Caldeirão da Bolsa

Expresso: "A Bolsa não é um papão"

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

Expresso: "A Bolsa não é um papão"

por Ulisses Pereira » 25/3/2005 3:23

«A Bolsa não é um papão»

"ATHAYDE MARQUES, presidente da Euronext Lisbon, desmistifica a entrada na Bolsa e avisa que as empresas só sobrevivem se ultrapassarem o mercado doméstico


EXPRESSO - Vai sensibilizar o novo Governo para a Bolsa?

MIGUEL ATHAYDE MARQUES - É fundamental que o Governo acolha um conjunto de sugestões que estão a ser preparadas pela Euronext em conjunto com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e com a Associação Portuguesa de Bancos e que poderão dinamizar e revitalizar o mercado. Há estímulos que podem ser dados, de natureza operacional, desburocratizando algumas regras, mas também pela via fiscal, o que é sempre mais difícil.

EXP. - As privatizações que estão previstas devem passar pela Bolsa?

M.A.M. - É importante que assim seja, pois todas as medidas que possam desenvolver o mercado de capitais são um estímulo à economia.

EXP. - As medidas económicas dos governos têm ou não influência na Bolsa?

M.A.M. - O mercado de capitais é o reflexo da economia. O desenvolvimento e evolução dos mercados está muito dependente da conjuntura económica e financeira e da envolvente internacional.

EXP. - O PS disse que a Bolsa aplaudiu a dissolução do Parlamento e no início do ano passado o Governo de Durão Barroso atribuiu a subida das acções à confiança dos investidores na economia… o que pensa de afirmações como estas?

M.A.M. - A observação do mercado carece de interpretações, que podem servir determinados momentos, mas há sempre uma análise científica que pode ser feita. É uma questão para os investigadores e académicos.

EXP. - Já disse que um dos grandes objectivos da Euronext Lisbon é a entrada de mais empresas na Bolsa e que pretende simplificar esse processo. Como é que isso se consegue?

M.A.M. - Ter mais empresas na Bolsa é importante para a economia portuguesa. Mal da nossa Bolsa se não tivéssemos grandes capitalizações como a PT, EDP ou BCP, mas uma Bolsa também se faz de pequenas e médias empresas (PME) e aí é que nós falhamos bastante enquanto economia e enquanto mercado. O rácio de inclusão na Bolsa é dos mais baixos da Europa pois a capitalização bolsista portuguesa representa apenas 40% do produto interno bruto (PIB). Países da nossa dimensão - Irlanda, Grécia ou Dinamarca - têm rácios entre 60% e 70%, e o de Espanha é 100%, o que significa que a capitalização bolsista é idêntica ao PIB. A Suécia, por exemplo, tem um rácio de 110%. Em Portugal acaba por haver um enorme potencial de crescimento na área de empresas listadas na Bolsa. Somos de longe o país da União Europeia (a 15) que tem o rácio mais baixo. Temos uma economia que não está representada convenientemente na Bolsa.

EXP. - Isso não pode ser explicado com o facto de o desenvolvimento da nossa Bolsa ser recente?

M.A.M. - Não é tão recente quanto isso, pois ressurgiu no final dos anos 80 e por isso já leva quase 20 anos de consolidação. Temos de passar para um novo patamar de dinamismo e consciencialização de que o crescimento das empresas só pode ser sustentado através da dispersão de capital na Bolsa. O facto mais importante dos últimos 15 anos foi a internacionalização das empresas portuguesas. Enquanto presidente do ICEP, vivi esse processo. Há 15 anos tínhamos meia dúzia de empresas com investimento no estrangeiro; hoje são centenas, e este número está a crescer. As empresas só sobreviverão se conseguirem ultrapassar o seu mercado doméstico e posicionar-se internacionalmente de forma activa, mas para isso precisam de capital. Se os capitais próprios não crescem, há um limite natural ao endividamento pelo que, para continuarem a crescer, precisam de mais capital. A Bolsa é o sítio onde o poderão ir buscar. Na comparação com os 10 países que aderiram à União Europeia no ano passado vemos que Portugal tem 52 empresas cotadas no mercado principal, enquanto a República Checa tem 51 e a Hungria tem 45. Mas estas economias têm um PIB bastante inferior ao nosso e os seus mercados de capitais não têm tradição, pois surgiram há muito pouco tempo.

EXP. - O que pode então ser feito?

