Caldeirão da Bolsa

Entrevista a Daniel Bessa

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

por marafado » 11/1/2005 3:44

Os Melhores Períodos da Economia Portuguesa Estão Ligados ao Investimento Estrangeiro
Segunda-feira, 10 de Janeiro de 2005

Fomos o pobre admitido a vender a ricos com exclusão de outros pobres. É o máximo que um pobre pode esperar. Hoje já não é assim, é preciso passar a outro model

A OCDE atribui-nos até final desta década uma taxa de crescimento estrutural de apenas 1,5 por cento. Talvez seja possível um fogacho num ano ou dois, mas em cruzeiro a taxa de crescimento não deverá ser superior a dois por cent

O saneamento das contas públicas é muito difícil, porque há áreas da despesa que estão a subir de forma imparável, como a segurança social e a saúde

Se não for possível compatibilizar crescimento e contenção do défice, opto pelo segundo: sem saneamento das contas públicas não há futuro nenhum

As cidades do interior têm um nível de vida muito razoável que se aproxima da média nacional e isso tem muito a ver com gasto público e presença do sector público administrativo

Não há lugar nenhum do mundo onde não se saiba que no Vale do Ave se faz bom têxtil-lar. Está na rota da indústria, como estarão produtos como o vinho do Porto, os moldes, a cortiça e muito pouco mais

O maior risco de desemprego a muito curto prazo está na construção civil e obras públicas

O mau funcionamento da nossa justiça resulta em falta de liberdade e falta de concorrência na economia que prejudica as melhores empresas

E não há nada mais contrário a um clima de iniciativa e de liberdade, de liberalização, do que o princípio da desconfiança da nossa administração pública

Temos uma administração excessiva, temos um governo excessivo, isso é sabido e ninguém faz nada

Também deposito muita esperança nas medidas públicas de apoio à intensificação tecnológica da economia
 
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por marafado » 11/1/2005 3:42

A Economia Portuguesa Precisa de Liberalização, o Que Não É Fácil de Dizer para o Interior do PS
Segunda-feira, 10 de Janeiro de 2005

Sem mais concorrência, mais mercado, menos intervenção do Estado, menos serviços a intervirem no processo, sem licenciamentos e processos de falência mais rápidos não conseguiremos crescer nem sequer ao ritmo da Europa

P. -Tem sublinhado que Portugal tem 12 por cento da população activa na construção e obras públicas, quando a média europeia é de seis por cento. Se descemos para oito por cento - o que seria natural, pois há cada vez menos coisas úteis para construir -, seriam mais 200 mil desempregados. Isso é explosivo...
R. - Tenho mesmo vindo a dizer que o maior risco de desemprego a muito curto prazo está na construção civil e obras públicas. Em cruzeiro não acredito que o país possa suportar mais de oito por cento da população activa nesse sector.

Sendo assim, como olha para a promessa eleitoral do PS de recuperar 150 mil empregos nos próximos anos? Pelas suas contas, com o decréscimo de emprego na construção, isso passará por criar 350 mil empregos noutros sectores...

Não reparei nesse número de 150 mil, apenas me chamou a atenção o objectivo de atingir uma taxa de crescimento de três por cento ao ano. Vai ser preciso mudar muita coisa para isso ser possível.

O quê?

A economia portuguesa precisa de liberalização, o que não é fácil de dizer para o interior do PS.

Que liberalização?

Quando falamos em liberalizar queremos dizer deixar o mercado funcionar. Ora muitas actividades e empresas em Portugal continuam a ser mantidas de uma forma artificial. O Instituto da Falência não funciona, o que retira espaço para outras iniciativas. A verdade é que muitas empresas apresentam sistematicamente prejuízos e continuam a funcionar, que o sistema bancário tem muita dificuldade em recuperar créditos, mesmo quando se encontram garantidos. O mau funcionamento da nossa justiça resulta em falta de liberdade e falta de concorrência na economia que prejudica as melhores empresas. Também tem de ser mais rápido criar uma empresa. E tem de ser muito mais fácil recorrer aos sistemas existentes de apoios às empresas, que por vezes são totalmente opacos e tão complicados que ninguém consegue beneficiar deles. Recentemente foi aprovado um conjunto de estímulos fiscais de apoio à internacionalização, que até era bem pensado mas que era tão complicado que no fim acabou por beneficiar uma única empresa.

