividade não está tanto nos dias em que não se trabalha, mas mais nos dias em que se trabalha…

Descontando 2 dias de descanso por semana, as férias e os feriados, trabalha-se (sem faltas) em 225 dias por ano e recebe-se o equivalente a 425 dias (14 meses). Por outras palavras, por cada dia de trabalho efectivo, recebe-se 1,9 dias de salário.
 
Mensagens: 35428
Registado: 5/11/2002 12:21
Localização: Barlavento

por The Mechanic » 27/6/2011 15:09

Bom artigo do PSG ...ainda não tinha lido .

Este tambem não é mau . Não é melhor, mas tambem não é mau e põe o dedo na ferida . Numa das feridas . Uma ferida que já tem larva que come as outras larvas que já lá estavam . Uma ferida do tamanho do Deficit .


Um país dominado por corporações24 Junho2011 | 19:14
Camilo Lourenço


Um país dominado por corporações Opinião

A última semana e meia foi um belíssimo retrato da sociedade portuguesa. Primeiro a divulgação, pelo Observatório da Saúde, de um relatório que referencia atrasos escandalosos na marcação de consultas (o relatório tinha erros mas o retrato não deve estar longe da realidade...).
Pois não passou um dia sem o “establishment” rebater, qual virgem ofendida, o estudo (com ameaças de processos em tribunal).

Dias depois a Inspecção-Geral de Finanças (IGF) detectou casos de potencial fraude em 40% das despesas com a comparticipação de medicamentos. No mesmo dia lá apareceram as inevitáveis “condenações”. Esquecendo-se que o documento fornece dados inquietantes: receitas passadas em nome de médicos falecidos, médicos com milhares de receitas passadas por ano, etc.

A semana não terminou sem mais um exemplo do desperdício de dinheiros do contribuinte: uma auditoria da IGF ao Ministério da Justiça detectou 165 mil euros em pagamentos a magistrados... já falecidos. O mesmo documento diz que o Ministério não dispõe de “informação actualizada sobre os trabalhadores a quem processa remunerações e suplementos e sobre a sua assiduidade”.

É este o Portugal moderno. Um país com muita coisa errada... mas onde as corporações não deixam mexer em nada. Só há uma forma de mudar isto: estar disposto a perder as próximas eleições. Porque a “limpeza” vai mexer com tantos lobbies que estes não hesitarão em por o país a ferro e fogo para não perderem privilégios.

P.S – A directora do CEJ demitiu-se depois de “correr” a nota 10 aspirantes a magistrados que copiaram num teste. Mas o problema mantém-se: como é que quem prevaricou vai um dia julgar alguém?



O dia em que se acabem os "interesses instalados" , dá-se um passo de gigante na direcção da contenção da corrupção.




.
" Os que hesitam , são atropelados pela retaguarda" - Stendhal
"É óptimo não se exercer qualquer profissão, pois um homem livre não deve viver para servir outro "
- Aristoteles

http://theflyingmechanic.blogspot.com/
Avatar do Utilizador
 
Mensagens: 4564
Registado: 16/12/2004 15:48
Localização: Sintra

por kknd » 24/6/2011 12:54

PSG (excelente como habitual)


O Governo mudou. E os governados?

Reestruturação. Reperfilização. Default. Core Tier 1. Junk. Subprime. Desalavancagem...
A crise, esta crise, trouxe neologismos, anglicismos, eufemismos, tautologias e parvoíces. Mas no campeonato das banalidades nenhuma frase bate esta: "É preciso mudar de vida". Quem, nós? Não: "Eles".

"Eles". É sempre fácil culpar "eles", mandá-los à fava, listar queixas, encomendar sermões. "Raios partam a vida e quem lá ande", gritava Fernando Pessoa, que só queria ser deixado em paz.

A mudança é uma receita fácil de prescrever. Durante anos, o problema era "as mentalidades". Era preciso mudá-las, garantiam os empedernidos. Era a Educação, "berço de tudo". Era a família, "sem valores". Era, claro, "o Governo", os estafermos dos políticos, os privilegiados dos deputados, os incompetentes dos juízes, os manhosos dos funcionários públicos, os imbecis dos jornalistas, os gananciosos dos banqueiros, os capitalistas dos capitalistas, os burros dos sindicatos, os espertos dos gestores, os subsídios e os seus preguiçosos, as luvas, os polvos, o mexilhão, os corruptos, as barrigas dos polícias e os bigodes dos ciganos, "isto só neste país". Agora, são também os cegos das agências de "rating", os mudos dos mercados, os surdos dos eurocratas, os insossos dos alemães, os impalpáveis dos gregos. É preciso mudar, mudar toda essa gente, "mudar de vida", mudar. "Quem está mal muda-se"? Não: muda os outros. Mudem todos, mude tu, ele, nós, vós, eles, mude tudo para que não tenha de mudar uma só pessoa: "eu".

