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Caldeirão da Bolsa

Off-topic: Entrevista interessante sobre o Brasil economico

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

Off-topic: Entrevista interessante sobre o Brasil economico

por sargotrons » 20/4/2010 23:41

http://www.brasileconomico.com.br/notic ... 81006.html

Costábile Nicoletta e Conrado Mazzoni in Brasil Econômico Escreveu:Para Joseph Tutundjian, “o Brasil é um país sem metas”

Joseph Tutundjian, um dos mais tarimbados executivos de comércio exterior, afirma que seria melhor para o Brasil que sua expansão se desse por meio do crescimento industrial baseado na exportação.

Ele defende que as empresas brasileiras encarem a exportação não apenas como uma alternativa para quando o mercado interno estiver em baixa, e sim como uma forma perene de ganhar escala para melhorar a competitividade.

Tutundjian cita como exemplo as grandes marcas que se instalaram na China: "Já imaginou a Nike hoje sem o mercado internacional?".

O especialista também atribui o ziguezague da evolução do PIB à falta de planejamento de longo prazo do setor público. Em sua opinião, a ausência de objetivos claramente definidos limita o crescimento econômico.

Brasil Econômico - No ano passado, o Brasil exportou US$ 153 bilhões. Desse montante, 40,5% foram produtos básicos, como commodities agrícolas e minerais. Muitos analistas veem nesses números a constatação de que ainda somos um país que exporta matéria-prima e importa manufaturados. Qual sua opinião?

Joseph Tutundjian - Os analistas partem do pressuposto de que o produto básico não tem valor. Mas, no mundo de hoje, tem valor estratégico muito maior do que o produto de consumo. Um país supridor de alimentos e matérias-primas é muito mais importante do que o produtor de televisores e celulares.

Podemos viver sem esses produtos, mas não sem alimentos. Temos de ter consciência de que essa característica - sempre foi assim, desde os primórdios do café - é uma dádiva para nós todos.

Foi essa dádiva que fez o Brasil safar-se da crise mundial no ano passado?

O fato de o Brasil ser exportador de matérias-primas e alimentos nos salvou. Foram US$ 25 bilhões de superávit, num ano em que se pensava que o saldo seria zero. Os alimentos são itens não elásticos economicamente, possuem uma demanda relativamente constante.

Outra coisa a que não damos a devida atenção é que os Estados Unidos, na sua visão estratégica de mundo, visa a duas coisas: a independência alimentícia e o poder de armamentos.

Ser um competidor mundial que exporta alimentos, minério de ferro e, daqui a pouco, petróleo, é importante para a sobrevivência do Brasil. O lado ruim é que, sendo exportador de matérias-primas, julga-se que o país tem um perfil de terceira categoria, sem nenhuma estrutura de produção.

Ainda assim, por que os Estados Unidos e a Europa restringem a entrada de produtos brasileiros?

Os Estados Unidos têm pavor de competir na área de carne, soja, etanol, açúcar, tanto que protegem seus agricultores, assim como a Europa. Nós produzimos com eficiência, só que pagamos um preço enorme no custo, e mesmo assim somos competitivos.

Uma tonelada de soja que vem do interior do Mato Grosso até o porto de Paranaguá normalmente custaria algo em torno de US$ 20 a US$ 30 a mais do que o equivalente americano. Mas, ainda assim, conseguimos ter preços finais para concorrer no mercado mundial.

Além de commodities e alimentos, o Brasil também possui uma indústria forte.

Somos o sexto maior mercado de automóveis do mundo. Produzimos papel, aviões, eletrodomésticos, roupa, sapato. Nosso perfil é muito mais amplo do que o de um país produtor de matéria-prima que se beneficia exclusivamente do que a natureza oferece, como Angola, por exemplo.

Mas, se considerarmos nossa participação no comércio mundial, aí os números mostram nossa realidade. Somos significativos nas exportações de matérias-primas e produtos semielaborados, como suco de laranja, celulose, frango. Em maquinário, eletrônicos, computadores, porém, nossa participação é muito pequena.

Qual a razão disso?

Somos exportadores e importadores no setor automotivo, porque temos acordos comerciais com México e Argentina, basicamente uma transferência entre multinacionais. É um comércio dirigido.

O fato de termos uma posição importante no mercado automotivo global não é resultante de nossa competitividade apenas, mas de condições acordadas entre dois países. Se mandarmos nossos carros para Cingapura, não conseguiremos vendê-los.

