Entrevista com António Borges
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Entrevista com António Borges
Entrevista com António Borges
«Os partidos transformaram-se em máquinas de assalto ao poder»
Leia aqui a versão integral da entrevista de António Borges publicada na presente edição da VISÃO. Uma entrevista em que não exclui candidatar-se à liderança do PSD
Áurea Sampaio e Clara Teixeira
15 Set. 2005
Tem residência em Londres, mas falou com a VISÃO na sua casa de Lisboa. Não esconde as críticas à actual situação, mas mantém o discurso optimista sobre o futuro de Portugal. Na sua óptica, o nosso problema é sermos mal governados. Sem papas na língua, mostra-se preocupado com «o regresso das cliques políticas ao interior das empresas», ataca ferozmente os aparelhos partidários e mantém a convicção de que o Mibel vai permitir a Espanha «tratar Portugal como uma província».
VISÃO: Cavaco Silva vai mesmo ser candidato presidencial?
ANTÓNIO BORGES: Não tenho informações privilegiadas e não tenho falado com ele, mas estou profundamente convencido de que se candidatará.
Nesta fase, ele já não margem de recuo?
Não. As razões pelas quais ele manifestou uma disponibilidade para se candidatar mantêm-se, e até têm vindo a acentuar-se.
Para si, e como apoiante, o que faz de Cavaco Silva o melhor candidato?
Cavaco Silva seria um extraordinário Presidente da República (PR), porque tem um enorme sentido de Estado e de qual é o papel e a responsabilidade dos políticos. Logo, virá trazer um outro patamar de exigência quanto à qualidade da acção política e da acção governativa em Portugal. O PR não governa o País, mas tem uma grande influência sobre o que consideramos aceitável ou não, sobre o que toleramos ou não e sobre aquilo a que nos acomodamos ou achamos que temos de reagir. E, aí, ele pode ter um papel crucial, porque é precisamente disto que estamos a precisar nesta altura.
Mário Soares não tem esse papel de exigência?
Não. Mário Soares, que é um político fantástico, dos mais interessantes do século XX na Europa, é muitíssimo sedutor, identifica-se muito bem com as pessoas e as pessoas com ele, mas não é um homem de exigência. Nunca foi. Como primeiro-ministro nunca teve grande sucesso precisamente por isso. Não é homem para tomar decisões difíceis, nem para se impor em momentos complicados. O grande sucesso de Mário Soares como PR deve-se a ter tido Cavaco Silva como primeiro-ministro. O País estava bem governado e ele pôde exercer uma magistratura de influência porque tinha a vida muito facilitada.
Mário Soares, quando foi primeiro-ministro, teve de tomar decisões difíceis, nomeadamente as negociações com o FMI?
Tomou sim, mas não governou nada bem, e a prova disso é que o eleitorado logo que pôde despachou-o com um dos piores resultados eleitorais de sempre.
Se Cavaco Silva não se candidatar, que outras soluções apoiaria?
Não ponho essa hipótese. O candidato ideal é justamente uma pessoa com grande sentido de Estado, com uma ideia muito clara do papel do PR, que seja um unificador e que não venha abrir conflitos nem criar divisões de que o País não precisa, mas que ao mesmo tempo tenha capacidade de nos levar para um patamar mais alto de qualidade de acção política. Quem poderia desempenhar esse papel além dele? Podia haver outros, mas não ponho essa hipótese.
Quando fala de patamar de exigência, quer dizer o quê?
O actual PR também faz apelos, convoca a sociedade civil para tentar inverter certas situações? e nada acontece. Um discurso de Cavaco Silva, hoje, tem muito mais peso no sentido de marcar a vida política do que aquilo que o actual PR faz ou diz. Jorge Sampaio escolheu ter uma postura como PR que diminui o papel e a importância do Chefe de Estado. Com a única excepção de ter dissolvido a AR, que até não precisava de fazer. Mas isso é outra história. É verdade que, na nossa Constituição, o PR tem poderes delimitados, mas amplos, e não pode dizer-se que seja uma espécie de monarquia simbólica, como noutros países europeus. É um PR com muitos poderes, mas que pode escolher exercê-los, ou não. Tenho dito muitas vezes que o problema central da sociedade portuguesa é o da Justiça, que tem a particularidade de ser exercida pelos tribunais, que são um órgão de soberania; logo, não está sob a alçada do Governo (só uma parte é que está). Portanto, é preciso alguém que esteja acima de tudo e de todos, que seja capaz de dizer «isto é inaceitável, isto não pode ser...». Só o PR pode desempenhar esse papel, mais ninguém.
