Caldeirão da Bolsa

Um milhão por minuto

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

Um milhão por minuto

por luiz22 » 27/2/2005 22:33

Este é o ritmo alucinante da vida de um corretor.
A acção desenrola-se nos bastidores do mundo financeiro sem que os investidores percebam.
Os actores são profissionais que têm de decidir em segundos o futuro de grandes e pequenos negócios e da sua própria carreira. Um stress permanente

Por: Hillary Davis
Milhões de dólares mudam de mãos nos mercados financeiros mundiais numa questão de minutos. As transacções são tantas, e tão rápidas, que mesmo os participantes mais experientes se surpreendem. Quase todos os dias se criam novos instrumentos financeiros que permitem aumentar a velocidade das transacções nos mercados financeiros electrónicos, assentes na evolução tecnológica dos computadores e dos meios de comunicação. A rapidez de acompanhamento dos mercados faz a diferença entre o lucro e o prejuízo de uma operação; quem não consegue acompanhar a velocidade estonteante das mudanças é deixado para trás.
É neste ambiente assustador para o comum dos mortais e num cenário de aparente caos que os corretores — intermediários nas transacções financeiras — aprendem a viver. A sua actividade permite que os investidores que querem comprar, ou vender, títulos das suas carteiras o façam de forma rápida, aproveitando as melhores oportunidades. Com apenas um telefonema, ou pressionando uma tecla do computador, um corretor pode transferir milhões de dólares de um país para outro em segundos. Transaccionar em diversos mercados simultaneamente faz com que o meio em que os corretores actuam esteja em permanente mudança, exigindo da sua parte uma enorme flexibilidade e versatilidade.
Saber como, porquê e para onde estes profissionais canalizam estas enormes quantidades de dinheiro é essencial para se ter uma perspectiva dos mercados financeiros e da economia mundial. Mas conhecer os corretores como pessoas, a sua forma de encarar a vida, os seus raciocínios, reacções e motivações dá-nos uma perspectiva dos mercados financeiros que só teríamos trabalhando neles.

O perfil das estrelas

As pessoas que «cresceram» na cultura dos mercados financeiros do final dos anos 40 desenvolveram um código de ética que ainda hoje se mantém e que se resume a: «a minha palavra é a minha garantia». A relação de dependência entre os investidores externos e os seus corretores assim o exige, caso contrário, não seria possível realizar transacções de grandes volumes de forma tão rápida.
Independentemente da importância que os corretores sempre tiveram, a fama só se tornou mais evidente durante a década de 80. Nesta altura, o enorme crescimento dos mercados e dos montantes auferidos por estes profissionais atraiu a atenção dos media. Os charutos, os suspensórios encarnados, o gel no cabelo e alguns sinais de riqueza tornaram-se parte da sua imagem.
A ideia transmitida pelos meios de comunicação social contribuiu decisivamente para a criação do mito do corretor que não olhava a meios para atingir os seus fins. A ganância e a ânsia de poder apareciam quase como características comuns aos actores do mercado. No entanto, esta imagem não corresponde à realidade. Muitos corretores são famosos pelas suas contribuições para obras de caridade. Refira-se, a título de exemplo, Michael Milken, pai de uma das maiores fundações privadas dos Estados Unidos, apoiando áreas como a educação e a saúde pública.
Actualmente a atenção dada aos mercados financeiros e a quem neles trabalha é bastante mais precisa e preocupada com a rapidez e credibilidade da informação disponível. Basta tomar como exemplo a quantidade de canais de televisão especializados que transmitem diariamente dados sobre todos mercados, 24 horas por dia. Esta facilidade e rapidez de acesso à informação tornou também o mercado mais leal, no sentido em que todos os corretores têm acesso simultâneo à mesma informação.
Nem todos os corretores atingem a tão desejada fama e sucesso. Muitos desistem porque não aguentam a pressão ou porque não possuem o talento necessário. Se fosse fácil ser-se bem sucedido nesta actividade, esta não seria uma profissão tão bem paga. É a confiança neles próprios e nas suas convicções, muitas vezes encarada como arrogância, que lhes dá a força necessária para actuar perante circunstâncias adversas e para estar preparados para lidar com o elevado risco das transacções. O stress diário raramente permite carreiras superiores a 10 anos.

