Caldeirão da Bolsa

A era do petróleo caro

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

A era do petróleo caro

por marafado » 1/8/2005 19:58

A era do petróleo caro

Yves Cochet


As flutuações diárias ou semanais das cotações do barril de petróleo bruto no mercado de Nova York se devem a uma multidão de fatores de origem e de âmbito muito diferentes. Os comentaristas citam habitualmente as produções da OPEP, o estado dos stocks comerciais americanos, o estado do tempo, os especuladores, o terrorismo, a fraqueza das capacidades de refinação, a situação no Iraque, no Irã, na Nigéria, na Venezuela, na Rússia.

Mas estas "explicações" parecem válidas qualquer que seja o nível das cotações do barril, 30, 40 ou 50 dólares, de modo que falta-nos a explicação principal sobre o próprio nível, 60 dólares hoje. Três fatores decisivos pressionam de forma duradoura a cotação para a alta: a rarefação geológica do petróleo convencional (de extração pouco cara), a entrada num mundo de terrorismo e de guerras permanentes pelo controle do petróleo, e o forte aumento da procura devido ao crescimento asiático e à manutenção do consumo ocidental. É a antecipação deste último fator pelos negociantes que hoje inflama as cotações.

Durante o primeiro século e meio da era do petróleo, de 1859 a 2004, a procura mundial foi sempre satisfeita pela oferta. Queria mais petróleo? Tínhamos margens de manobra. Abríamos mais as torneiras, ele corria e vendíamos mais. Os choques petrolíferos de outrora eram políticos, não econômicos. Hoje, quando a procura mundial média em 2005 aproximar-se dos 84 milhões de barris por dia (Mb/d), as margens de manobra da oferta serão quase inexistentes.

Todas as torneiras estão em sua capacidade máxima, no limite da procura, e com o risco de que um acontecimento (greve, sabotagem, conflito local...) reduza os abastecimentos. Segue-se uma situação de penúria relativa, pressionando os preços para cima. Enquanto a oferta não chegar a satisfazer a procura, o preço do petróleo aumentará até que um número suficiente de consumidores — eles são milhares de milhões! — ajustem o seu consumo às possibilidades do seu orçamento. Se a oferta mundial estacionar nos 84 Mb/d, os preços estabelecer-se-ão no nível necessário para que o consumo não ultrapasse estes 84 Mb/d. E quando o esgotamento geológico se acentuar, o declínio absoluto da oferta mundial terá lugar a uma taxa de pelo menos 2% ao ano. Os preços terão então tendência a aumentar ainda mais para excluir mais consumidores e reduzir o consumo.

Mas a longa dependência do petróleo de numerosos países leva-me a pensar que a procura continuará forte para necessidades vitais. A busca do crescimento e o aumento da população mundial continuarão a alimentar uma progressão da procura da ordem dos 1,5% ao ano. Com efeito, os números mostram que a procura de petróleo é relativamente independente em relação ao preço (ao contrário da procura de morangos). Dito por outras palavras, não é porque os preços vão subir que a procura vai diminuir.

Em 2004, a procura cresceu mais de 3,5%, ou seja, 2,7 Mb/d, a alta mais forte dos últimos 25 anos, ao passo que a cotação do barril médio passou de 26 dólares em 2002 para 31 dólares em 2003 e 41 dólares em 2004. Desde o princípio de 1999 até o fim de 2004, as cotações do bruto aumentaram 350% e a procura em 10%, ao contrário de todas as previsões. Este fenômeno poderia quase denominar-se elasticidade inversa: a procura cresce quando as cotações sobem. Entretanto, esta "regra" surpreendente não vale senão até um certo nível dos preços, para uma velocidade moderada da subida, e para uma duração limitada de preços elevados.

Uma outra crença convencional e falsa diz que preços altos do petróleo desaceleram a economia. Pode-se constatar o contrário: preços bastante elevados tendem a pressionar o crescimento mundial, que em 2004 foi o mais forte dos últimos quinze anos. Com efeito, quando a cotação do barril sobe, os volumes consideráveis de petrodólares coletados pelas companhias petrolíferas, privadas e sobretudo nacionalizadas, reciclam-se em compras de matérias-primas, de produtos acabados ou de gêneros agrícolas junto aos países exportadores destes bens, diferentes dos países exportadores de petróleo. O comércio cresce, implicando mesmo certos países pobres que transformam rapidamente o produto da venda das suas matérias de base em compra de bens manufaturados que lhes faltam. Estes países não poupam, eles possuem uma forte propensão marginal para o consumo. Todo rendimento suplementar é convertido em importação daquilo que eles não têm.