Também não somos competitivos em confecção, setor que tem uma representatividade muito grande no comércio mundial. A tal ponto que estamos brigando com os Estados Unidos por causa do algodão.

Que fatores afetam mais as exportações?

O problema da nossa competitividade é o custo Brasil. Afeta todos os setores. É uma pancada violenta não apenas no lucro contábil, mas no intangível.

O custo de fazer negócio no Brasil, de tomar cuidado com aspectos jurídicos das coisas, de, a cada operação, ter que vasculhar todas as legislações para saber se tem algo errado, o custo da logística, o custo do seguro (por causa de roubo e condições da estrada), o custo de carregar os contêineres nos navios.

Por que o país não consegue reduzir o custo Brasil?

Fiz parte daquela Marcha dos Empresários em Brasília. Há 15 anos, subimos a rampa do Congresso Nacional contra o custo Brasil. Não deu em nada. Falta vontade política.

A ascensão econômica da classe C pode, enfim, fazer com que a industrial nacional tenha escala de produção mundial?

Temos cerca de 15 anos de estabilidade econômica, desde o Plano Real. Mas ainda não conseguimos constância de crescimento. O Produto Interno Bruto (PIB) é um sobe-e-desce. No ano passado cresceu 0,3% e todo mundo achou maravilhoso, mas ninguém investe com 0% de crescimento.

Neste ano pode ser 6% e se no ano que vem for 2% e depois - 1%? Isso freia os investimentos. Veja o exemplo dos fabricantes de televisores. Em ano de Copa do Mundo, as vendas crescem 20%.

Investe-se para atender à demanda decorrente do interesse pelo Mundial, e não para o futuro do mercado brasileiro.

Que fazer para não depender de demandas de curto prazo?

Diferentemente do que foi feito na China, nosso modelo industrial foi de substituição de importações e cresceu à base de dívida externa. Isso brecou nossa expansão durante décadas.

O chinês fez o contrário: cresceu empurrado pelo mercado internacional, não pelo mercado doméstico. Isso porque 90% dos chineses eram miseráveis naquela época. Hoje 60% continuam nessas condições, mas os outros 40% são 500 milhões de pessoas, quase duas vezes a população brasileira.

Trinta anos atrás, Pequim só tinha um hotel, a cidade era completamente escura, 99% dos cidadãos andavam de bicicleta.

Que foi feito para mudar essa situação?

O governo chinês decidiu isolar a costa do país - que era paupérrima - e transformá-la em um território não chinês. Os grupos estrangeiros que se instalassem ali seriam isentos de qualquer tipo de burocracia ou impostos durante dez anos, além de terem à disposição matéria-prima e mão de obra baratas.

A única obrigação era exportar integralmente a produção. E começaram com duas coisas intensivas em mão de obra: brinquedos (não eletrônico) e roupa. Aí vieram Armani, Louis Vuitton, Nike e as grandes fabricantes de brinquedos. Essas grifes especializaram a mão de obra chinesa, oferecendo-lhe padrão de qualidade global.

Dez anos depois, essas empresas gostaram da brincadeira e invadiram o mundo. Por isso que as grandes marcas passaram a trazer a insígnia made in China.

Isso é o que se chama de crescimento industrial baseado na exportação. Esses trabalhadores chegaram a representar 40% da mão de obra da China, porque, junto com isso, começam a criar restaurantes, hotéis, esse pessoal começou a ganhar dinheiro. E houve o fluxo do interior para as cidades em busca dessa riqueza da exportação. Dez anos depois, essa base 100% exportadora foi aberta para suprir o mercado interno, mas já com qualidade especial.

Criou-se a "República Popular do Capitalismo". O chinês de hoje é totalmente capitalista, quer ficar rico de qualquer jeito. E tem mais: é uma geração de filho único, com todo aquele sentimento de ambição depositado pelos pais.

Enquanto isso, o Brasil, com substituição de importação, não tinha competição. O consumidor brasileiro foi obrigado a aceitar qualquer coisa. Fernando Collor (presidente do Brasil de 1990 a 1992) tinha razão quando comparou nossos carros a carroças.

Os produtos eram todos ruins, porque o Estado protegia as empresas. Isso acomoda. O oposto da China, que começou com o mercado de luxo no Ocidente.

Curioso, um país comunista usa métodos capitalistas para crescer, e um país capitalista prefere métodos socialistas de desenvolvimento.

