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Caldeirão da Bolsa

No Limite das Dívidas

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

por Açor3 » 21/3/2009 8:44

21 Março 2009 - 00h30

Evasão: Serviços apertam cerco a contribuintes
Fisco penhora 212 mil salários
Os serviços da Direcção-Geral de Contribuições e Impostos penhoraram em 2008, por causa de dívidas fiscais, salários a 212 365 contribuintes, um aumento de quase 58 por cento face aos 134 760 ordenados penhorados no ano anterior. A eficácia da máquina fiscal traduziu-se também nas penhoras de 308 536 créditos e de 278 801 contas bancárias e produtos financeiros, a ponto de terem crescimentos superiores a 130 por cento.

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por Açor3 » 15/3/2009 9:16

15 Março 2009 - 02h00

Crise: 230 mil pessoas com dívidas nas farmácias
Reformados já pagam remédios a prestações
Já são mais de 230 mil os portugueses, sobretudo idosos e com reformas baixas, que revelam dificuldades em pagar os medicamentos que, por prescrição médica, são obrigados a tomar todos os dias. Alguns optam por adquirir menos quantidade do que a receitada, sobretudo nos remédios mais caros, como os de combate ao colesterol, e outros, a maioria, estão a optar pelo pagamento da receita em prestações, solicitando esse tipo de crédito à farmácia onde são clientes habituais.

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Re: No Limite das Dívidas

por Cali » 8/3/2009 12:47

excentrico Escreveu:
Cali Escreveu: já eles estavam com a corda na garganta com a subida das taxas, resolvem mandar vir mais um filho (que tem agora 3 anos)!


Não metas o puto ao barulho ;) não tem culpa.
E pode ter sido um acidente :roll:


Pois pode. Mas tambem te digo que quanto menos juizo se tem, mais 'acidentes' acontecem. :roll:


PS - e incomoda-me esta coisa de chamar 'acidentes' aos filhos... :(
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por mais_um » 8/3/2009 11:29

bossas Escreveu:
ainda não sabe como lhes vai contar que naquele dia já não dormirão numa grande casa com jardim, mas sim num pequeno apartamento de três assoalhadas, a poucas dezenas de quilómetros dali


Não vejo qual é o drama. Upgrades quando se pode, downgrades quando é necessário. Drama é a incapacidade de garantir a subsistência, doença, morte, deficiência, enfim ficar condenado a viver de caridade alheia.


Boas!

Pois este é um problema comum na nossa (ocidental) sociedadade, há muitas pessoas que não estão preparadas para lidar com os downgrades e depois fazem asneiras, no limite há quem se suicide, conheço um caso desses.

Penso que a nossa geração está a cometer erros na educação dos filhos ao proporcionar-lhes tudo o que eles pedem, só pelo facto de podermos comprar/pagar. Eles acabam por ficar com a noção que é tudo facil, coloca-mos em colegios privados, acabam por lidar só com pessoas de uma determinada classe social, mas o mundo não é só rosa.

Se algum dia tiverem dificuldades, provavelmente vão ter dificuldades em lidar com a situação, 1º porque foram habituados a olhar de cima para baixo para as pessoas de menor condição social, 2º porque para eles é uma vergonha descer na hierarquia social, isto acontece porque são educados a valorizar os bens das pessoas e não o seu caracter, independentemente da sua condição social.

Cá em casa, sou o chato e o ditador... :mrgreen: :mrgreen:

Um abraço,

ALexandre Santos
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por bossas » 8/3/2009 3:01

ainda não sabe como lhes vai contar que naquele dia já não dormirão numa grande casa com jardim, mas sim num pequeno apartamento de três assoalhadas, a poucas dezenas de quilómetros dali


Não vejo qual é o drama. Upgrades quando se pode, downgrades quando é necessário. Drama é a incapacidade de garantir a subsistência, doença, morte, deficiência, enfim ficar condenado a viver de caridade alheia.