Esse tipo de actuação não será susceptível de gerar conflitos com o Governo?
Não defendo que seja o PR a governar, como, por exemplo, em França; acho um sistema péssimo. Estou a falar de um PR que está acima do Governo, que tem de respeitar os outros órgãos de soberania, que não tem de intervir todos os dias ou sequer todas as semanas, mas que tem de marcar um nível de exigência e não permitir que as pessoas se acomodem a comportamentos inaceitáveis. Aquilo que há de bom na nossa Constituição é que, não sendo presidencialista, permite que o PR seja o garante último da qualidade da vida política portuguesa.
Precisamente por os poderes não estarem assim tão delimitados, pode desestabilizar o regime...
Pois. Veja-se o caso de Jorge Sampaio e da dissolução da AR. Aí está, justamente, desestabilizar o regime. O PR tinha um grande conjunto de opções e escolheu a «bomba atómica». Porque é que isso desestabiliza o regime? Porque, daqui para a frente, qualquer governante vai ter a preocupação de pensar: «Se tomo medidas difíceis, se a opinião pública e as sondagens me dão como impopular, a AR pode ser dissolvida de um momento para o outro..».
Não foram as sondagens que levaram à demissão do Governo.
Não estou a falar da demissão do Governo. Acho que Jorge Sampaio tinha toda a razão para demitir o Governo, mas escolheu dissolver a AR. Poderia muito bem, e deveria, ter dito: «Eu não quero este primeiro-ministro, porque o primeiro-ministro também é da responsabilidade do PR, portanto, os senhores da maioria da AR arranjem-me outro». Esta opção estava em cima da mesa. Era exactamente assim que a coisa se teria passado, por exemplo, em França. Isto é que é desestabilizar o regime, isto é que é provocar um ciclo eleitoral excessivamente curto.
Qual é a solução que traz maior risco de conflito com o Governo: Cavaco ou Soares?
Isso é uma questão complicada, porque o PS não é propriamente um modelo de coesão: Mário Soares tem o seu campo, José Sócrates o seu, e ainda há outros. Portanto, não se sabe muito bem como iriam funcionar uns com os outros. Mas a questão central é que o PR não está lá para entrar em conflito com o Governo: o PR está lá para levar o Governo a actuar melhor. Portanto, não é intervir na governação, mas na qualidade da acção política.
Dada a situação difícil em que o País se encontra, não seria vantajosa uma certa coesão entre PR e Governo?
Mas entre 1985 e 1995 não houve coesão entre Cavaco e Mário Soares? Eles não conseguiram entender-se apesar de serem de partidos diferentes? E não conseguimos criar um clima de prosperidade económica e resolver uma série de problemas? Porque não há-de ser o mesmo agora?
Gostou do discurso de apresentação de Mário Soares?
Não vi, não estava cá. O conteúdo, achei-o muito pobre, um discurso de continuidade. É isso que Mário Soares oferece: o regime não está assim tão mal como isso, é preciso governar um pouco melhor mas isso virá, estejam tranquilos, está tudo bem? Eu não concordo, porque isso é subestimar os problemas. Precisamos de mais.
Mário Soares citou Pessoa dizendo que Jesus Cristo também não sabia de Finanças. Acha crucial hoje em dia o PR saber de Economia e de Finanças?
[Risos] Não acho indispensável, mas ajuda muito. Temos problemas económicos muito graves, mas até sou de opinião que há outros problemas que não são da área económica e que são mais graves.
O caso da Justiça?
Mas não só. Estou muitíssimo preocupado com a forma como, ao longo dos anos, os partidos políticos têm vindo a funcionar: como máquinas de colocação de pessoas, no exercício de poderes locais e regionais, e na forma como hoje se transformaram em máquinas de assalto ao poder.
Corrupção e tráfico de influências. É disso que está a falar?