Não é cinismo, é instinto de preservação. Os governadores civis não querem ser extintos, os tripulantes da TAP querem descansar mais, os maquinistas da CP não querem perder as horas extraordinárias, os accionistas não querem pagar mais impostos pelos dividendos, há devedores que querem renegociar as dívidas, teme-se a nova lei laboral, as privatizações, a disciplina da troika. A mudança traz risco. Imprevisibilidade. E protestar, nos últimos anos, tem compensado.

O Governo já mudou. Não se lhe conhece ainda a cepa, não se sabe se, além de pequeno, será grande. Mas é um Governo diferente. Não traz D. Sebastião mas é menor, jovem, voluntarista, liberal, com independentes, para "arejar", como disse Passos Coelho. Tem do seu lado a aparente vontade colectiva de que corra bem. Nisso, até a eleição de Assunção Esteves é uma janela aberta. Porque é uma escolha por mérito, e não por carreira. Porque é nova. Porque é mulher. Uma mulher eleita sem quotas. É sobretudo um símbolo, nada mais, mas é um símbolo.

Depois de "eles", agora nós. Muitos mudam sem querer. Os que perderam o emprego. Os que, mantendo, pagam mais impostos. Os endividados que pagarão prestações mais altas. Mas mudar de vida é outra coisa. É ver o que se tem e o que se pode. Amortizar créditos, se possível.

Ser mais produtivo, se plausível. É gastar menos, poupar mais, trabalhar mais, trabalhar melhor, ser solidário. O que vai fazer este ano ao subsídio de férias?

É diferente do que fez no ano passado?

Estado de graça é, para os católicos, uma iluminação. "Uma espécie de nimbo que não é imaginário: vem do esplendor da irradiação quase matemática das coisas e das pessoas", segundo Clarice Lispector.

É nesse estado que estamos. De olhos na Grécia. De dedos cruzados. Com uma troika que também quer mudar "eles" - em que os "eles" somos nós. Mudar de vida? A vida já mudou de Governo. Agora nós. Você. "Eu".




http://www.jornaldenegocios.pt/home.php ... &id=492389
 
Mensagens: 231
Registado: 14/8/2009 12:27
Localização: 14

por Elias » 23/6/2011 0:14

O Condomínio
21 Junho2011 | 11:41
Mario Braz

O prédio estava acabado. Cerca de 100 fogos, 4 elevadores, garagens, aquecimento central, logradouro, vista de mar, excelente qualidade construtiva e muito boa implantação.
Assegurava-se, numa base rotativa, a manutenção dos elevadores, limpeza das escadas e dos patamares, substituição de lâmpadas, inspecções aos extintores, pequenas reparações, retirada e limpeza dos caixotes de lixo, etc. As quotas de 1€/0,1% cobriam as despesas e permitiram a constituição de um fundo de reserva com o excedente. Os condóminos viviam satisfeitos com o seu investimento.

Numa certa assembleia (AC) um grupo de condóminos fez ver aos restantes que seria vantajoso entregar a gestão do prédio a uma empresa externa. Traziam 3 orçamentos e a AC acabou por a adjudicar à empresa "Sonhos Lda.", por maioria. A proposta apresentava um preço substancialmente inferior às outras. Essa AC reunia em 2ª convocatória, uma hora depois, por falta de "quórum" da 1ª, estando presentes apenas 30% do capital do prédio. Na prática, a decisão tinha tido votos de 15.1% dos condóminos.

Passou a assistir-se diariamente a um corropio de técnicos a vaguear pelas escadas, patamares, garagens, etc., sempre com um ar muito ocupado e com duas canetas BIC a sair do bolso da lapela. E até o amplo logradouro, antes ocupado com alguma agricultura de subsistência levada a cabo pelos condóminos mais antigos, deu origem a um lindo jardim com sebes podadas e plantas ornamentais. "Se querem alfaces, plantem-nas em casa!" ouviram um dos novos administradores comentar, um dia, com o gerente da empresa subcontratada para os jardins.