Mas, não termino sem antes dizer que, mais do que eles, os grandes culpados são os oportunistas que lhe venderam esse sonho como possivel: a imobiliária e o Banco. Mas esse foi exactamente o grande problema, a nivel global, no rebentar desta crise


Não. A responsabiliadde pelos actos deriva da capacidade que o homem tem de ser racional, logo, as familias têm iguais ersponsabilidades. Por mim falo que também aproveitei a bolha enquanto foi navegável e agora como todos os dias com o "mamarracho" que me calhou por não ter saido a tempo - um pouco como os caldeireiros se sentem nos negócios em bolsa. Nunca vi caldeireiros a culparem o mercado pelas suas próprias falhas.

Mas não isento de culpas os bancos claro. Isto porque há uma injustiça nesta história:

"Depois de entregar a casa já não ficamos a dever mais nada, pois não? Já não vou ter parte do salário penhorado?", questiona. Com calma, Luís Sequeira, um dos maiores solicitadores de execução, explica: "Infelizmente ainda não vai ter o salário liberto. Porque a dívida total é de 197 mil euros, com os juros." Por mais algum tempo,


Foreclosure=Liberdade=Justiça.

O banco aceitou uma propriedade como colateral. Mandou avaliar essa casa e essa avaliação foi tida em conta inclusive para as condições do empréstimo. Então, acione a hipoteca e fique com o colateral. Já não digo que fique com ele pelo valor que avaliou na concessão do empréstimo pois provavelmente a familia ainda iria RECEBER algum do banco. Imagino que a casa tenha sido avaliada acima (talvez mesmo bem acima) de 200 mil euros.

Enfim, histórias...
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Re: No Limite das Dívidas

por excentrico » 8/3/2009 2:26

Cali Escreveu: já eles estavam com a corda na garganta com a subida das taxas, resolvem mandar vir mais um filho (que tem agora 3 anos)!


Não metas o puto ao barulho ;) não tem culpa.
E pode ter sido um acidente :roll:
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por mapaman » 7/3/2009 21:31

"O seu Biu tem um bar, na Vila Carrapato, e decide que vai vender cachaça "na caderneta" aos seus leais fregueses, todos bêbados, quase todos desempregados.

Porque decide vender a crédito, ele pode aumentar um pouquinho o preço da dose da branquinha (a diferença é o sobrepreço que os pinguços pagam pelo crédito).

O gerente do banco do seu Biu, um ousado administrador formado em curso de emibiêi, decide que as cadernetas das dívidas do bar constituem, afinal, um ativo recebível, e começa a adiantar dinheiro ao estabelecimento tendo o pindura dos pinguços como garantia.

Uns seis zécutivos de bancos, mais adiante, lastreiam os tais recebíveis do banco, e os transformam em CDB, CDO, CCD, UTI, OVNI, SOS ou qualquer outro acrônimo financeiro que ninguém sabe exatamente o que quer dizer.

Esses adicionais instrumentos financeiros, alavancam o mercado de capítais e conduzem a operações estruturadas de derivativos, na BMF, cujo lastro inicial todo mundo desconhece (as tais cadernetas do seu Biu).

Esses derivativos estão sendo negociados como se fossem títulos sérios, com fortes garantias reais, nos mercados de 73 países.

Até que alguém descobre que os bêubo da Vila Carrapato não têm dinheiro para pagar as contas, e o Bar do seu Biu vai à falência. E toda a cadeia sifudeu!"
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por mapaman » 7/3/2009 21:27

"...Mas, não termino sem antes dizer que, mais do que eles, os grandes culpados são os oportunistas que lhe venderam esse sonho como possivel: a imobiliária e o Banco. Mas esse foi exactamente o grande problema, a nivel global, no rebentar desta crise".
_________________


Nem mais ! a falta de escrúpulos devia ser punida criminalmente,e mandar no minimo para o desemprego,quem aprova o crédito nestas condições a não ser que sejam tão ignorantes como quem lhes pede dinheiro!

