Sanção democrática
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Sanção democrática
Colunistas > 2005-09-23 14:00
Sanção democrática
Ricardo Costa
Votar “contra” alguém que não queremos ver no poder. É eficaz, é simples e é um direito inalienável.
Começa a ouvir-se com alguma regularidade, e pela boca toda a espécie de pessoas, a expressão “só neste País é que estas coisas são possíveis!”. Ouve-se esta frase um pouco por todas as razões, mas a última grande vaga está ligada às eleições autárquicas.
Sem desvalorizar a gravidade de alguns epifenómenos autárquicos, acho que as pessoas não fazem o mínimo esforço para perceber se estes casos são mesmo “nossos” ou se fazem parte de um “nós” mais alargado, do “nós” dos que vivem em democracia, dos que podem escolher em quem votar, dos que podem ver num boletim eleitoral pessoas que são “ameaças” à própria democracia.
Não é preciso ser muito versado em questões internacionais para se saber que fenómenos como os de Isaltino Morais, Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro ou Avelino ferreira Torres se replicam por muitas democracias. O caso mais grave e que provocou uma das mais brilhantes edições do “Economist” dos últimos anos é o de Sílvio Berlusconi. Os italianos (cidadãos normais, cultos e informados) elegeram por duas vezes governos liderados por Berlusconi, um político com muitos processos-crime a correr contra ele, acusado de ter tentado influenciar (comprar, para ser mais preciso) magistrados, que interrompe as funções governamentais para comprar um defesa central para o seu AC Milan (Nesta, transferido da Lazio), que consolida o seu tentacular grupo de media enquanto lidera o governo!
Os paradoxos da Democracia existem, existiram e vão continuar a existir. Há sempre pessoas dispostas a votar em loucos, em populistas, em pessoas que fogem à justiça. E não é só no Zimbabwe de Mugabe ou na Venezuela de Chavez que se ganham eleições fazendo campanha contra a democracia. Em grande escala temos o caso sinistro da Bielorússia, mas à escala autárquica basta parar o olhar em Espanha. Comecem na Marbella e Jesus Gil y Gil e vão ver que estes fenómenos existem e por todo o lado.
Perante tudo isto, os cidadãos podem fazer três coisas: lamentar-se, votar noutras pessoas ou gozar com o assunto.
Gozar é, como a palavra indica, a maneira mais divertida: no Brasil ficou célebre a campanha do Macaco Tião para as presidenciais, em que um movimento de cidadãos se organizou para “gozar” com a loucura que eram as presidenciais brasileiras nesses anos; nos EUA, de quatro em quatro anos, o candidato Nobody lá aparece, com direito a comícios em Washington e ‘slogans’ brilhantes (’Nobody cooks apple pie like my mother’ ou ‘Nobody is a good President’).
Lamentar-se é a solução típica de portugueses, que saíram da Ditadura para a Democracia com a mesma dependência do Estado, sempre à espera que alguém resolva os problemas por ele, com saudades do estilo Sidónio Pais ou pior.
Estranhamente, os portugueses nem percebem os que os separa de uma boa parte do Mundo, onde ainda não se vota ou onde os votos já estão contados antes de entrar nas urnas. Do resto do Mundo, onde a Justiça não obedece a governo, onde a separação de poderes não existe.
As Democracias distinguem-se de outros sistemas por muitas coisas. Uma delas é a “sanção democrática”. Esta sanção passa por votar “contra” alguém que não queremos ver no poder. É eficaz, é simples e é um direito inalienável. Tipicamente, nós preferimos não exercer essa sanção. Nós gostamos mais dos lamentos.
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Ricardo Costa é director da SIC Notícias e assina esta coluna semanalmente à sexta-feira.
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