Este esquema aplicou-se aos pequenos dragões asiáticos, Cingapura, Coréia do Sul e Taiwan nos anos 1970, quando as cotações do petróleo haviam aumentado mais de 400% entre 1973 e 1981. Ele corresponde hoje ao boom da China, da Índia, do Paquistão e do Brasil. A procura mundial de petróleo está, portanto, ligada ao nível das cotações do petróleo bruto em Nova York até um certo nível e, contudo, até uma certa velocidade da subida.

Um choque petrolífero pode, com um intervalo de tempo, provocar uma desaceleração ou uma recessão numa região do mundo e, simultaneamente, estimular a economia numa outra região. É a mundialização enquanto dinâmica planetária que importa, não as economias de energia de determinados países do norte, anuladas pela voracidade energética de determinados países emergentes. No total, uma transferência de atividades intensivas em energia dos países do norte para os países emergentes soma-se a um aumento do tráfego mundial de mercadorias para acrescer finalmente o consumo de energia. As pretensas "economias do conhecimento" pós-industriais da OCDE repousam numa transferência maciça da sua base material e energética para as "economias emergentes".

Se as cotações continuarem a subir de uma forma tendencialmente rápida, a partir dos 70 ou 80 dólares por barril, é verosímil que as consequências inflacionistas da alta das cotações do petróleo sejam suficientemente pronunciadas para que os presidentes dos bancos centrais dos países ricos e petro-vorazes – a América do Norte, o Japão, a União Européia – aumentem as taxas de juro para conter a inflação.

Este remédio aumentará a dor, reativando aquele que já provamos quando do segundo choque petrolífero dos anos 1979-1983, sob o impulso ultraliberal de Margaret Thatcher e de Ronald Reagan. Com efeito, quando o custo do dinheiro aumenta, os mercados financeiros contraem-se e as empresas deparam-se com mais dificuldades para se financiarem através da Bolsa ou de empréstimos, o que enfraquece a atividade econômica. Se o dinheiro for mais caro, tudo se torna mais caro, a inflação aumenta.

Para tentar, por um segundo meio, estrangulá-la, os bancos imprimem mais dinheiro, o que provoca o resultado inverso: o prosseguimento da inflação. Assim, o método da alta das taxas, destinado à luta contra a inflação, provoca ao contrário a contração do mercados financeiros e a inflação do dinheiro, depois dos preços, a destruição dos empregos e as dificuldades das empresas. O petróleo é menos um produto final do que um fator de produção, freqüentemente um pequeno fator no custo de produção total. Resultam daí, por enquanto, pouco incentivos à substituição do petróleo ou à redução da procura. Mesmo a mudança climática e seus efeitos letais não dissuadiram o comprador de um 4x4 cuja avó morreu durante a canícula do verão de 2003. Esta relativa rigidez reforçará a gravidade das consequências econômicas e sociais do triplo choque que se avizinha. Nada estando preparado, ele será severo. Pois, desta vez, não haverá qualquer retorno longo à baixa das cotações, aos preços baixos dos produtos petrolíferos. A inflação arrisca-se a ser forte, a recessão também.

Do que aqui se fala não é "do fim do petróleo" e sim "do fim do petróleo barato". Isto lamentavelmente será suficiente para provocar enormes instabilidades econômicas e sociais, para deslocar os poderes políticos e provocar guerras. A infelicidade é que, apesar das advertências bradadas por alguns, os responsáveis econômicos e políticos não previram a situação que se anuncia, como o mostra o indigente projeto de lei de orientação energética adotada pela Assembléia Nacional francesa em 23 de Junho. O choque é, portanto, inevitável. Não há plano B. Não existe senão uma semi-solução, a sobriedade imediata, para reduzir um pouco os efeitos devastadores do choque fazendo recuar um pouco a sua vinda inelutável.


Yves Cochet, antigo ministro francês da Organização do Território e do Ambiente, deputado por Paris (Partido Verde). Seu site é http://www.yvescochet.net/.
 
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