Um gestor de conta/crédito profissional não aprova estes créditos a não ser que os vá vender a outros tão tontos como ele! viva a tasca do senhor Bíu!

cumps
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Re: No Limite das Dívidas

por Cali » 7/3/2009 21:17

Açor3 Escreveu:
Esta história com final triste começa em 2003, o ano em que o casal decide mudar-se de um apartamento para a vivenda com rés-do-chão, primeiro andar, jardim e garagem, com uma área total coberta de quase 300 metros quadrados, na Quinta do Conde, concelho de Sesimbra. Na altura, Carla já ganhava um salário próximo dos 1200 euros, mas o marido, tal como hoje, recebia o ordenado mínimo nacional. Ainda deviam muito do empréstimo da anterior casa, por isso, o valor da sua venda não chegou para a pagar ao banco.

Somaram então essa dívida ao empréstimo a contrair para comprar o seu lar da Quinta do Conde, com três assoalhadas e duas casas de banho no primeiro andar, grande sala, cozinha, vestíbulo e despensa no rés-do-chão. Ao todo, ficaram com um empréstimo de 200 mil euros, e aceitaram sem questionar a taxa de juro praticada pelo banco que trabalhava com a empresa imobiliária que lhes vendeu a casa, confessa a mulher.



Este excerto da triste história de "Carla" é um excelente exemplo do processo de alucinação optimista porque muita gente passou neste país nos ultimos anos. Analisando a coisa do lado de fora, e friamente, é quase patético como é que um casal de classe média baixa, que á data da decisão de troca de casa tem:

- rendimentos mensais na casa dos 1600€ por mês
- um filho
- um marido com emprego instável
- e um apartamento de 3 assoalhadas, cuja venda nem sequer cobria a divida (em 2003 já a euforia do imobiliário estava a desaparecer, e os preços a começar a ceder, se bem me lembro)

... resolve acreditar que pode pagar uma moradia de quase 300m2 de area coberta, e jardim. Pior que isso, acumulam o emprestimo da casa nova com parte do emprestimo da casa antiga? 200.000€ de empréstimo? Isso por mês daria qualquer coisa entre os 750€ e 1000€ de prestação, dependendo do prazo negociado. Inclino-me mais para o lado dos 1000€. Sobrariam, portanto, 600€ a 800€ por mês para as restantes despesas!
Fantásticamente, em 2005 ou 2006, já eles estavam com a corda na garganta com a subida das taxas, resolvem mandar vir mais um filho (que tem agora 3 anos)! Teria o rebento acabado de nascer, quando eles entram em incumprimento pela primeira vez, em Abril de 2007. Pelo desenrolar da história depreende-se que terão andado a fazer de conta que tudo se resolveria por si proprio, sofrendo penhoras de ordenados que lhes retiraram quase metade do rendimento disponivel (ficamos sem saber se haveria outros rendimentos váriaveis, como comissões e afins), falhando pagamentos e acumulando juros em cima de juros. Independentemente de terem recebido as cartas do Banco ou não (sabe-se lá porque as cartas, nestes casos, parece que desaparecem sempre), parece que só no dia em que lhes aparece o solicitador á porta para tomar posse da casa, é que eles perceberam que 'shit happens', especialmente a quem se põe a jeito para isso.
A história é triste. Mas ... se de facto os contornos da história são exactamente assim como aqui aparecem relatado, não consigo sentir a minima pena deles. Talvez dos filhos, que são vitimas da alucinação dos pais.
Agora, resta-lhes recomeçar de novo, do nada, e se Deus quiser, com o juizo que lhes faltou antes.
Mas, não termino sem antes dizer que, mais do que eles, os grandes culpados são os oportunistas que lhe venderam esse sonho como possivel: a imobiliária e o Banco. Mas esse foi exactamente o grande problema, a nivel global, no rebentar desta crise.
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No Limite das Dívidas

por Açor3 » 7/3/2009 10:29

NO LIMITE DAS DÍVIDAS


ANA TOMÁS RIBEIRO
Penhoras aos milhares. Os três D, como lhe chamam os solicitadores de execução, doença, desemprego e divórcio, explicam muitas das situações de rotura de famílias endividadas. Mas não justificam a maioria dos casos de penhoras, aos milhares, por dívidas de privados a privados. A maior parte tem por base o não pagamento a operadoras de telecomunicações, a empresas de crédito ao consumo e aos bancos e resultam muitas vezes de passos mal dados, além dos limites das capacidades financeiras. E ainda há os devedores profissionais. Recuperar o que todos devem é que se tornou tarefa cada vez mais difícil.