Não há muitos serviços da administração pública que sentem que perdem razão de existir se não complicarem?

Em Portugal é sempre preciso fazer um dossier, um projecto, submetê-lo, esperar pela aprovação, etc, etc. Em Espanha não é assim. Investe-se, e depois deduz-se na declaração fiscal. Se a administração fiscal tiver dúvidas, investiga. É a diferença atroz entre um Estado que se propõe apoiar a inovação e a internacionalização e depois se rodeia de um processo burocrático de tal ordem que ninguém aproveita e uma administração que confia nos cidadãos e nas empresas e depois verifica.

Isso é uma revolução cultural. O nosso sistema é baseado na desconfiança.

Precisamente. E não há nada mais contrário a um clima de iniciativa e de liberdade, de liberalização, do que esse princípio da desconfiança. Porque é que leva tanto tempo a fazer o que quer que seja? Porque não sei quantos interventores da administração exigem ter uma palavra a dizer, como me perguntava atrás. Temos uma administração excessiva, temos um governo excessivo, isso é sabido e ninguém faz nada.

Mas a liberalização da economia é uma mera condição. Também deposito muita esperança nas medidas públicas de apoio à intensificação tecnológica da economia. No nosso trabalho colocámos um grande ênfase nos centros universitários ligados à Universidade, no associativismo empresarial...
 
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por marafado » 11/1/2005 3:41

O Grande Problema Está nas Indústrias Que Apostaram em Vender Minutos de Trabalho
Segunda-feira, 10 de Janeiro de 2005

Daniel Bessa acredita que nem todo o têxtil português vai desaparecer com a concorrência chinesa, pois há muitas empresas que se prepararam. Mas também sabe que outras continuam a basear-se apenas na mão-de-obra barata e intensiva e essas estão condenadas. Por isso, no seu estudo sobre as regiões deprimidas, considera que entre elas a região de Guimarães-Vale do Ave é uma prioridade, pela quantidade de população que alberga. E por, surpreendentemente, o nível de vida aí ser mais baixo do que nas cidades médias do interior.

P. - Realizou um trabalho sobre as regiões deprimidas de Portugal e fez um conjunto de propostas. O ainda ministro da Economia comprometeu-se a concretizá-las. Acha que um novo Governo saído das eleições também o vai fazer ou ficará tudo no esquecimento?
R. - Uma das coisas mais interessantes deste trabalho foi que ele passou pela Assembleia, onde me encontrei com todos os partidos e fiz um apelo a algum tipo de consenso para que fizesse alguma coisa. O diagnóstico está feito, há muita coisa que nem sequer era nova, pelo que não há nenhuma razão para que este ou aquele Governo não aplique o que deve ser aplicado.

Nos diagnósticos estamos muitas vezes de acordo, o diabo são as medidas práticas, que regra geral geram muitas resistências. Que medidas resultam do seu diagnóstico?

A área mais difícil do país é uma área que está situada algures entre o litoral e o interior mais profundo. A zona do Tâmega, o Pinhal Interior. Nessas zonas não há nenhuma grande cidade e esse simples facto diz-nos muito sobre o papel que o Estado pode desempenhar como elemento equilibrador. As chamadas cidades do interior, todas têm um nível de vida muito razoável que se aproxima da média nacional e isso tem muito a ver com gasto público e presença do sector público administrativo.

Isso quer dizer de funcionários públicos?

Sim, e esse é o lado menos simpático.

Ter encontrado esse dinamismo nas cidades do interior, muitas vezes associada a pólos universitários, é compatível com o fim de alguns desses pólos, com uma política de redução do número de funcionários públicos?

Não são regiões totalmente dependentes do gasto público, se bem que se este retrocedesse seria uma machadada forte. Mas o importante é que em redor do sistema universitário se criaram pequenas iniciativas empresariais que dinamizaram essas cidades e têm condições para manterem. É por isso que a propusemos que esses graus de ensino superior encontrassem, cada um deles, os seus pólos de excelência, até porque não será possível manter o ensino superior em todas as frentes em que hoje se encontra. Na Universidade de Trás-os-Montes, por exemplo, existem condições para ter pólos de excelência relativamente à floresta ou à pecuária.