Sucediam-se intervenções, lâmpadas eficientes, botões tácteis, aromatizantes automáticos nos patamares..., até foi deliberado que a sala de condomínio passaria a ser alugada para festas, sendo equipada com cerca de 100,000W de luz e som. E se parecia excessiva a potência a instalar (1000w/m2) logo um dos administradores mostrou um estudo feito por um sobrinho, estudante de engenharia do som, que era totalmente conclusivo.

A obra foi financiada com a nova linha de "crédito-condomínio" com condições verdadeiramente fabulosas e que, acima de tudo, podia ser contratado directamente pela administração. Era classificado como um produto AAA…

Refira-se que o investimento na sala de condomínio se veio a revelar um fiasco, pois as pessoas que a alugavam para festas infantis queriam apenas uma piscina de bolas, insufláveis e pintura de caras. O excelente equipamento de luz e som, uma opção do aluguer, ficava sempre de fora das opções escolhidas.

As ACS extraordinárias sucediam-se, sempre com o mínimo do capital presente, com aprovação de aumentos de quotas necessários ao financiamento das novas realizações, votos de louvor do desempenho da administração, prémios e aumento de remunerações.

Um dia de verão, ao fim da tarde, um dos administradores avançou com a sugestão: deviam revestir o prédio com folha de ouro. Dessa forma (a) valorizavam o activo (b) distinguiam-se dos outros prédios da rua (c) aumentavam o número de turistas na rua e (d) podiam fazê-lo com um reforço da linha de crédito existente, portanto, sem sequer ter de esperar o regresso de férias! Uma ideia genial, logo aprovada por aclamação. Selaram a decisão com uma garrafa de champanhe francês, o qual ficou registado nas contas do prédio como "material de limpeza diverso".

Alugado o andaime à ex-firma de um dos administradores por um prazo de 3 anos e pago à cabeça, o revestimento a folha de ouro ia avançando. Uma senhora do 2.º andar chegou a ter que ser posta na ordem por um administrador, ao afirmar que a lâmpada do seu patamar já não acendia há 15 dias; "Minha senhora, alargue as vistas, porque valores mais altos se levantam!".

Até um dia em que no prédio, já forrado a ouro até ao penúltimo andar, se recebeu um telefonema do banco.
- "O que se passa, estás lívido, parece que viste um fantasma!" afirmou o administrador para o seu colega.
- "Era do banco", respondeu o outro.
- "E então, já podemos levantar a última 'tranche' para comprar a folha de ouro que falta?" ;
-"Não. Parece que houve mudança de gerência; para levantar essa 'tranche' temos que pagar pelo menos 30% do capital em dívida e apresentar um plano de pagamento para o restante".
- "Pagar como? não vez que já gastamos todo o fundo de reserva? não me digas que temos outra vez que convocar uma AC e aturar aqueles idiotas dos condóminos?!"
- "Não vejo outra saída..."

Convocada a AC, tendo como ponto único da ordem de trabalhos a salvação do condomínio, compareceram desta vez 90% dos condóminos. Só que a deliberação quase unânime, após várias horas de acesa discussão, no mínimo surpreendeu.

Nem aumento de quotas, quota extraordinária ou contribuição especial. Face ao montante acumulado do crédito, seria de reestruturar o serviço da dívida, negociando um novo plano de pagamentos aceitável. A AC mandatou os administradores para resolver essa situação, após o que passariam a empregados do prédio, pagando em trabalho o que viesse ser apurado como prejuízos da sua má gestão.

Passaram-se anos, já retirado o andaime (sem indemnizar a dona), vendidos os equipamentos da sala de condomínio e os outros "extras", passei no prédio. Os fatos e gravatas dos administradores vestiam agora uns grandes bonecos de palha que, no logradouro, iam afastando a passarada das cenouras, feijões, batatas, etc; os sempre-diligentes administradores, de fato-macaco, iam ajustando os bicos de rega gota-a-gota enquanto viam a produção a crescer...
 