Não, mas já lá vamos. Nos partidos, estou a falar de um certo desvirtuamento da actividade política que faz com que as pessoas olhem para eles como forma de defenderem interesses muito particulares. Este assalto aos lugares e às empresas públicas é algo que acho extraordinariamente perigoso para a confiança que as pessoas devem ter no seu regime político. Em paralelo com isso há o problema da corrupção, que é muito generalizado, e ninguém actua. As pessoas vão vivendo, dizendo « tem de ser assim, paciência...». Quando isto acontece, desaparece a confiança dos cidadãos no Estado, no Estado de direito em particular e na seriedade da política. Isto é muito grave, porque não permite resolver problemas, porque afecta muitíssimo a confiança e também porque leva as pessoas a reagirem de forma desesperada. Se já nada se resolve, então vamos para medidas mais radicais, cada vez mais loucas. Há muita evasão fiscal, então acabe-se com o sigilo bancário; há muitos problemas de fogos, então acabe-se com o direito à propriedade privada das florestas. Vamos numa escalada de loucura, resultante deste sentimento de impotência do Estado, que leva as pessoas a desesperarem.
Esta situação é melhor ou pior do que noutros países da Europa?
É muito pior, embora tenham existido problemas noutros países da Europa. Houve problemas gravíssimos de corrupção em França, que levaram à condenação do primeiro-ministro Alain Juppé. O próprio Presidente Chirac, quando deixar o cargo não se sabe muito bem o que irá acontecer-lhe. Em Itália, em Espanha também?
O que vê de diferente em Portugal?
O que vejo em Portugal, e sinto com muita revolta, é que não era assim. Há uma deterioração gradual que se vem verificando ao longo dos anos.
Desde quando?
Seguramente, de há dez anos para cá. E nós vamos aceitando estas coisas como inevitáveis, não conseguimos combatê-las, não há reacção.
A diferença será porque em Portugal nunca houve nenhum político importante preso ou condenado?
Não sei se os políticos deviam ir, ou não, para a cadeia. Os tribunais é que sabem, mas o facto de estes não se pronunciarem é que é grave. Fica a sensação de que a Justiça é manipulável, de que é secundarizada em relação à política, de que a política é omnipresente e de que os interesses dos políticos se sobrepõem a tudo. Isso é extraordinariamente negativo e até perigoso.
De acordo com as críticas que fez ao discurso de candidatura de Mário Soares, acha que Cavaco Silva deveria ter um discurso de ruptura com a actual situação?
Não um discurso de ruptura, mas um discurso de ambição. Um discurso para dizer aos portugueses que podemos fazer melhor, que temos todas as condições para fazer melhor. Temos é sido mal governados e mal geridos. Primeira mensagem de Cavaco Silva: precisamos de gente melhor na política.
O discurso da má moeda expulsa a boa?
Nem mais nem menos. Na esquerda como na direita, no Parlamento, nas autarquias, no governo, precisamos de renovação.
Isso não se faz com discursos.
Faz, faz. Porque se hoje aceitamos gente que nunca deveria estar em nenhum cargo público, gente que deveria estar na cadeia e que continua por aí com a mania de que ganha eleições, é porque ninguém levanta uma voz.
Marques Mendes até fez isso no seu partido e verifica-se que o problema não se resume aos próprios que são arguidos em processos, mas aos militantes do PSD que se revoltam contra o líder em apoio dessas figuras...
Em primeiro lugar, quero dizer que Marques Mendes está a fazer muito bem, porque é essencial ter um patamar de exigência quanto à qualidade dos políticos e porque não se pode pactuar com estas palhaçadas a que estamos a assistir à esquerda e à direita. Em segundo lugar, isto não é um combate que se ganhe de um dia para o outro, porque esse tipo de exercício de poder está instalado. Em terceiro lugar, há uma questão muito séria que tem que ver com a confiança que os cidadãos têm no sistema político. Porque se as pessoas vêem que um indivíduo é um bandido, alguém execrável, mas não lhe acontece nada e ainda por cima dá uns empregos, distribui umas «massas» e subsidia isto e aquilo, se ninguém o sanciona, se o sistema político, a Justiça e os governos aceitam, as pessoas, repito, pensam: «Vou eu agora combater isto sozinho?...». Há, portanto, aqui uma legitimação dos comportamentos porque o regime não reage.