Concorda então com a decisão deste governo já em gestão de criar mais um pólo universitário no Vale do Sousa, em Paredes? É uma solução ou um equívoco?

É uma medida positiva, não posso pronunciar-me contra. Não se justifica uma Universidade em toda a sua extensão, mas não vejo mal em que haja um pólo que desenvolva certas competências.

Ali ao lado fica Guimarães, uma das surpresas do estudo por ter um nível de rendimento que é apenas 70 por cento da média nacional...

É verdade. É um concelho com um nível de vida francamente inferior a qualquer um dos concelhos das cidades médias do interior. Fica abaixo de Portalegre... Porque é que isso sucede? Por causa do que está a acontecer com um certo tipo de indústria, a indústria muito intensiva em mão-de-obra cujo argumento de competitividade era o salário baixo. É uma indústria muito ameaçada porque as condições mudaram.

É o têxtil?

Não é só o têxtil. São zonas onde vive muita gente pelo que elegeria como prioridade das prioridades dar atenção a estes elos fracos.

Mas o têxtil, agora com a liberalização do comércio com a China, ficou mais vulnerável. As empresas estavam preparadas?

Umas sim, outras não. Em cada sector há empresas e empresas. Mesmo no têxtil temos sectores que evoluíram muito tecnologicamente, são competitivas e não estão ameaçadas. É o caso do têxtil para a indústria automóvel, do que apostou em marcas e nas redes de distribuição, também de uma boa parte do têxtil-lar. O problema está nas empresas que continuam basicamente a vender minutos de mão-de-obra. Não é uma forma muito simpática de o dizer, mas é isso que acontece em muitas empresas de vestuário. Em contrapartida não há lugar nenhum do mundo onde não se saiba que no Vale do Ave se faz bom têxtil-lar. Está na rota da indústria, como estarão produtos como o vinho do Porto, os moldes, a cortiça e muito pouco mais. Mas mesmo aí há empresas frágeis e empresas que apostaram na qualidade e estão razoavelmente protegidas.

O Pinhal Interior não tem nenhuma cidade pelo que o seu projecto passava por atrair população, incluindo oferecendo terrenos a imigrantes.

O Pinhal Interior é a mais desprovida das áreas estudadas. Um buraco negro no centro do país. Até os resultados escolares são catastróficos porque nada em volta valoriza a escola.

O que se está a passar na educação é mesmo dos aspectos mais inquietantes da nossa evolução recente. Apesar de todo o dinheiro que se gastou e está a gastar, desde 1997/98 que a taxa de escolaridade tem vindo a baixar. Os jovens abandonam a escola em número crescente mesmo antes do fim do básico. Assim, como é que podemos evoluir para indústrias que exigem mais qualificação?

As pessoas não prezam a escola porque a escola não é valorizada. As famílias tiram de lá os filhos porque, em lugares como o Pinhal Interior, não vêm que frequentar a escola possa acrescentar alguma coisa no futuro. Por isso acredito que, no limite, no futuro, teremos de pagar para ter as crianças na escola em zonas como essa até que apareçam actividades que impliquem mais formação, mas isso é um processo lento.
 
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Entrevista a Daniel Bessa

por marafado » 11/1/2005 3:40

Portugal Esteve na Moda
Segunda-feira, 10 de Janeiro de 2005

e passou de moda

Efémero ministro da Indústria de Guterres, autor recente de um estudo sobre as regiões deprimidas

encomendado pelo Governo PSD, Daniel Bessa, professor de Economia, responsável pela Escola Superior

de Gestão do Porto, mantém-se uma voz heterodoxa e preocupada com um país cujo potencial

de crescimento anual até 2010 a OCDE coloca nuns anémicos 1,5 por cento.

Por José Manuel Fernandes e Graça Franco (Rádio Renascença), fotografias de Miguel Madeira

Teve um dia uma conversa desagradável com António Guterres quando lhe disse que Portugal cobrava impostos demasiado elevados sobre as empresas e, assim, não conseguia atrair investimento estrangeiro. Mas não deixa por isso de considerar que se não for possível conciliar mais crescimento e consolidação orçamental, então a prioridade é pôr em ordem as contas públicas. Extractos da entrevista que Daniel Bessa deu ao PÚBLICO, à Rádio Renascença e à Dois para o programa "Diga lá excelência":

PÚBLICO - Tem dito que Portugal, se quiser crescer, tem de exportar. Metade do que produzimos fora do sector público é para exportar, o que mostra como somos uma economia aberta e vulnerável. Este ano exportámos mais 6,8 por cento, o Banco de Portugal fala em crescermos mais 7,5 por cento em 2005. Isso é realista?
DANIEL BESSA - O nosso problema não tem sido o mau comportamento das exportações, mas este estar a ser acompanhado por um crescimento enorme das importações.