Mensagens: 35428
Registado: 5/11/2002 12:21
Localização: Barlavento

por Elias » 17/6/2011 15:27

16 hectares e uma mula
17 Junho2011 | 11:32
João Quadros
negocios.pt

Portugal entrou numa nova fase. Em pouco tempo, passámos do discurso da tanga para o apelo a gente de tanga (por muita tanga de gente).
Os apelos são vários e para todos os gostos. Temos o apelo: ao patriotismo, à frugalidade, à capacidade de trabalho, ao sacrifício, ao que é nosso e finalmente; o meu preferido; o apelo da terra. Fico com as bochechas rosadas só de ouvir o apelo da terra, falar do campo faz-me bem à saúde.

No "último" discurso, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, exortou os portugueses a regressarem ao campo e à agricultura. A exortação faz sentido porque, neste momento, há muitos portugueses que sentem o apelo da selva; e isso não é bom.

Vejo com bons olhos (tenho uma varanda larga) o regresso à agricultura de subsistência. Porque como, resumindo os apelos, temos de ser frugais e comer pouco mas português, a melhor opção é cultivar a minha própria comida e a do meu banco. Mas, infelizmente, temo que seja apenas mais uma etapa. Receio que, em breve, o nosso Presidente apele ao retorno à actividade de caçador-colector. E que, para além do mini-latifúndio alentejano, nos seja sugerido o retorno ao Vale do Côa. Tudo é possível. Basta pensar que o regresso à permuta (e creio que o nosso Presidente não tem nada contra) podia ser uma boa alternativa no caso de abandonarmos o Euro (ou o Euro nos abandonar).

A recente paixão de Aníbal Cavaco Silva pela agricultura vem, mais uma vez, provar a importância das redes sociais. Cavaco apaixonou-se pela agricultura no Facebook. Se vamos assistir a uma revolução agrícola em Portugal é tudo graças ao Farmville e ao vício que se apoderou do PR. Não pode haver outra explicação. Ver Cavaco Silva, o homem de betão (o rei do asfalto), apelar aos jovens para que optem pela carreira de agricultor é como ver a Heloísa Apolónia defender as centrais atómicas, em voz baixa. Acho que tudo isto faz muito pouco sentido.

Percebo que queiram enviar os miúdos para o campo; quantas vezes tenho vontade de mandar os meus; mas vão fazer o quê?! A plantação de cannabis é ilegal. Agricultura?! No campo?! No campo, não pode ser. Antes dos jovens, há cem mil agricultores portugueses, profissionais do ramo, que também tinham algum interesse em praticar a agricultura (e que possuem o chamado terreno) mas recebem subsídios da União Europeia para que não se atrevam a fazê-lo. Em termos de reformas agrárias, demos muitas voltas e acabámos no "a terra a quem não se atreva a trabalhar."

Seja como for, sou muito sensível ao apelo da terra (especialmente no início da Primavera, por causa das alergias) e acho que uma revolução no sector agrícola pode ser essencial para conseguirmos sair da crise. Nunca subestimem o poder de um legume - os alemães que o digam.


5 para entreter enquanto espera por meia-dose de governo

1. "Sócrates irá fazer um ano 'sabático' e vai para o estrangeiro estudar filosofia" - nãaaaaao! Outra vez os gregos! Só sei que nada sei.
2. "O Presidente da República disse esperar que os portugueses queiram ser curados" - vamos a meio caminho, já estamos coalhados.
3. Juízes apanhados a copiar passam todos com 10 valores - mas com uma repreensão por terem sido apanhados. Com 7 valores ficam os que os apanharam, mais uma multa de cem euros por desrespeito ao tribunal. Têm desculpa. A ocasião faz o ladrão, e a toga está mesmo a pedir cábulas.
4. O ex-líder do PS anunciou a saída da política portuguesa e despediu-se dos camaradas com um "adoro-vos" - Afinal, Sócrates é um animal de peluche. Consta que Assis terá respondido: "papá!" e que Seguro fez bolhinhas de cuspo com a boca.
5. Segundo o CM, Fernando Nobre foi um problema nas negociações entre PSD e CDS. Mas tornou-se um "problema contornável" …Espero que não estejam a pensar dar-lhe um tiro na cabeça. Acho que o lugar de deputado e a oferta da colecção de radiografias do Catroga, à AMI, é tudo o que Nobre leva destas eleições.
 
Mensagens: 35428
Registado: 5/11/2002 12:21
Localização: Barlavento

AnteriorPróximo

Quem está ligado:
Utilizadores a ver este Fórum: Bing [Bot], Google [Bot], PAULOJOAO e 247 visitantes