A propósito das declarações do vereador da Câmara do Porto Paulo Morais, Maria José Morgado disse que mais dia menos dia haverá um "mensalão à portuguesa". Quer comentar?
Nestas coisas existem sempre vozes algo excessivas e uma tentação fácil para a ridicularização ou para exigir medidas radicais, porque já não vêm outra forma de resolver o problema?
Ou porque se fartam de ver que nada acontece.
... mas eu não sou dessa opinião. A situação pode inverter-se, está nas nossas mãos, mas não se tem dado prioridade a isto. No que respeita à corrupção, foi-se criando um sistema em que ela é quase inevitável pelo desvario louco da burocracia, pela distribuição de poderes absolutos, por uma quantidade enorme de níveis da administração que hoje têm, só por si, a capacidade de bloquear tudo sem prestar contas a ninguém, o que só tem um objectivo: enriquecê-los, meter-lhes dinheiro no bolso.
O que fez Paulo Morais na CM Porto foi adoptar uma medida radical: impediu todos os seus funcionários de contactarem com o público. As pessoas chegam lá para resolver os seus problemas e não têm com quem falar. Têm um guichet, entregam os papéis e vêem-se embora. Isto também não é sistema, mas lá está, quando as pessoas se apercebem da dimensão dos problemas, vai-se para medidas radicais. Ele tem mérito em querer reagir àquela pressão toda, mas também não é assim que as coisas se resolvem. O problema da corrupção tem de passar em primeiro lugar por um sistema completamente diferente de licenciamento, de desburocratização?
E também pelo financiamento dos partidos?
Já está muito melhor. O problema é que a lei não é cumprida. Quando os partidos são os primeiros a dizer que não prestam contas e ninguém lhes chama a atenção, quando sabemos que as contas que eles apresentam não dão para pagar meia dúzia de outdoors e não lhes acontece nada, os portugueses têm razão para perderem a confiança. Mas, aí, é uma questão de tribunal, não é uma questão de lei.
Que balanço faz da actuação do Governo? Quais foram as melhores e as piores medidas de José Sócrates?
A mais positiva de todas, e que nos deu muita esperança, foi o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) do ex-ministro Luís Campos e Cunha, para equilibrar a Economia, repor o crescimento através das exportações e relançar o investimento. Escrevi, na altura, que era o modelo de que o País precisava.
Houve quem dissesse que era pouco?
Poderíamos questionar se a lista de medidas era suficiente, mas o programa era excelente. Nas medidas anunciadas (e que vamos ver se se concretizam ou não), há um conjunto que vai ao cerne da questão: reformar o sistema de remunerações dos funcionários públicos, alterar os regimes especiais de pensões, aumentar a idade de reforma, etc. Mas as pessoas estão descrentes, porque o símbolo desta política de seriedade e de competência [Campos e Cunha] foi corrido na primeira oportunidade. Existem outros poderes (ministros,figuras partidárias ecentros de força) que têm ideias e que estão sistematicamente a vir ao de cima. E que voltam a uma política de aumento da despesa pública e de reforço do papel do Estado na Economia. Apesar do discurso de modernismo de José Sócrates, a realidade é outra: o PS está a fazer um despudorado ataque ao sistema económico.
Está a referir-se à nomeação de boys nas empresas de capitais públicos?
Há casos exemplares, como o da Caixa Geral de Depósitos (CGD), mas o mesmo já se passou na Galp e vai passar-se na EDP e na Portugal Telecom (PT). E estou a referir-me também à Administração Pública (AP), onde o Governo legitimou a substituição de quadros superiores com base na confiança política. Nas empresas, a primeira coisa que o Governo fez foi exigir o adiamento da Assembleia Geral (AG) da PT. É a maior empresa cotada portuguesa, tem milhões de accionistas estrangeiros, mas o Estado, que tem 500 acções, mandou adiar a AG com o único objectivo de mostrar quem manda. Depois vieram as tentativas de substituição de administrações em várias empresas privadas, onde o Estado tem peso mas não é o accionista dominante. O regresso das cliques políticas ao interior das empresas é das coisas mais desastrosas que pode fazer-se.
Quando o PSD estava no Governo, a luta pelo poder nas empresas fazia-se entre as diversas facções do partido. Foi assim na CGD, foi assim na TAP?