Isso mesmo. Outra coisa que a China caminha para fazer é a marca chinesa, a exemplo do caso coreano e do japonês. A Coreia, sob dirigismo estatal, copiou o Japão e desenvolveu um modelo com escala na área de tecnologia.

A China talvez comece com veículos, porque o carro é um cartão de visita. Não será mais brinquedinho chinês, mas carro.

No Brasil, infelizmente, não temos uma marca internacional nossa. A Embraer é uma única exceção, mas digo, sobretudo, em produto de consumo, de prateleira. Usamos a Zona Franca de Manaus para exportar, mas produtos Nokia, Samsung... Ali é somente uma linha de montagem.

Mas tem que ser um pouco ufanista. Apesar de nosso presidente exagerar um pouco nesse quesito, é importante para a autoestima do povo. Não sou contra isso. O Brasil está na moda. Mas nós, profissionais do setor, precisamos estar atentos à realidade.

Temos dificuldade em identificar na história econômica brasileira um planejamento de longo prazo. A própria estabilidade macroeconômica com democracia é algo recente. Podemos imaginar daqui para frente uma agenda de Brasil mais pautada no longo prazo?

As coisas num país mudam à medida que há pressão da sociedade. Essa pressão pode vir dos meios de comunicação, que refletem mais ou menos a opinião pública. Pode ser feita em manifestações de rua.

Os assuntos que requerem um planejamento de longo prazo não sensibilizam a classe política. O horizonte de pensamento político no Brasil - talvez até mude hoje em dia - é a próxima eleição.

Infelizmente o político pensa: vou planejar, o resultado virá daqui dez anos, não estarei mais no poder, ninguém me dará crédito por isso. Não temos planejamento.

Talvez o único planejamento que exista no Brasil sob uma forma mais consistente é nossa posição internacional sobre certas questões mundiais, como Terceiro Mundo, Cuba, Irã.

O Brasil está assumindo posição nesses pontos, estejamos de acordo ou não. Há um planejamento, talvez ideológico. De resto, qual é o nosso projeto energético? Enfim, o Brasil é um país que não tem metas.

Em uma abordagem mais setorial, como desenvolver uma marca brasileira para concorrer no mercado internacional?

À medida que tenhamos um mercado interno que permita estabelecer a marca como grande diferenciador da decisão de consumo. Apesar de observarmos melhoria no poder aquisitivo da população, essa renda começou a crescer de três anos para cá. Em volume, ainda é pequena.

Setorialmente falando, a maioria das marcas já foi ocupada. São internacionais, algumas multinacionais. Quando as empresas nacionais com marca doméstica começarem a ver a exportação como extensão do seu mercado, e não como alternativa - o que é uma diferença enorme -, aí se começa a gerar marca.

Ver o mercado internacional como alternativa à queda de demanda interna não produz preocupação de estabelecer marca, que requer investimento em propaganda, distribuição, exatamente como seria feito no mercado interno.

É a necessidade que faz a criatividade. Já imaginou a Nike hoje sem o mercado internacional? Não seria nada. Ainda não chegamos a esse ponto.

Insisto: estamos falando de produtos de prateleira. A Embraer talvez seja nossa única marca reconhecida internacionalmente.

A Vale, como dizia o velho Eliezer Batista (célebre ex-presidente da mineradora), é uma empresa de logística, o minério de ferro é um acidente de percurso. Só que ele disse isso há 30 anos, quando o minério custava US$ 10 a tonelada. Hoje, custa US$ 100.

Dá para apontar algum setor credenciado a ser uma marca brasileira lá fora?

Suco de laranja, por que não podemos ter uma marca dessa na prateleira? Outra possibilidade é a empresa brasileira comprar marcas lá fora, uma tendência que está ocorrendo aos poucos.

A Gerdau comprou siderúrgicas, mas não é produto de prateleira com alcance mundial. A cachaça é conhecida como algo brasileiro no exterior, mas não há uma marca conhecida lá fora.

Os exportadores brasileiros se queixam de que a taxa de câmbio lhes é desfavorável. Quais seriam as consequências para o país se o governo atendesse as reivindicações de intervir na cotação do dólar?

Uma coisa que aprendi é que é muito difícil saber qual a taxa de câmbio ideal. Para um setor que importa muito para produzir bens e exportar, a taxa de câmbio é uma coisa. Para outro setor que importa 100% do que vende, a taxa é outra. Pode-se ir de R$ 1,50 a R$ 3,00 por dólar.

