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[marafado]

Sinais de esperança

Nicolau Santos

Numa altura em que o desânimo se abate sobre os portugueses e os medicamentos antidepressivos estão em alta, é bom chamar a atenção para duas ou três coisas boas de que nos podemos orgulhar.

Primeira: em Portugal, existe um número crescente de voluntários que se oferece para ajudar e apoiar pessoas em fase terminal e seus familiares. Uma extraordinária reportagem de Raquel Moleiro, publicada a semana passada na revista Única do EXPRESSO, mostra como a Associação pela Dignidade na Vida e na Morte (Amara) tem atraído mais e mais voluntários para lidar com situações extremamente difíceis. E nem todos vêm da área da assistência social ou educação. Miguel Borges, o co-fundador da Amara, era um executivo já com dez anos de carreira como consultor, director-geral de uma empresa de audiovisuais e sócio-gerente de duas outras. Um dia decidiu largar tudo e dedicar-se a apoiar os que já não têm esperança de vida e os seus familiares.

A Amara, que conta já com uma centena de voluntários, não é caso único. No Instituto Português de Oncologia, muitas pessoas fazem trabalho voluntário, sobretudo para apoiar crianças que sofrem de cancro. Noutro plano, as Misericórdias e o Banco Alimentar contra a Fome desenvolvem um notável trabalho para minorar as condições de pobreza declarada ou envergonhada em que vivem quase dois milhões de portugueses.

Segunda: a exposição de Paula Rego no Museu de Serralves, no Porto, já recebeu 125 mil visitantes e estará aberta até ao próximo domingo. É um número notável, só compreensível porque já há muita gente em Portugal que sabe quem é Paula Rego, que gosta de Paula Rego, que se orgulha que Paula Rego seja portuguesa, embora viva em Londres, e que se interessa por conhecer a sua obra. Num universo de 10 milhões de habitantes, 125 mil são apenas uma andorinha. Mas é um pequenino sinal de esperança, de que não estamos todos embrutecidos por programas televisivos que apontam aos nossos instintos mais básicos.

Terceira: uma criança indonésia, de sete anos, sobreviveu 19 dias após o tsunami - e quando foi encontrada, a roupa que trazia era o calção e a camisola da selecção portuguesa de futebol. Martunis, assim se chama o menino, é indonésio, não conhece certamente Portugal, mas um dia deve ter tido o sonho de ser como Figo ou Cristiano Ronaldo - e pediu ao pai um equipamento com as cores nacionais. É, pelo menos, comovente, que tenha sido encontrado vivo com ele vestido. E que tão longe deste rectângulo, alguém conheça Portugal e admire alguns de nós - mesmo que seja por causa do pontapé na bola.

Quarta e última: Mira Amaral e Félix Ribeiro estão a fazer um estudo para a API sobre as apostas que Portugal deve desenvolver para enfrentar a globalização. Mesmo que algumas não se concretizem, o documento é um dos mais estimulantes que conheço sobre a matéria. Por exemplo, tornar o nosso sector têxtil no principal produtor de consumíveis hospitalares, para fugir à concorrência directa que a China e outros países nos farão no vestuário tradicional, é uma bela ideia. Ou insistir na agricultura de especialidades, para absorver mão-de-obra que venha a ser libertada pelo têxtil. Ou apostar na criação de um cluster aeronáutico, tendo por base o Alentejo, que já dispõe de várias infraestruturas, como o aeroporto de Beja, é também muito interessante. Isto sem falar nas ciências de saúde e biomédicas, nas tecnologias de informação e automação e no turismo residencial para a classe média europeia.

São quatro exemplos, só para mostrar que somos muito melhores do que a maneira como muitas vezes nos vemos.



17 Janeiro 2005