Caldeirão da Bolsa

"Portugal esteve na moda e passou de moda"

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"Portugal esteve na moda e passou de moda"

por Visitante » 10/1/2005 12:36

Entrevista com Daniel Bessa
"Portugal esteve na moda e passou de moda"


José Manuel Fernandes (PÚBLICO) e Graça Franco (Rádio Renascença)
Efémero ministro da Indústria de Guterres, autor recente de um estudo sobre as regiões deprimidas encomendado pelo Governo PSD, Daniel Bessa, professor de Economia, responsável pela Escola Superior de Gestão do Porto, mantém-se uma voz heterodoxa e preocupada com um país cujo potencial de crescimento anual até 2010 a OCDE coloca nuns anémicos 1,5 por cento.

Teve um dia uma conversa desagradável com António Guterres quando lhe disse que Portugal cobrava impostos demasiado elevados sobre as empresas e, assim, não conseguia atrair investimento estrangeiro. Mas não deixa por isso de considerar que se não for possível conciliar mais crescimento e consolidação orçamental, então a prioridade é pôr em ordem as contas públicas. Extractos da entrevista que Daniel Bessa deu ao PÚBLICO, à Rádio Renascença e à Dois para o programa "Diga lá excelência":

PÚBLICO - Tem dito que Portugal, se quiser crescer, tem de exportar. Metade do que produzimos fora do sector público é para exportar, o que mostra como somos uma economia aberta e vulnerável. Este ano exportámos mais 6,8 por cento, o Banco de Portugal fala em crescermos mais 7,5 por cento em 2005. Isso é realista?

DANIEL BESSA - O nosso problema não tem sido o mau comportamento das exportações, mas este estar a ser acompanhado por um crescimento enorme das importações.

Daí a pergunta sobre o realismo: este ano as importações cresceram 8,2 por cento, para o ano só se prevê um crescimento de 5,2 por cento. Seria uma inversão de tendência. Acredita nela?

Essa inversão é necessária e um dia terá de acontecer. A economia portuguesa tem um problema grande que é a fragilidade da nossa oferta lá fora. Há décadas de trabalho do ICEP, mas a retaguarda não tem correspondido. A verdade é que os melhores períodos da economia portuguesa estão ligados ao investimento estrangeiro. E não falo só da Autoeuropa, que muito contribuiu para termos hoje na área automóvel um valor acrescentado superior à do têxtil.

O que também tem fragilidades. O crescimento de 2,0 por cento que o Banco de Portugal projecta para 2006 depende, como alertou Vítor Constâncio, de a fábrica de Palmela da Autoeuropa ir construir um novo modelo. Isto é: estamos dependentes de um centro de decisão exterior...

Mas isso é próprio das pequenas economias. Se formos à Holanda, à Bélgica ou ao Luxemburgo, lá um grande investimento também pode fazer a diferença. Mas não houve só investimento estrangeiro no automóvel, houve noutras áreas, sobretudo investimento alemão.

Miguel Cadilhe tem-se esforçado para trazer mais investimento estrangeiro e não consegue...

Portugal esteve na moda e passou de moda.

Há países que não saíram de moda...

A moda teve que ver com o momento em que aderimos à União Europeia e ser um país relativamente barato. Fomos o pobre admitido a vender a ricos com exclusão de outros pobres. É o máximo que um pobre pode esperar. Hoje já não é assim, é preciso passar a outro modelo. Vou fazer uma pequena inconfidência sobre uma conversa, até um pouco desagradável, que tive uma vez com António Guterres, ainda era ele primeiro-ministro. Disse-lhe que a carga fiscal em Portugal sobre as empresas era muito elevada e ele não gostou. Por isso mostrei-lhe uma folha do World Economic Fórum sobre a competitividade dos países onde se via que, nessa altura - agora as coisas melhoraram -, entre 59 países, éramos a 57ª carga fiscal mais elevada. Pode ser desagradável ouvir isto, mas nenhum investidor em nenhum canto do mundo acha atractivo um país que oferece uma carga fiscal assim.

Apoiava uma descida da carga fiscal sobre as empresas?

Estarei sempre disponível para apoiar. É por aí que se deve começar. Nós já evoluímos, mas a Irlanda apenas cobra 10 por cento de IRC. Nos cobramos 25 por cento... Isto é importante numa União Europeia que compete fiscalmente.

Em quatro anos o que acha fundamental: o crescimento ou a consolidação orçamental, ou é possível fazer ambas ao mesmo tempo?

Se for possível fazer em simultâneo, seria óptimo, mas depende da taxa de crescimento que for possível assegurar. Nós temos uma espada sobre a cabeça, mas as agências internacionais reduziram dramaticamente as perspectivas de crescimento da economia no médio e longo prazo. A OCDE atribui-nos até final desta década uma taxa de crescimento estrutural de apenas 1,5 por cento. Talvez seja possível um fogacho num ano ou dois, mas em cruzeiro a taxa de crescimento não deverá ser superior a dois por cento.

Isso nem dá para recuperar o desemprego.

Pois não. E, para acabar de responder à questão, se não for possível compatibilizar crescimento e contenção do défice, opto pelo segundo: sem saneamento das contas públicas não há futuro nenhum. E esse saneamento é muito difícil, porque há áreas da despesa que estão a subir de forma imparável, como a segurança social e a saúde. É essencial, por exemplo, que não aumente o emprego na administração pública. Tem de haver mesmo redução, aproveitando as saídas para a reforma e, a ter de contratar, contratar com mais qualificações. Para além disso, a nível de remunerações, estes têm de estar ligados a objectivos.
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