Guerra Cambial...
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Guerra Cambial...
Gostava de ler alguns comentários dos mais experientes a esta notícia.
Os EUA vão vencer a guerra cambial
Martin Wolf
17/10/10 14:48
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Este ano, as divisas dominaram as reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional.
Duas, mais concretamente: o dólar e o iuan - a primeira por ser considerada demasiado fraca e a segunda por ser considerada demasiado inflexível. Mas por detrás desta querela esconde-se um desafio maior: qual é a melhor maneira de gerir o ajustamento económico global?
Olivier Blanchard, conselheiro económico do Fundo Monetário Internacional (FMI), escreveu no prefácio do mais recente ‘World Economic Outlook' que "alcançar uma ‘retoma mundial robusta, equilibrada e sustentada' - para citar a meta definida pelo G20 em Pittsburgh - nunca poderá ser fácil, uma vez que implica dois exercícios difíceis e fundamentais de realinhamento económico".
O primeiro é o realinhamento interno - que pressupõe um novo voto de confiança na procura privada dos países desenvolvidos e a redução dos défices orçamentais que emanaram da crise. O segundo é o realinhamento externo - que requer maior confiança nas exportações líquidas por parte dos EUA e doutros países desenvolvidos, e na procura interna de algumas economias emergentes, em particular da China. Infelizmente, conclui o Prof. Blanchard, "a execução destes dois exercícios de realinhamento está a ser demasiado lenta".
Este reequilíbrio pode ser decomposto em duas dimensões. Na primeira, os países desenvolvidos com despesa e défices elevados têm de proceder à desalavancagem dos seus sectores privados rumo ao que Mohamed El-Erian, da empresa de investimento Pimco, chamou "a nova normalidade". Na segunda, as economias com posições externas robustas e fortes oportunidades de investimento, ou ambas, deverão valorizar as taxas de câmbio reais ao mesmo tempo que a expansão da procura interna contrabalança a consequente queda das exportações líquidas.
A política cambial agressiva adoptada pelos países desenvolvidos emitentes de reservas, em particular pelos EUA, é um elemento presente nas duas dimensões. Os gritos de dor que hoje se ouvem em todo o mundo à medida que os mercados valorizam as moedas face ao dólar, reflectem, em parte, o impacto assimétrico da política norte-americana. Mas não só. Também reflectem a obstinada relutância de aceitar as mudanças necessárias, em que cada receptor de capital tenta deflacionar o ajustamento indesejável noutras partes do globo.
Por outras palavras, os EUA querem inflacionar o resto do mundo, enquanto este tenta deflacionar os EUA. Os EUA terão de ganhar visto terem munições infinitas: não há restrições à quantidade de dólares que a Reserva Federal norte-americana (Fed) pode emitir. O que importa debater são os termos da rendição do mundo: as necessárias mudanças nas taxas de câmbio nominais e nas políticas internas.
Se o leitor quiser perceber o quão agressiva a política dos EUA pode vir a tornar-se, recomendo a leitura de um discurso recente de William Dudley, presidente do Banco da Reserva Federal de Nova Iorque, onde sublinha que, "nos últimos trimestres, o ritmo do crescimento tem sido decepcionante, inclusive face às expectativas relativamente modestas no início do ano". Por detrás disto está a desalavancagem das famílias norte-americanas, em particular. O que pode a política cambial fazer em relação a esta questão? Eis a sua resposta: "Taxas de juro muito baixas podem ajudar a suavizar o processo de ajustamento apoiando a valorização de activos, como tornar a habitação mais acessível, e deixando que alguns titulares de empréstimos reduzam o pagamento dos juros da dívida. Além disso, e tendo em consideração que a política cambial pode "cortar a cauda" da distribuição de potenciais resultados económicos adversos, talvez encoraje as famílias e empresas com dinheiro a gastá-lo".
Importa dizer que a situação actual de inflação baixa com tendência para descer ainda mais é potencialmente calamitosa. No pior dos casos, a economia poderá sucumbir à "deflação da dívida". A rendibilidade e a inflação norte-americanas já seguem, neste momento, o mesmo caminho que o Japão seguiu na década de 1990. Como a Fed quer travar esta tendência, está iminente uma nova vaga de ‘quantitative easing'.
Em suma, os governantes norte-americanos farão o que for preciso para evitar a deflação. A Fed manterá esse rumo até os EUA estarem satisfatoriamente "desinflacionados", como se as consequências deste esforço no resto do mundo não lhe dissessem respeito.
Ora bem, as consequências globais são óbvias. Esta política vai conduzir a um aumento dos preços dos activos a longo prazo e encorajar o fluxo de capitais para países com políticas monetárias menos expansionistas, como a Suíça, ou retornos mais elevados, caso das economias emergentes. É o que está a acontecer. O Institute for International Finance, com sede em Washington, prevê que os fluxos de capitais líquidos para as economias emergentes ascendam a mais de 800 mil milhões de dólares (571 mil milhões de euros) em 2010 e 2011. Também prevê uma intervenção massiva por parte dos receptores desse capital, ainda que a um ritmo menor.