Não estou a defender ninguém. Não é uma tendência nova, mas é uma tendência que se vem agravando. Só acho que estamos a ir ainda mais longe.
O ex-ministro Campos e Cunha devia ter ficado em funções, mesmo depois de se saber que era contra dois dos projectos (o novo aeroporto e o TGV) que constavam do programa do Governo?
Campos e Cunha não disse que era contra o TGV ou a Ota. Disse que têm de ser estudados, e que, se é isso que queremos, temos de fazer sacrifícios noutro lado. Ele era contra uma maneira de olhar para este problema que é a seguinte: «Isto tem de se fazer, dê lá por onde der. Não precisamos de estudos porque é uma decisão política».
Concorda com estes projectos de investimento?
Sobre o TGV não posso falar, porque sou consultor da RAVE. No caso da Ota, não conheço bem o assunto. Há dúvidas sobre a dimensão do investimento, mas o ponto não é esse. Se é a prioridade, então onde é que vamos cortar para tornar isto possível? Cabem estes investimentos dentro do cenário definido no PEC? Se cabem, é por escolha do Governo. Se não cabem, é uma total contradição, que é o que acho que se passa. A questão é que este Governo continua a dizer que se relança a economia através de um aumento do investimento público e das grandes obras.
E que até há fundos comunitários para os suportar...
Esse é o raciocínio mais perigoso e mais errado que há. Outro, é dizer que são os privados que fazem e não o Estado. Uma loucura! É sempre dinheiro mal gasto, mesmo que se dêem condições aos privados para acharem que os projectos são rentáveis. Os projectos têm que ter um sentido, económica e socialmente, e era esse o estudo que o ex-ministro Campos e Cunha quis que se fizesse. Mas no mesmo dia, no Parlamento, outro ministro foi dizer que a decisão política estava tomada. Eu teria feito o mesmo que ele fez. Ele foi só mais cortês do que eu seria (risos). Eu teria saído do Governo naquele próprio instante.
Como fez quando, em 1993, se demitiu do Banco de Portugal, por discordar da desvalorização do escudo?
Com certeza. Ou há seriedade ou não há. Não podemos andar a enganar as pessoas.
Que opinião tem sobre o actual titular das Finanças? Teixiera dos Santos merece-lhe confiança?
Teixeira dos Santos é um bom economista, uma pessoa competente, tem experiência de governo. Reúne as condições para ser um bom ministro. Mas acho que a saída de Campos e Cunha foi má porque, como economista, está num nível acima de outros que recentemente passaram pelo Governo. Tinha-se tornado um símbolo de um grau de exigência e seriedade e de uma forma de estar na política que é muito importante.
O que acontecerá à Economia se o PEC de Luís Campos e Cunha não for aplicado?
Não estou nada optimista. Não estamos a resolver os problemas de competitividade externa e, neste contexto internacional, tudo se torna mais difícil. As reformas só têm impacto a prazo, e entretanto as receitas vão caindo. É por isso que costumo falar de uma espiral negativa. Mesmo quem está bem (e há muitas empresas que hoje estão muito bem), não investe em Portugal. O investimento é raríssimo, excepcional e condicionado pelo Estado. Nenhum País faz boa figura mudando de Governo de dois em dois anos. Mas não é só mudar de Governo, é também estar sempre a mudar de ministros. Os estrangeiros fazem troça! Temos outro problema: um sistema administrativo contrário ao investimento. Conheço empresas que chegam cá, querem investir e desistem por causa dos obstáculos, das licenças, dos pareceres. Esta regulação toda tem o efeito perverso de desencorajar quem é sério e de deixar o campo aberto a quem corrompe e a quem actua à margem da lei.
Como vê a entrada da Prisa na Media Capital (MC)? Preocupa-o mais a alegada envolvente política do negócio ou a transferência de mais um centro de decisão para Espanha?
Estou relativamente tranquilo quanto à necessidade de aceitarmos a concorrência também no controlo das empresas. Não tenho a convicção de que a existência de estrangeiros na televisão vai pôr fim à independência portuguesa. A MC tinha capital estrangeiro, sempre teve, e isso não impediu que a empresa fosse gerida por portugueses.
Aí, não está de acordo com o dr. Marques Mendes, que põe a questão como sendo do foro patriótico, preocupando-se com a preservação da língua e da cultura?