Daí a pergunta sobre o realismo: este ano as importações cresceram 8,2 por cento, para o ano só se prevê um crescimento de 5,2 por cento. Seria uma inversão de tendência. Acredita nela?

Essa inversão é necessária e um dia terá de acontecer. A economia portuguesa tem um problema grande que é a fragilidade da nossa oferta lá fora. Há décadas de trabalho do ICEP, mas a retaguarda não tem correspondido. A verdade é que os melhores períodos da economia portuguesa estão ligados ao investimento estrangeiro. E não falo só da Autoeuropa, que muito contribuiu para termos hoje na área automóvel um valor acrescentado superior à do têxtil.

O que também tem fragilidades. O crescimento de 2,0 por cento que o Banco de Portugal projecta para 2006 depende, como alertou Vítor Constâncio, de a fábrica de Palmela da Autoeuropa ir construir um novo modelo. Isto é: estamos dependentes de um centro de decisão exterior...

Mas isso é próprio das pequenas economias. Se formos à Holanda, à Bélgica ou ao Luxemburgo, lá um grande investimento também pode fazer a diferença. Mas não houve só investimento estrangeiro no automóvel, houve noutras áreas, sobretudo investimento alemão.

Miguel Cadilhe tem-se esforçado para trazer mais investimento estrangeiro e não consegue...

Portugal esteve na moda e passou de moda.

Há países que não saíram de moda...

A moda teve que ver com o momento em que aderimos à União Europeia e ser um país relativamente barato. Fomos o pobre admitido a vender a ricos com exclusão de outros pobres. É o máximo que um pobre pode esperar. Hoje já não é assim, é preciso passar a outro modelo. Vou fazer uma pequena inconfidência sobre uma conversa, até um pouco desagradável, que tive uma vez com António Guterres, ainda era ele primeiro-ministro. Disse-lhe que a carga fiscal em Portugal sobre as empresas era muito elevada e ele não gostou. Por isso mostrei-lhe uma folha do World Economic Fórum sobre a competitividade dos países onde se via que, nessa altura - agora as coisas melhoraram -, entre 59 países, éramos a 57ª carga fiscal mais elevada. Pode ser desagradável ouvir isto, mas nenhum investidor em nenhum canto do mundo acha atractivo um país que oferece uma carga fiscal assim.

Apoiava uma descida da carga fiscal sobre as empresas?

Estarei sempre disponível para apoiar. É por aí que se deve começar. Nós já evoluímos, mas a Irlanda apenas cobra 10 por cento de IRC. Nos cobramos 25 por cento... Isto é importante numa União Europeia que compete fiscalmente.

Em quatro anos o que acha fundamental: o crescimento ou a consolidação orçamental, ou é possível fazer ambas ao mesmo tempo?

Se for possível fazer em simultâneo, seria óptimo, mas depende da taxa de crescimento que for possível assegurar. Nós temos uma espada sobre a cabeça, mas as agências internacionais reduziram dramaticamente as perspectivas de crescimento da economia no médio e longo prazo. A OCDE atribui-nos até final desta década uma taxa de crescimento estrutural de apenas 1,5 por cento. Talvez seja possível um fogacho num ano ou dois, mas em cruzeiro a taxa de crescimento não deverá ser superior a dois por cento.

Isso nem dá para recuperar o desemprego.

Pois não. E, para acabar de responder à questão, se não for possível compatibilizar crescimento e contenção do défice, opto pelo segundo: sem saneamento das contas públicas não há futuro nenhum. E esse saneamento é muito difícil, porque há áreas da despesa que estão a subir de forma imparável, como a segurança social e a saúde. É essencial, por exemplo, que não aumente o emprego na administração pública. Tem de haver mesmo redução, aproveitando as saídas para a reforma e, a ter de contratar, contratar com mais qualificações. Para além disso, a nível de remunerações, estes têm de estar ligados a objectivos
 
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