As ovelhas negras

Na actividade de corretagem, como em quaisquer outras actividades no mundo dos negócios, os escândalos acontecem e não existe forma de garantir que eles não voltem a surgir. A questão está em saber até que ponto é que as chamadas «ovelhas negras» mantêm as suas actividades ilegais sem serem detectadas e até que ponto é que elas têm autonomia para colocar as empresas em situações de falência irreversíveis, como foi o caso da falência do Barings Bank (v. caixa «O corretor que abalou o Barings Bank»).
Tom Ryan, o actual presidente da American Stock Exchange, coloca a questão da seguinte forma: «Todos os corretores têm perdas. Faz parte do negócio. Os mercados são voláteis e os relacionamentos alteram-se de tal forma que surgem perdas, da mesma forma que são gerados lucros. Mas, quando se trata de perdas que excedem os limites da razoabilidade, conclui-se que estes intermediários têm demasiada independência e falta de supervisão.» Adicionalmente, qualquer corretor receia olhar de novo nos olhos dos seus colegas se estes descobrirem que ele realizou um mau negócio. A tendência é para encobrir a situação, esperando que ela se torne mais favorável.
O enfoque das empresas deverá deixar de ser apenas o desenvolvimento dos sistemas de corretagem mais rápidos e sofisticados possíveis, devendo estes ser complementados com mecanismos de controlo. Um deles é a proibição de os corretores serem simultaneamente os responsáveis pelas transacções e pela supervisão das operações de registo contabilístico.
Sempre que os mercados se expandem geograficamente, gera-se um ciclo de transacções mais alargado que tem como protagonistas os corretores que realizam operações que não são totalmente compreendidas pela maioria dos investidores. Cabe à gestão de topo das empresas de corretagem e dos bancos de investimento assegurar que o seu pessoal cumpre as regras e assume as suas responsabilidades.

O futuro da corretagem

Há quem considere que o futuro dos corretores está ameaçado. David Shaw é o fundador da D. E. Shaw, uma empresa de Nova Iorque que pode representar aquilo que o futuro reserva como consequência do desenvolvimento gerado pela evolução tecnológica, mas forçado pelos próprios corretores. A empresa, que se dedica à gestão de activos, em nada se parece com a imagem idealizada de salas cheias de pessoas em pé, aos berros, numa correria permanente, disputando posições num determinado activo. Aqui todo o trabalho é feito por computadores, sem necessidade de intervenção humana. Esta teve o seu papel, mas aquando do desenvolvimento de programas que monitorizavam mais de 100 mercados, em todo o mundo, 24 horas por dia, em busca de discrepâncias de preço de um mesmo título em diferentes locais. O lucro provém da compra de activos, num determinado mercado e a um determinado preço, procedendo-se depois à venda, num outro local, a um preço mais elevado. É a chamada «arbitragem», que tem proporcionado aos investidores mais de 20% de retorno nos últimos oito anos.
Além disso, existe ainda a ameaça da corretagem electrónica. Cada vez mais dinheiro é movimento através de bolsas virtuais, que funcionam através de computadores, não havendo necessidade de intermediários humanos. Também a Internet é uma ameaça para a existência física das bolsas. Este será o principal instrumento para o médio investidor do futuro.
Apesar da evolução tecnológica ter gerado algum receio dentro da classe, a verdade é que os corretores são cada vez mais necessários, visto o negócio conter uma componente intangível muito forte que os computadores não conseguem incorporar aquando da tomada de decisões. As reacções do momento, baseadas na intuição e na experiência adquirida, têm um valor impossível de quantificar e que os computadores não conseguem igualar.

O Corretor que Abalou o Barings Bank

Em Fevereiro de 1995, os directores do Banco de Inglaterra foram confrontados com a iminência da falência do Barings Bank, o banco comercial mais antigo de Londres, que sobreviveu às duas guerras mundiais e a diversas crises financeiras internacionais. Nas mãos de um jovem demasiado ambicioso e com excesso de autonomia estava o poder de destruição de uma instituição tradicional e de dimensão mundial.
Nick Leeson, um corretor de 28 anos, que trabalhava num escritório do banco em Singapura, foi o responsável. Depois de ser transferido para esse local, a sua função resumia-se ao recebimento de ordens de compra ou venda de títulos na bolsa de valores. Posteriormente, começou a fazer as suas próprias transacções, através de mecanismos de arbitragem entre dois mercados, o de Osaka, no Japão, e o de Singapura, de forma a obter lucros derivados de pequenas discrepâncias de preços dos títulos entre esses mercados. Leeson fez diversas transacções no mercado japonês, apostando fortemente nas opções e futuros, o que o colocava numa posição demasiado dependente da evolução do índice Nikkei 225, não tendo previsto qualquer forma de protecção contra o risco. As suas operações geravam aparentemente lucros porque ele era responsável pelo gabinete de contabilidade das transacções.
Foi em Janeiro de 1995 que estas operações desencadearam a ruína do banco, após o terramoto em Kobe, que provocou a devastação e a incerteza económica. Prevendo que a situação melhorasse, Leeson comprou mais contratos de futuros; mesmo quando o Nikkei registou a maior quebra dos últimos anos ele duplicou as apostas, esperando por melhores dias. Mas estes não vieram e as suas perdas foram tão grandes que, quando deixou o escritório, a 23 de Fevereiro, o Barings Bank estava à beira da bancarrota.
Leeson assumiu-se como culpado por iludir os auditores do Barings e por tentar iludir a comissão de transacções monetárias internacionais de Singapura e foi condenado a seis anos e meio de prisão.