Os receptores do capital, sejam eles países desenvolvidos ou emergentes, terão de fazer algumas escolhas desagradáveis: valorizar a taxa de câmbio sabendo que isso prejudica a concorrência externa; ou intervir nos mercados cambiais sabendo que terão de acumular dólares indesejados, que a estabilidade monetária interna vai ser afectada e que a concorrência externa também sairá prejudicada; ou reduzir a entrada de fluxos de capitais através de impostos e controlos apertados. Em termos históricos, os governos sempre optaram pela combinação das três. Desta vez, também não haverá excepções à regra.
Podemos igualmente tentar imaginar como seria a situação inversa. A China opõe-se aos elevados défices orçamentais dos EUA, bem como às suas políticas cambiais pouco convencionais. A China está igualmente determinada a manter a inflação baixa e a limitar a valorização da sua moeda. As implicações desta política são, também elas, óbvias: os ajustamentos nas taxas de câmbio reais deveriam ocorrer através da queda dos preços internos nos EUA. A China quer impor um ajustamento deflacionista aos EUA, tal com a Alemanha quer impor a mesma receita à Grécia. Isto não vai acontecer, nem a China teria interesse em que isso acontecesse. O facto de ser credor dos EUA faria com que o valor real das indemnizações a receber aumentasse. No entanto, a deflação nos EUA pode resultar numa crise global.
O Prof. Blanchard tem razão: os ajustamentos vão ser difíceis e estão apenas no começo. Os EUA não procuram cooperação no ajustamento das taxas de câmbio e no défice externo. Procuram, sim, impor a sua vontade através da imprensa escrita. Os EUA vão vencer esta guerra de uma ou de outra maneira: ou inflacionando o resto do mundo ou forçando a subida das suas taxas de câmbio nominais face ao dólar. O impacto daí resultante vai obrigar as economias mais expostas - como o Brasil e a África do Sul - a ajustarem-se, ao passo que outras, protegidas pelos controlos cambiais - como a China - vão poder gerir melhor o ajustamento.
Seria preferível procurar uma solução cooperativa. Talvez os líderes do G20 possam usar o seu "processo de avaliação mútua" para alcançar este objectivo. A cimeira do grupo, agendada para Novembro em Seul, poderá ser a oportunidade desejada. Ninguém tem dúvidas de que é preciso encontrar uma solução, mas sobejam muitas quanto à vontade de a encontrar. No pior momento da crise os líderes mantiveram-se unidos, mas a Fed prepara-se agora para os isolar uns dos outros.
Exclusivo Financial Times
Tradução de Ana Pina
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Martin Wolf, Colunista do Financial Times
Os EUA vão vencer a guerra cambial
Martin Wolf
17/10/10 14:48
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Este ano, as divisas dominaram as reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional.
Duas, mais concretamente: o dólar e o iuan - a primeira por ser considerada demasiado fraca e a segunda por ser considerada demasiado inflexível. Mas por detrás desta querela esconde-se um desafio maior: qual é a melhor maneira de gerir o ajustamento económico global?
Olivier Blanchard, conselheiro económico do Fundo Monetário Internacional (FMI), escreveu no prefácio do mais recente ‘World Economic Outlook' que "alcançar uma ‘retoma mundial robusta, equilibrada e sustentada' - para citar a meta definida pelo G20 em Pittsburgh - nunca poderá ser fácil, uma vez que implica dois exercícios difíceis e fundamentais de realinhamento económico".
O primeiro é o realinhamento interno - que pressupõe um novo voto de confiança na procura privada dos países desenvolvidos e a redução dos défices orçamentais que emanaram da crise. O segundo é o realinhamento externo - que requer maior confiança nas exportações líquidas por parte dos EUA e doutros países desenvolvidos, e na procura interna de algumas economias emergentes, em particular da China. Infelizmente, conclui o Prof. Blanchard, "a execução destes dois exercícios de realinhamento está a ser demasiado lenta".
Este reequilíbrio pode ser decomposto em duas dimensões. Na primeira, os países desenvolvidos com despesa e défices elevados têm de proceder à desalavancagem dos seus sectores privados rumo ao que Mohamed El-Erian, da empresa de investimento Pimco, chamou "a nova normalidade". Na segunda, as economias com posições externas robustas e fortes oportunidades de investimento, ou ambas, deverão valorizar as taxas de câmbio reais ao mesmo tempo que a expansão da procura interna contrabalança a consequente queda das exportações líquidas.
A política cambial agressiva adoptada pelos países desenvolvidos emitentes de reservas, em particular pelos EUA, é um elemento presente nas duas dimensões. Os gritos de dor que hoje se ouvem em todo o mundo à medida que os mercados valorizam as moedas face ao dólar, reflectem, em parte, o impacto assimétrico da política norte-americana. Mas não só. Também reflectem a obstinada relutância de aceitar as mudanças necessárias, em que cada receptor de capital tenta deflacionar o ajustamento indesejável noutras partes do globo.