Quase sempre os devedores ignoram as cartas de aviso

Faltam só duas horas para Carla ir buscar os dois filhos à escola e ainda não sabe como lhes vai contar que naquele dia já não dormirão numa grande casa com jardim, mas sim num pequeno apartamento de três assoalhadas, a poucas dezenas de quilómetros dali. "Nem quero pensar como o vou fazer. Não tive coragem para lhes dizer antes. E hoje tem mesmo de ser. Julgo que o pequenino, com três anos, ainda não tem idade para perceber bem o que se passa, por isso vai ser mais fácil. O mais velho, como já tem 11 anos, espero que entenda e não faça muitas perguntas", desabafa, virando a cara para o lado para esconder as lágrimas. Naquela tarde, quente e iluminada pelo sol, do mês de Fevereiro, Carla não conseguia ver luz ao fundo do túnel da sua vida. Tudo lhe parecia cinzento. Uma boa parte daquilo com que sonhou durante anos e veio a alcançar com esforço fugia-lhe agora por entre os dedos com uma rapidez nunca esperada. Não por doença, desemprego ou divórcio, as três situações que os solicitadores de execução chamam de três D, motivos pelos quais muitas famílias acabam com um processo de penhora em tribunal.

Carla é casada, tem saúde e o marido, também. Além disso, tem um emprego estável como secretária na ANA - Aeroportos e Navegação. A penhora da sua casa - executada uma semana antes daquele dia -, onde o casal vivia há seis anos, resulta de uma situação de endividamento no limite, que os fez entrar em rotura mal se iniciou a escalada das taxas de juro, em 2007. O caso é apenas um dos 207 mil processos executivos de penhoras por dívidas de privados a privados, que foram distribuídos pelos solicitadores de execução portugueses em 2008, tal como o DN divulgou na sua edição de quarta-feira.

Esta história com final triste começa em 2003, o ano em que o casal decide mudar-se de um apartamento para a vivenda com rés-do-chão, primeiro andar, jardim e garagem, com uma área total coberta de quase 300 metros quadrados, na Quinta do Conde, concelho de Sesimbra. Na altura, Carla já ganhava um salário próximo dos 1200 euros, mas o marido, tal como hoje, recebia o ordenado mínimo nacional. Ainda deviam muito do empréstimo da anterior casa, por isso, o valor da sua venda não chegou para a pagar ao banco.

Somaram então essa dívida ao empréstimo a contrair para comprar o seu lar da Quinta do Conde, com três assoalhadas e duas casas de banho no primeiro andar, grande sala, cozinha, vestíbulo e despensa no rés-do-chão. Ao todo, ficaram com um empréstimo de 200 mil euros, e aceitaram sem questionar a taxa de juro praticada pelo banco que trabalhava com a empresa imobiliária que lhes vendeu a casa, confessa a mulher.