Corretores que ficam para a História

Michael Bloomberg, depois de ser despedido da Salomon Brothers, em 1981, dedicou-se a inventar a Bloomberg Box, um pequeno terminal que se encontra nas secretárias de quase todos os corretores e que permite aceder a todo o tipo de informação financeira existente nos quatro cantos do mundo. A sua visão da importância da informação, e respectiva facilidade de acesso, aceleraram uma transformação que era invitável. Hoje a sua empresa é um conglomerado de media que factura mais de 170 milhões de contos e tem lucros de 34 milhões.

Leo Melamed é um sobrevivente do Holocausto, que foi responsável pela criação do primeiro mercado de futuros cambiais, em Chicago, em 1972. Esta ideia revolucionária contou com o apoio de estudos realizados pelo economista Milton Friedman. Em 1986, Merton Miller, professor de Finanças da Universidade de Chicago e mais tarde Nobel da Economia, considerou que «os futuros foram a inovação financeira mais significativa dos últimos 20 anos».

Michael Milken especializou-se, enquanto corretor, em junk bonds, ou seja, obrigações de elevado risco, tendo desenvolvido um mercado para estes títulos. O elevado risco advinha da juventude e falta de currículo das empresas emissoras, que estavam ainda a entrar no mercado.
Milken ficou ainda conhecido por inovar noutras áreas, como a dos fundos imobiliários. No entanto, nem toda a sua actuação nos mercados financeiros foi marcada pelo sucesso ou pelo reconhecimento público. Em 1990, Milken foi sentenciado a 10 anos de prisão (dos quais cumpriu 2) e ao pagamento de mais de 170 milhões de contos em multas e indemnizações por ocultar posições accionistas e apoiar a evasão fiscal de alguns clientes.




Outros livros para saber mais sobre a corretagem

- The Disciplined Trader: Developing Winning Attitudes, Mark Douglas, Prentice Hall, 1990. Um livro ideal para os corretores com experiência que pretendem chegar ao âmago da especulação bolsista. Desenvolve profundamente a filosofia e psicologia da corretagem para quem já possui conhecimentos sobre os mecanismos do mercado financeiro e explica as razões do sucesso e do fracasso de alguns corretores.

- Reminiscences of a Stock Operator, Edwin Lefevre, John Wiley & Sons, 1994. Uma biografia não declarada de Jesse Livermore, uma personagem notável que iniciou a actividade de especulação em New England na viragem do século. Foi banido deste tipo de operações, mas cedo se dirigiu para Wall Street, onde ganhou e perdeu por diversas vezes a sua fortuna. Foi originalmente publicado em 1923, mas continua a inspirar cada uma das novas gerações de investidores. O livro é ainda enriquecido com diversas considerações do autor relativamente ao investimento, à especulação e à natureza do próprio mercado bolsista.

- Market Wizards: Interviews with Top Traders, Jack D. Schwager, Harper Business, 1993. É um clássico da actividade da corretagem que explora as mentes de alguns dos corretores de maior sucesso. É um manual excelente para quem começou a investir recentemente no mercado bolsista e que pretende evitar os erros mais comuns.

- The New Market Wizards: Conversations with Top Traders, Jack D. Schwager, Harper Business, 1994. A sequela do best-seller Market Wizards, escrito pelo mesmo autor. Revela os segredos do sucesso extraordinário dos melhores corretores de Wall Street, que dão alguns conselhos práticos relativamente ao investimento em condições económicas adversas, complementados com casos verídicos.


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Condensado de A Million a Minute — Inside the Mega-Money High-Tech World of Corretors, de Hillary Davis. © 1997 by Nicholas Brealey. Publicado com a permissão de Nicholas Brealey. Todos os direitos reservados. Adaptado por Bernardo Matos e Raquel Fidalgo.

Hillary Davis é corretora através da Internet a partir de sua casa, no Sul de França. É licenciada em Economia Internacional pela Universidade de Columbia, é mestre em Filosofia das Relações Internacionais pela Universidade de Cambridge e trabalhou no Barings Bank, em Londres, onde era responsável pela carteira de investidores em títulos de empresas dos Estados Unidos.
 
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