Estou convencido de que a TVI não vai passar a emitir em espanhol [risos]. Acho pior a invasão brasileira do que a espanhola. Fico mais preocupado com a outra questão. Se vamos aceitar a concorrência, não se pode favorecer A, B ou C. Se vier aqui uma empresa francesa, inglesa ou alemã e se quiser tomar uma posição, por que não? Se a eventual compra da MC por uma empresa espanhola resulta de favorecimento político a um concorrente em detrimento de outros, isso é viciar a concorrência. Essa parte é que me preocupa.
Acha então que existiu favorecimento político?
Não tenho a prova disso, mas é um assunto de que se fala. Como já se falou anteriormente, na venda da Lusomundo. Sou a favor de uma concorrência aberta, não de o Governo estar a condicionar quem pode ou não pode tomar conta disto ou daquilo. Se os favoritos são do PSOE espanhol, menos legítimo é. Há aqui uma suspeita, para a qual não tenho provas, que deixa as pessoas desconfortáveis. Agora, muitos centros de decisão vão passar para mãos estrangeiras. Faz parte da integração europeia, não há volta a dar. O que é lamentável é que se faça num só sentido. Vendemos tudo, ficamos sem nada. Estamos a facilitar muitíssimo a aquisição por estrangeiros e a dificultar muitíssimo a capacidade de as nossas empresas comprarem no estrangeiro. Este é o verdadeiro drama. Os erros económicos pagam-se com a perda de independência.
Afirmou já que «o Mibel é mais do interesse de Espanha do que de Portugal». Continua a pensar assim? O que espera do novo modelo energético português?
Essa foi uma das áreas em que trabalhei mais tempo, e com mais intensidade, nos últimos dois anos. Agora já não, e por isso posso falar. A integração económica ibérica é fundamental para Portugal, mas é extraordinariamente interessante para Espanha. Para os espanhóis, poderem tratar Portugal como uma província é, em termos de racionalidade económica, extraordinariamente vantajoso. A entrada no mercado português sem barreiras, sem restrições, é sempre uma ambição fortíssima. Por isso é que digo que o Mibel é muito interessante para eles, porque permite-lhes tratar o mercado português como mais uma província. Não quer dizer que não seja também interessante para nós, numa lógica de integração ibérica com concorrência de igual para igual. O que estava a tentar fazer-se era criar uma empresa portuguesa de dimensão comparável às espanholas.
Mas esse modelo de integração do gás e da electricidade na EDP acabou por ser chumbado em Bruxelas?
Não foi o modelo que foi chumbado: Bruxelas não autorizou uma certa forma de integração. Teria autorizado outras. E vão autorizar outras.
A espanhola Gas Natural anunciou uma OPA sobre a Endesa, criando um novo gigante espanhol, e europeu, no gás e na electricidade. O que é que Portugal deve fazer?
Os espanhóis não brincam. Não estão preocupados com Portugal, estão é com a França e com a Alemanha. Querem criar empresas à escala europeia, para estarem preparados para abrirem o mercado. Nós continuamos preocupados com esta lógica de rectângulo, de concorrência interna, com empresas pequeninas a matarem-se umas às outras, em lugar de criarmos uma empresa forte e de abrirmos o mercado.
Pôr a Galp e a EDP a concorrerem no gás e na electricidade, como está nos planos do Governo, não vai servir-nos de nada?
É contraproducente. Mas o que interessa é a realidade. E a realidade concreta - este Governo foi muito claro - é que vamos ter as duas empresas a concorrer, vamos chamar estrangeiros, não sei quais, e vamos criar um mercado interno concorrencial. Acho que isto é miopia! O mercado que conta não é este. Vamos concentrar a atenção no nosso rectângulo, criar empresas que vão ficar pequeninas a baterem-se umas com as outras, e quando aparecer a concorrência grande, a sério, não nos aguentamos.
A criação de grande empresas não o assusta? Muitas vezes, o resultado salda-se apenas pela realização de grandes negócios para algumas pessoas.
Concordo com essa análise e não sou a favor de favorecimentos. Mas também lhe digo que se não racionalizarmos as nossas empresas e não lhes dermos dimensão, serão compradas uma a uma, para serem integradas em universos maiores. Vamos perder muitos desafios, mas podemos ganhar outros. O que não é possível é isolarmo-nos neste processo.