M.A.M. - Temos de virar a Bolsa para o mercado. Nos últimos anos a Bolsa viveu um período de adaptação interna ao modelo Euronext, viveu uma integração técnica e operacional que foi complicada mas correu muito bem, viveu uma racionalização de estruturas e custos e agora é altura de a virar para o mercado, promovendo uma efectiva aproximação a todos os seus intervenientes, aos emitentes, aos intermediários financeiros e aos investidores. Estamos a desenvolver acções com eles. Aproveitando a existência de uma lista única - a Eurolist - desenvolvemos a figura do perito em pequenas e médias empresas (PME) cotadas, através da qual os bancos de investimento se comprometem a produzir análises sobre as empresas que não são acompanhadas regularmente, de forma a torná-las mais atractivas para os investidores. Neste momento já temos um acordo com os cinco maiores bancos em Portugal (BCP, BES, BPI, Banco Santander e Caixa) mas poderemos agregar também outros. Vamos apoiar a apresentação dessas empresas a nível internacional. Pretendemos fazer também sessões de informação sobre a Bolsa, sessões de formação para operadores do mercado e investidores. Vamos organizar "workshops" com grupos profissionais ligados ao mercado, num conjunto de iniciativas que têm como objectivo aproximar a Bolsa às entidades do mercado.

EXP. - Pensa que as empresas não vêm para a Bolsa por haver regras a mais?

M.A.M. - Temos de desmistificar o que é entrada na Bolsa. Para algumas empresas ainda é um "papão", uma coisa muito difícil. Mas é a coisa mais normal em qualquer economia desenvolvida. Temos que melhorar questões de carácter administrativo e operacional nesta matéria, mas é preciso que se diga também que entrar na Bolsa representa uma responsabilidade para com os seus futuros accionistas e por isso é preciso que responda a determinadas exigências. Mas hoje a malha do controlo vai-se apertando à volta das empresas profissionais e responsáveis e elas próprias tomam a iniciativa de prestar contas e de dar informação. Os bancos já lhes exigem informação quando as financiam, as autoridades fiscais também fazem exigências em termos de informação e depois há as novas tendências a nível do governo das sociedades e de responsabilidade social. Não me parece que haja exigências a mais. Estar na Bolsa obviamente exige determinados requisitos que são perfeitamente alcançáveis por qualquer empresa minimamente competitiva e competente.

EXP. - Com a reestruturação dos mercados aprovada esta semana, as empresas ganham visibilidade?

M.A.M. - A grande vantagem que a Euronext traz às empresas portuguesas é a exposição internacional, além das economias de escala que depois se reflectem na diminuição dos custos de transacção. Em Portugal estes custos desceram em média 50%. Até hoje cada havia 10 mercados regulamentados com mais de 40 índices bolsistas nos países da Euronext. Agora passa a haver um único mercado regulamentado com uma única lista e 11 índices nacionais, entre os quais se manterá o PSI-20. Tudo se torna mais claro. Nessa lista haverá três categorias, consoante sejam grandes, médias ou pequenas empresas, o que torna mais fácil para os investidores a composição das suas carteiras de investimento em função da dimensão. Empresas que estavam escondidas no seio da Euronext passam agora a estar muito mais visíveis, o que é muito bom. Espero que as empresas portuguesas saibam aproveitar isso. Os investidores institucionais começam, por outro lado, a mudar a sua estratégia de abordagem à composição de carteiras. Se até aqui o elemento fundamental de orientação de carteiras era a área de actividade, o que acabava por marginalizar um pouco as empresas portuguesas, os investidores estão agora a acomodar nas suas estratégias de investimento o efeito-país porque há potenciais de ganhos interessantes.

EXP. - Este já é o momento ideal para dispersar capital?

M.A.M. - Cabe às empresas definir o seu momento ideal. Os mercados em geral têm vindo a subir de forma consistente e em Portugal acontece o mesmo, nomeadamente a nível de transacções. Estamos numa fase ascendente, os momentos de crise após o rebentamento da bolha especulativa já lá vão.

EXP. - Pensa que os pequenos accionistas voltarão em força à bolsa?

M.A.M. - A posição do accionista individual vai estar dependente do seu perfil de risco. Hoje há produtos para todos os perfis. No mercado de acções devia-se olhar para períodos de detenção longos e não para os ganhos que se podem obter no curto prazo. Até porque as pessoas se esquecem dos dividendos. Temo-nos esforçado para desenvolver novos produtos e serviços e queremos que o interesse nos "warrants" cresça.

EXP. - Tentaram estimular o mercado dos derivados mas não têm tido muito sucesso...

M.A.M. - É um mercado que tem uma aceitação mínima em Portugal, contrariamente ao que acontece noutros países. A Euronext gere a segunda maior bolsa de derivados do mundo - a Euronext Liffe e é uma pena que em Portugal não se aproveite essa potencialidade. Temos de continuar a tentar estimular este mercado.

EXP. - Como vê a possibilidade de os bancos procederem ao encontro de ordens de compra e venda sem recorrerem às bolsas?

M.A.M. - O que posso dizer é que qualquer economia tem de ter uma Bolsa por onde passem as transacções. Veremos como se articulará com as formas alternativas de negociação. Mas a desestruturação completa de uma Bolsa como a portuguesa seria trágico para a nossa economia.

Pedro Lima "

(in www.expresso.pt)
"Acreditar é possuir antes de ter..."

Ulisses Pereira

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