Por outras palavras, os EUA querem inflacionar o resto do mundo, enquanto este tenta deflacionar os EUA. Os EUA terão de ganhar visto terem munições infinitas: não há restrições à quantidade de dólares que a Reserva Federal norte-americana (Fed) pode emitir. O que importa debater são os termos da rendição do mundo: as necessárias mudanças nas taxas de câmbio nominais e nas políticas internas.
Se o leitor quiser perceber o quão agressiva a política dos EUA pode vir a tornar-se, recomendo a leitura de um discurso recente de William Dudley, presidente do Banco da Reserva Federal de Nova Iorque, onde sublinha que, "nos últimos trimestres, o ritmo do crescimento tem sido decepcionante, inclusive face às expectativas relativamente modestas no início do ano". Por detrás disto está a desalavancagem das famílias norte-americanas, em particular. O que pode a política cambial fazer em relação a esta questão? Eis a sua resposta: "Taxas de juro muito baixas podem ajudar a suavizar o processo de ajustamento apoiando a valorização de activos, como tornar a habitação mais acessível, e deixando que alguns titulares de empréstimos reduzam o pagamento dos juros da dívida. Além disso, e tendo em consideração que a política cambial pode "cortar a cauda" da distribuição de potenciais resultados económicos adversos, talvez encoraje as famílias e empresas com dinheiro a gastá-lo".
Importa dizer que a situação actual de inflação baixa com tendência para descer ainda mais é potencialmente calamitosa. No pior dos casos, a economia poderá sucumbir à "deflação da dívida". A rendibilidade e a inflação norte-americanas já seguem, neste momento, o mesmo caminho que o Japão seguiu na década de 1990. Como a Fed quer travar esta tendência, está iminente uma nova vaga de ‘quantitative easing'.
Em suma, os governantes norte-americanos farão o que for preciso para evitar a deflação. A Fed manterá esse rumo até os EUA estarem satisfatoriamente "desinflacionados", como se as consequências deste esforço no resto do mundo não lhe dissessem respeito.
Ora bem, as consequências globais são óbvias. Esta política vai conduzir a um aumento dos preços dos activos a longo prazo e encorajar o fluxo de capitais para países com políticas monetárias menos expansionistas, como a Suíça, ou retornos mais elevados, caso das economias emergentes. É o que está a acontecer. O Institute for International Finance, com sede em Washington, prevê que os fluxos de capitais líquidos para as economias emergentes ascendam a mais de 800 mil milhões de dólares (571 mil milhões de euros) em 2010 e 2011. Também prevê uma intervenção massiva por parte dos receptores desse capital, ainda que a um ritmo menor.
Os receptores do capital, sejam eles países desenvolvidos ou emergentes, terão de fazer algumas escolhas desagradáveis: valorizar a taxa de câmbio sabendo que isso prejudica a concorrência externa; ou intervir nos mercados cambiais sabendo que terão de acumular dólares indesejados, que a estabilidade monetária interna vai ser afectada e que a concorrência externa também sairá prejudicada; ou reduzir a entrada de fluxos de capitais através de impostos e controlos apertados. Em termos históricos, os governos sempre optaram pela combinação das três. Desta vez, também não haverá excepções à regra.
Podemos igualmente tentar imaginar como seria a situação inversa. A China opõe-se aos elevados défices orçamentais dos EUA, bem como às suas políticas cambiais pouco convencionais. A China está igualmente determinada a manter a inflação baixa e a limitar a valorização da sua moeda. As implicações desta política são, também elas, óbvias: os ajustamentos nas taxas de câmbio reais deveriam ocorrer através da queda dos preços internos nos EUA. A China quer impor um ajustamento deflacionista aos EUA, tal com a Alemanha quer impor a mesma receita à Grécia. Isto não vai acontecer, nem a China teria interesse em que isso acontecesse. O facto de ser credor dos EUA faria com que o valor real das indemnizações a receber aumentasse. No entanto, a deflação nos EUA pode resultar numa crise global.
O Prof. Blanchard tem razão: os ajustamentos vão ser difíceis e estão apenas no começo. Os EUA não procuram cooperação no ajustamento das taxas de câmbio e no défice externo. Procuram, sim, impor a sua vontade através da imprensa escrita. Os EUA vão vencer esta guerra de uma ou de outra maneira: ou inflacionando o resto do mundo ou forçando a subida das suas taxas de câmbio nominais face ao dólar. O impacto daí resultante vai obrigar as economias mais expostas - como o Brasil e a África do Sul - a ajustarem-se, ao passo que outras, protegidas pelos controlos cambiais - como a China - vão poder gerir melhor o ajustamento.
Seria preferível procurar uma solução cooperativa. Talvez os líderes do G20 possam usar o seu "processo de avaliação mútua" para alcançar este objectivo. A cimeira do grupo, agendada para Novembro em Seul, poderá ser a oportunidade desejada. Ninguém tem dúvidas de que é preciso encontrar uma solução, mas sobejam muitas quanto à vontade de a encontrar. No pior momento da crise os líderes mantiveram-se unidos, mas a Fed prepara-se agora para os isolar uns dos outros.
Exclusivo Financial Times
Tradução de Ana Pina
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Martin Wolf, Colunista do Financial Times
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- Registado: 15/11/2009 0:19
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