Disse recentemente que «Espanha está a perder a sua aura». Se é assim, o que é que pensou quando ouviu o primeiro-ministro dizer que a nossa prioridade é «Espanha, Espanha, Espanha»?
Discordo frontalmente do primeiro-ministro. A vantagem portuguesa foi sempre apostar numa grande diversidade de mercados, de parceiros, de investimento estrangeiro. Durante anos, a Inglaterra, a Alemanha, a França e a Espanha estiveram em pé de igualdade no nosso comércio externo e no papel do investimento estrangeiro. Se agora vamos dizer que o que interessa é Espanha, e que o resto é marginal, estamos a reduzir brutalmente a nossa independência e a nossa capacidade de diversificar riscos. O modelo económico espanhol sofre de problemas de que nós também sofremos, mas numa escala menor. Eles têm um problema de competitividade, que começa a vir ao de cima. Têm uma inflação superior à média europeia, uma perda de competitividade no sector exportador, estão muito dependentes do mercado interno, que tem estado pujante, mas que tem limites, nomeadamente no imobiliário. O efeito é moderado por causa da política orçamental, que é equilibrada e mais prudente. Como têm um enorme dinamismo empresarial, talvez consigam dar a volta à situação. Mas estão a chegar a um certo esgotamento daquele período fantástico.
Já não faz sentido falar de Espanha como prioridade só porque está do outro lado da fronteira?
É perigoso. Naturalmente que vamos ter sempre mais relações económicas com Espanha do que com outros. A proximidade não é irrelevante. Mas por isso é que temos de combater essa tendência natural, para não ficarmos excessivamente dependentes de um só parceiro. Tem de haver uma política deliberada de diversificação. Todo o nosso sistema de transportes passa por Espanha. No dia em que houver uma greve em Espanha, como as que têm existido em França, que bloqueiam as estradas, ficaremos cortados do mundo. Não termos feito uma aposta muito forte nos portos coloca-nos numa posição de vulnerabilidade brutal, em termos estratégicos. Temos um porto fabuloso em Sines que não funciona. O investimento está feito, mas não há bons acessos rodoviários e ferroviários.
Porque é que não se investiu nas ligações ao porto de Sines?
Porque há interesses fortíssimos ligados ao Porto de Lisboa e ao Porto de Leixões. Andamos com camiões a circular na cidade de Lisboa quando há um belíssimo porto ali mais abaixo. Há uma conivência entre as autoridades e os interesses económicos que é devastadora, extremamente prejudicial ao País. Há empresas tão desesperadas com o mau funcionamento dos portos que vão buscar os contentores a Algeciras.
Quais as cinco reformas que qualquer Governo deve fazer para melhorar o País?
A minha prioridade é a Justiça. A ineficiência da Justiça tem consequências económicas gravíssimas. Depois, a reforma do Estado. Temos uma Administração Pública do tempo do dr. Salazar! Não funciona. Temos uma carga fiscal das mais altas do mundo sem termos um décimo da eficiência que encontramos nos serviços públicos de outros países. Defendo também uma verdadeira obsessão com as exportações, a recuperação da competitividade e a capacidade de nos impormos nos mercados externos. Esse é o único caminho que pode dar-nos crescimento económico sustentável. Implica uma grande renovação da indústria e da actividade económica que, para mim, tem de passar por uma forte componente de investimento estrangeiro, que traga novas tecnologias, novas competências e acesso a novos mercados. Uma outra medida muito importante é a reforma profunda da Segurança Social, da protecção social e do apoio aos mais desfavorecidos. Há injustiças e ineficiências brutais nestas áreas, que devem ser olhadas de uma forma mais racional.
Gostaria de ser primeiro-ministro?
Tenho grande respeito pela política. O primeiro-ministro deve ser uma pessoa com uma qualidade, uma experiência e um conhecimento que não sei se tenho.
O que lhe falta para ter essa ambição, se é que não a tem?