"Tudo fizemos para dar melhores condições aos nossos filhos", relata Carla, de 39 anos. Nos primeiros anos conseguiram suportar a prestação, mas em Abril de 2007 começaram a falhar. Ela continuava a depositar o ordenado, mas este já não chegava. Em Março de 2008, com o processo de penhora em curso, mandado executar pelo banco, é-lhe penhorada uma parte do salário. "Fiquei com menos 371 euros por mês", conta. Dali até lhe ficarem com a casa foi um ápice. A dívida inicial de 187 mil euros passou para 197 mil, com os juros. As cartas a avisar o casal de que ou pagava ou a casa seria penhorada foram enviadas, mas ficaram sem resposta. Carla assegura que nunca lhe chegaram às mãos. Talvez por extravio do correio. E só em meados de Fevereiro, quando ela recebe um telefonema no seu local de emprego a avisar que estava um solicitador à porta de casa, com elementos da GNR e o serralheiro Leonardo para lhe arrombar a porta, todos a cumprir ordens do tribunal, é que o casal acorda para o pesadelo. "Corri para casa e pedi ao doutor que, pelos meus filhos, me desse uma semana para arranjar outro lar e tirar as minhas coisas. Ele aceitou logo. Foi impecável", diz, com ar humilde e simpático, confessando que não dorme há dois dias , ou seja, desde que começou a embalar as coisas para deixar a casa de sonho. Por tudo isto, inicialmente não queria falar aos jornalistas, e o marido nem sequer permitiu aproximações. "Isto é muito complicado", tenta explicar Carla, não revelando o seu nome de família. De facto, para aquele casal a vida não vai ser fácil nos próximos tempos. As contas foram mal calculadas, quer da parte deles, quer da do banco que lhes emprestou o dinheiro, e acabou por ficar com a casa pelo valor da dívida, ou seja, por 187 mil euros. Só que o banco não perdeu nada, pelo contrário, ganhou com os juros, entregou a casa a uma leiloeira para a vender. Quem ficou a perder foi mesmo o casal.

No jardim da casa amarela, entre os caixotes e vasos desarrumados que hão-de ser carregados até ao final do dia, com a ajuda dos familiares, para a carrinha, a única preocupação de Carla é perguntar ao solicitador como vai ser a partir de agora. "Depois de entregar a casa já não ficamos a dever mais nada, pois não? Já não vou ter parte do salário penhorado?", questiona. Com calma, Luís Sequeira, um dos maiores solicitadores de execução, explica: "Infelizmente ainda não vai ter o salário liberto. Porque a dívida total é de 197 mil euros, com os juros." Por mais algum tempo, Carla, além dos 500 euros que pagará de renda pelo apartamento, terá menos 371 euros no ordenado. E o marido não tem um emprego seguro, tal como ela própria admite. Este ano, alguns riscos ainda pairam sobre as suas cabeças, "vai ser uma luta", conclui, assistindo à partida de mais uma carrinha com coisas da casa. Parte segue para o apartamento, outra parte vai para os sogros, porque lá já não cabe. Naquele dia, infalivelmente, tem de entregar a chave ao solicitador. Ficará com certeza com as memórias dos tempos bons ali vividos e que duraram pouco.

Luís Sequeira deixa para trás grandes sarilhos e acelera em direcção a Sarilhos Pequenos com o objectivo de cumprir mais uma decisão do tribunal. Pelo conjunto dos seus três escritórios, um no Porto, outro em Lisboa e o principal, em Alcochete, já passaram desde 2003, data em que as funções dos oficiais de justiça puderam começar a ser desempenhadas por solicitadores, 20 mil processos de penhoras. Nos primeiros meses deste ano, já lhe passaram mais dois mil pelas mãos.

Apesar disto, algumas situações ainda lhe tocam, confessa. São seis da tarde, e Luís entra num bairro meio degradado de Sarilhos Pequenos e começa a perder as esperanças de alcançar grande recuperação de dívida para a sua cliente, no caso, uma empresa de crédito ao consumo. Sobe as escadas até a um primeiro andar, toca incessantemente à porta e não aparece ninguém. Quando desce, tenta junto dos vizinhos apurar se ali vive a pessoa que procura. "Ah! Essa senhora já não mora aí, desde que se separou do marido. Está em casa da mãe", conta uma mulher loura vestida de preto. "Isto acontece muitas vezes", explica o solicitador. E agora? "Agora vamos continuar a pesquisar para ver se encontramos a pessoa", responde Luís. Até lá, a dívida inicial de 3500 euros, que já vai em 4500 com juros, continuará a crescer. Até porque a executada está de baixa, pelo que a hipótese quase sempre mais célere de recuperar créditos, através de penhora de salário ou de dinheiro em conta bancária, naquele caso está fora de questão. "Carro ou bens imóveis, também não existiam. Agora, vou fazer um auto negativo e pedir ao juiz o levantamento do sigilo fiscal" , diz Luís Sequeira, admitindo que mesmo que tivesse conseguido entrar na casa, pela sua aparência, já não deveria haver muito para recuperar. "Infelizmente, são mais estes os casos do que outros", lamenta. Mesmo assim, o seu escritório apresenta uma taxa de recuperação de dívidas de 40%, nos primeiros seis meses. A maior parte feita sem deslocações e apenas com alguns cliques no rato do computador. São as penhoras online.