Sou da época em que a taxa de câmbio era administrada, quando Delfim Netto era ministro, em meados da década de 1980, e implementava uma maxidesvalorização. Todo mundo ficava feliz durante 20 dias, a inflação comia os ganhos e a amargura voltava em seguida.

Poucos ganhavam e a multidão perdia. Sou muito cético com relação a qualquer coisa administrada pelo governo, porque há um grau enorme de imperfeição. Prefiro que o câmbio seja flutuante.

As trading companies (intermediárias entre produtor e comprador entre países) possuem hoje a mesma importância de antes?

Não. Ficaram hoje muito mais como prestadoras de serviços. Nos anos 1980, funcionávamos como desbravadores de mercado, como no petróleo importado do Oriente Médio. As grandes empresas exportadoras não precisam mais disso.

Hoje uma trading pode ser útil a cooperativas de produtores setoriais, para organizá-los e abrir-lhes mercados. Essa gente, em geral, sabe produzir, mas não tem a menor noção de mercado internacional.

A grande dificuldade é que leva um tempo de maturação muito grande entre organizar os produtores e ter o resultado nas exportações, porque é preciso vasculhar mercados, montar redes de distribuição, representantes, preços.

Entre esses períodos a trading precisa ser remunerada. Poucas pessoas no Brasil estão dispostas a pagar por isso. Porque outro impedimento é o imediatismo. O brasileiro ainda acha que vai fazer uma primeira viagem e voltar com contrato assinado.

A trading identifica o mercado, os concorrentes, os preços que estão sendo cobrados para aquele tipo de produto. Investiga os canais de distribuição e conclui se o produto brasileiro tem competitividade para disputar mercado nas mesmas condições.

Fazer adiantamento de contrato de câmbio, que o produtor não sabe fazer, hedge (proteção) de moedas, enfim esse tipo de trabalho de ponta. É comercial, logística, consultoria e execução também.

Que conselho o senhor daria hoje para uma empresa interessada em participar do comércio exterior?

Falando de produto de consumo, não de commodities, primeiro a empresa precisa de algum tipo de escala, ou seja, já estabeleceu um volume grande no país que dá folga para investir num departamento com gente especializada em comércio exterior, para estudar os mercados, os canais de distribuição, o que o concorrente está fazendo, quais são os preços e ver o que isso interessa com extensão do mercado nacional.

A tendência é pensar em Estados Unidos e Europa. Mas não precisa começar assim. Temos uma certa familiaridade de língua com os países vizinhos. Uma vez que se adquire experiência no mercado de Uruguai e Argentina, por exemplo, é o primeiro passo para ir para outros lugares do mundo. E não esperar resultados de uma hora para outra. É preciso que o produto estabeleça presença nos locais.

Por que o Brasil nunca deu muita bola aos seus vizinhos da América do Sul?

Não sei se é bem assim. O Mercosul continua vivo, os empresários se beneficiam disso. Por mais antipático que seja o regime do Hugo Chávez, o fato de a Venezuela fazer parte do Mercosul é um bom negócio para o empresário brasileiro.

É uma vantagem entrar num mercado que, bem ou mal, consome. Vendemos livremente produtos manufaturados à Venezuela.

Em que medida as eleições presidenciais podem influenciar o fluxo de comércio internacional no Brasil?

Se um dos candidatos quiser se meter a administrar o câmbio, por exemplo, vai ser um problema. O importador vai ficar inseguro, o exportador vai ficar inseguro. Vai dar uma paralisada geral.

José Serra tem um discurso crítico com relação à taxa de câmbio...

Tivemos um saldo comercial de US$ 25 bilhões no ano passado, apesar de todos os pontos negativos. Vamos ter um saldo de US$ 10 bilhões a US$ 15 bilhões neste ano.

O Brasil sempre teve balanças ruins nos primeiros meses do ano. O que puxa o saldo são as commodities. E a enxurrada de soja e carne é entre maio e setembro. Aí no final do ano todo mundo bate palma.

A África dá mostras de um mercado potencial importante?

Há regiões importantes como África do Sul e Angola não somente para exportação de produtos variados, mas também como presença brasileira de empreiteiras, construção civil.

A Nigéria foi importante e ainda é, mas muito pouco em termos de potencial de crescimento. Apesar do planejamento do Itamaraty de estar presente na África, duvido que o resto dos países se reverta em grandes exportações. E tem outra: os chineses já tomaram conta.
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