Não é uma questão de ambição. É de vontade. Tenho 55 anos, daqui a dez provavelmente deixo de trabalhar e vou chegar ao fim da minha vida a pensar no que fiz directamente pelo País. Estive três anos no Banco de Portugal, e pronto. Isso custa-me um pouco. Acho que posso contribuir, gostaria de poder contribuir. Se Manuela Ferreira Leite fosse primeira-ministra, eu gostaria muito de trabalhar com ela na posição que ela quisesse. Porque ela tem o calibre, a qualidade e a experiência necessária para o lugar. Parece-me mais importante criar uma equipa, uma boa liderança, de uma forma coesa e consistente que seja capaz de obter resultados, do que saber quem vai ser o primeiro-ministro.
Mas está disposto a fazer esse caminho, a disputar a liderança do PSD?
O problema neste momento não se põe.
Para o ano, quando houver eleições directas no PSD, haverá dois candidatos a líder: Marques Mendes e Luís Filipe Menezes. Não põe essa hipótese, também?
Não estou a trabalhar para isso, como outros estão. Para mim, o fundamental é saber se o PSD, nessa altura, terá ou não líderes à altura, se terá ou não candidatos que eu apoie. Se tiver, com certeza que estarei desse lado. Mas se não tiver ninguém, e se houver condições, não excluo uma candidatura. Mas como temos um líder que ganhou o Congresso, que está no início do seu trabalho e que tem de se afirmar, vamos ver o que ele realmente consegue. Temos de lhe dar tempo para mostrar o que vai fazer com o partido e não excluo a hipótese de ele ser o futuro primeiro-ministro.
A oposição do PSD tem sido consistente?
Marques Mendes tem feito duas coisas incontestavelmente bem feitas: uma é esta limpeza, mais do que isso, esta definição de um standard de exigência de não pactuar com certos comportamentos. Tem-lhe custado muito caro, mas é o bom caminho. E a única crítica que lhe faço é de não ter sido mais vigoroso nessa matéria. E depois, ao mesmo tempo, tem de se concentrar nas eleições, no combate no terreno, nas candidaturas. É muito importante, porque o partido saiu de uma derrota brutal e é preciso repor a confiança do eleitorado. Acho que ele tem feito isso bem.
Mas há muitas críticas internas ao facto de Marques Mendes ter falado muito para dentro e pouco para fora do partido. E também que a equipa directiva não está à altura?
Concordo mais com a segunda opinião do que com a primeira. Marques Mendes, nas visitas pelo País, fala muito bem, toca nas preocupações que as pessoas sentem localmente. O que está em causa é restabelecer a confiança do eleitor local no partido e nos seus candidatos. Acho que está a deixar para segundo plano o combate à escala nacional, que virá a seguir. Por força disso, o trabalho de oposição ao Governo está minimizado, mas aí estou de acordo: ele não tem equipa e isso é que é uma pena.
Ser capaz de formar uma equipa também diz bem da capacidade de um líder?
É um juízo precipitado. Hoje está a dar prioridade a certas coisas, a seguir dará a outras. Ele tem um horizonte de quatro anos.
Mas tem um Congresso?
[Silêncio]
Vencer as autárquicas é ter mais uma câmara do que o PS, ou é não perder câmaras essenciais nos grandes centros urbanos?
É preciso ter um resultado convincente, muito superior ao das últimas eleições legislativas e europeias. É preciso ganhar combates simbólicos, é muito importante ganhar Lisboa e Porto. Não só por serem os maiores municípios, mas porque os candidatos do PSD representam uma nova forma de fazer política, pela seriedade, pela recusa de populismo, pela vontade de produzir bom trabalho. Agora, se perdermos Gondomar ou Oeiras até vai ser bom. Vai-nos custar em termos de votos, mas até é capaz de fazer bem ao País saber que o PSD não pactua com certos comportamentos.
Concorda com o tipo de negociação feita em Lisboa pelo candidato do PSD no sentido de negociar cargos em empresas municipais?
Não conheço. Como digo, não estou cá. Ouvi falar desse assunto, mas não o conheço em pormenor nem falei com Carmona Rodrigues.
Se os resultados nas autárquicas não forem bons, Marques Mendes pode ter os dias contados?
Não sei o que ele pensa fazer, se pensa ou não marcar um congresso. Não tenho falado com ele sobre essas questões. Mas se não tivermos um bom resultado nas autárquicas, não é Marques Mendes que está em dificuldade, é o PSD e o conjunto do País.
http://visaoonline.clix.pt/default.asp? ... tId=327753
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