Assim, do rés-do-chão de uma casa discreta bem no centro de Alcochete, Leonor, uma dos 26 funcionárias de Luís Sequeira, pega em dois processos e em menos de dez minutos dá todos os passos necessários para recuperar créditos totais num valor superior a quatro mil euros. Trata-se de dívidas de particulares e empresas a uma empresa de crédito. Os nomes dos executados, tal como o da executante, nunca podem ser revelados aos jornalistas, alerta Luís Sequeira.

Leonor olha para o primeiro dossier com cautela, verifica os nomes dos devedores, o valor da dívida, no caso, de 2600 euros, e os bens pedidos pela executante - veículo automóvel e conta bancária. Entra no Gpese, sistema informático que liga os solicitadores ao tribunal, e vai fazer as buscas iniciais à procura do que penhorar de forma mais célere. Começa pelo registos da Segurança Social para ver se há salários. Mas nenhum dos devedores tem entidades patronais, logo, não há ordenados para penhorar. Então avança para o registo automóvel e descobre o que pretende: uma viatura no nome de um dos executados, e logo comunica a penhora do carro à conservatória. Agora, é só aguardar que daqui por uns dias a conservatória envie a certidão para o solicitador, para que este possa fazer a citação do executado a fim de se confirmar se o devedor está disposto ou não a pagar a dívida, ou se prefere entregar as chaves do carro voluntariamente. No caso, os devedores são uma empresa e dois particulares, vivem à distância de quase 300 quilómetros de Alcochete, no distrito do Porto, e nem sonham o que em tão poucos minutos aconteceu nas suas vidas.

Segue-se um outro processo em que a empresa de crédito a quem devem pede penhora de salário, de bens móveis e de depósitos bancários. Leonor reinicia o processo de busca na Segurança Social e descobre um subsídio de desemprego de um dos devedores que, por acaso, é superior ao ordenado mínimo nacional, logo penhorável. Com mais uns simples toques de dedo no rato, Leonor comunica com a Segurança Social da área de residência do devedor e dá a ordem de penhora do subsídio de desemprego num minuto.

Bem mais perto, mas mais complicado, acaba por ser a penhora de bens móveis num bar do Freeport, ali mesmo ao lado, da povoação de Alcochete. O bar abriu às seis da tarde e tem apenas dois clientes. Luís entra discretamente com a pasta de solicitador, tão discretamente que um dos funcionários lhe pergunta o que deseja. É então que mostra o seu cartão profissional e fala sobre o que o leva ali. É chamado o gerente, um argentino que veio para Portugal tomar conta do estabelecimento quando o Freeport abriu as portas.

O que está em causa é uma dívida de 2005, de pouco mais de mil euros a uma operadora de telecomunicações móveis. O processo é mostrado de imediato ao gerente, que liga para um contabilista. Mas não adianta muito. A empresa é argentina e o patrão vive nos Estado Unidos. Há que aguardar por decisões longínquas. Por isso, Luís começa a fazer a relação de bens para penhora e informa o rapaz de que a empresa tem 20 dias para pagar. Se não o fizer, mesas, cadeiras, sofás, candeeiros, que constam da lista, serão levados. "A dívida resulta do cancelamento do contrato, que tem uma cláusula que desconhecíamos", diz o responsável do bar. Naquele caso já existe também uma dívida da empresa às finanças. O emprega- do assegura que são todas da época em que o Freeport não tinha movimento. "Nós estamos a crescer em época de crise, porque partimos do na- da. Quando aqui cheguei, o bar tinha dois empregados; hoje, tem cinco. O que estamos é a pagar dívidas do anterior", sublinha, fugindo sempre a dar o nome. Ao fim-de-semana o bar abre à hora do almoço e "está cheio", "o centro agora tem muito mais movimento e o sábado passado foi o melhor", relata o rapaz, enquanto Luís Sequeira lhe vai passando para as mãos a nota de citação, a cópia do processo e o auto de penhora com os bens relacionados. O argentino ri-se quando se lhe pergunta se acha que as notícias do caso Freeport ajudaram ao aumento da pro-cura.

Manuel, com 43 anos, e Luísa, com 42 anos (nomes fictícios), também dizem não sofrer com a crise, bem pelo contrário, o construtor diz que há seis anos estava bem pior. De então para cá deixou de trabalhar como subempreiteiro para empresas de construção e passou a ganhar mais e a ter menos dívidas de clientes. Mas a verdade é que na quarta--feira passada Luís Sequeira bateu-lhe à porta, acompanhado de dois agentes da PSP, preparado para entrar em casa com uma ordem do tribunal e fazer uma relação de bens móveis a penhorar. Só não deu ordem para romperem a fechadura porque, enquanto esperava pelo serralheiro, que se atrasou, uma vizinha prontificou-se a telefonar a Luísa, a trabalhar ali perto, numa casa de saúde. Naquele dia de chuva e vento, o caso de Manuel e Luísa era a quarta diligência de penhoras que a esquadra de Mem Martins fazia. "Isto é quase todos os dias", diz o agente Silva, enquanto o chefe Ribeiro vai confirmando com um aceno de cabeça.

Determinados na missão, nem o vento nem a chuva os demovem da porta do número 22 de um bairro só de vivendas em Mem Martins, apesar de Luísa ainda ter demorado cerca de 15 minutos a chegar a casa. Chega no seu carro, nervosa, com as faces rosadas e falando ao telemóvel com o marido. Manuel estava no Algarve numa obra, mas deu ordem pelo telefone para que se fizesse de imediato a transferência bancária do valor em questão para a conta que o solicitador indicasse. Simpática, mas visivelmente incomodada com a situação, Luísa manda entrar quem está à porta e vai explicando que o marido não deve nada a ninguém e que a família "é honesta". Em causa está uma dívida de 1890 euros a uma empresa de construção a que Manuel adjudicou uma obra.

"O trabalho não ficou bem feito e, por isso, ele não pagou. Isto é apenas uma questão profissional", relata Luísa, assegurando por todos os meios que o marido é "cumpridor". "Pelo meio repete várias vezes a mesma frase que explica a sua preocupação com o que as pessoas possam pensar de todo o aparato à volta da casa naquele final de manhã em Mem Martins. "Isto não basta ser, é preciso parecer." "Como é que enviaram cartas a avisar-nos e nós não as recebemos"; "como é que sabem que nós fomos informados?", vai questionando o solicitador. Com a calma necessária, Luís Sequeira vai explican- do que foram feitas as notificações necessárias, às quais nunca houve uma resposta. "Na fase declarativa do processo, poderiam ter contestado", adianta. Em fase executiva, já pouco podem fazer além de pagar. Mais tarde, pelo telefone, Manuel admitiu ao DN que pode ter recebido as cartas. "Mas como tenho tanto que fazer não ligo muito aos papéis e posso ter arrumado ou mandado para o lixo."

Seja como for, o certo é que naquele dia Luís Sequeira cumpriu a sua missão, e recuperou o total da dívida à sua cliente, que com os juros já ia em 2720 euros. Não quer dizer que seja este o caso, mas muitas vezes a pressão de ter um solicitador e polícias à porta é o suficiente para que muitas pessoas paguem de imediato uma dívida que deixaram arrastar durante anos, por desleixo ou intencionalmente, diz Luís Sequeira. Além destes, há os devedores profissionais, aqueles que já dominam todas as artes de fugir aos pagamentos. Esses já não estariam naquela morada, quando o solicitador chegasse e a casa estaria vazia. O número de uns e de outros poderá aumentar nos próximos anos, graças à crise e ao desemprego. Até lá, as dificuldades de recuperar os créditos aumentam. Aliás, já se estão a sentir.


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