Uma, duas, três, quatro, cinco vendas polémicas: as histórias (e os intervenientes misteriosos) de mais €611 milhões de perdas no Novo Banco Os compradores são sempre grandes fundos, dos quais pouco se conhece e que não estão sujeitos a qualquer supervisão em Portugal. O preço nunca foi favorável ao banco. Tiveram sempre impacto negativo nas contas. São cinco as grandes operações com ativos problemáticos do Novo Banco. São elas as protagonistas da análise que o primeiro-ministro quer que a PGR faça. No Parlamento, já todos os partidos querem mais averiguações. Esta semana, a Deloitte entrega uma auditoria em que algumas destas transações são escrutinadas
A Procuradoria-Geral da República está a analisar o pedido do Governo para travar mais vendas de ativos tóxicos no Novo Banco até que se conheçam os contornos das anteriores transações envolvendo grandes pacotes de créditos e imóveis. Com o passar do tempo, vão surgindo mais informações sobre algumas das operações, que levantam dúvidas sobre a transparência dos processos.
Esta terça-feira o “Público” trouxe um novo dado para a complicada história da venda de imóveis do banco herdeiro do BES. Do lado do comprador, há uma estrutura de empresas que vão redundar nas Ilhas Caimão, o que dificulta também descortinar quem é o beneficiário último, ou seja, quem é que efetivamente é hoje dono de prédios e terrenos que pertenciam ao Novo Banco.
Ao todo, nos últimos dois anos houve cinco grandes projetos de vendas de grandes ativos problemáticos: Nata I, Nata II, Albatros, Viriato e Sertorius. Ao todo, e segundo dados divulgados pelo banco no relatório e contas de 2019, estes cinco projetos causaram perdas diretas de 611 milhões de euros à instituição financeira.
Este valor representa a diferença entre o valor a que os ativos estavam registados no balanço do banco (já depois de imparidades, que correspondem a perdas antecipadas anteriormente) e o seu preço de venda.
Portanto, na prática, estes ativos até foram mais tóxicos do que aqueles 611 milhões de euros de impacto direto nos resultados de 2018 e 2019, já que a anterior constituição de imparidades - que já existia sobre grande parte dos créditos e imóveis incluídos nestes pacotes - também pesou nas contas de outros anos.
Alguns destes imóveis e créditos - não se sabe exatamente quantos - estavam incluídos no conjunto de ativos que permitem ao Novo Banco pedir dinheiro ao Fundo de Resolução, que tem precisado sempre do dinheiro dos contribuintes para saldar estas responsabilidades. Até aqui, o banco já pediu 3 mil milhões dos 3,89 mil milhões que pode solicitar ao Fundo.
O banco liderado por António Ramalho, e detido em 75% pelo fundo Lone Star, tem planos para novas vendas de carteiras, nomeadamente o Nata III, de crédito malparado. O pedido de António Costa à PGR pode travar estes planos.
O mundo político está em sobressalto e quer que haja mesmo uma averiguação. Da esquerda à direita há críticas à forma como o Novo Banco tem desempenhado este processo.
Em baixo seguem algumas das informações públicas sobre as operações através das quais o Novo Banco se desfez de carteiras relevantes de créditos e imóveis que passaram para grandes fundos desconhecidos da generalidade dos portugueses e que não estão sob qualquer supervisão em Portugal.
2018 – Nata I (Crédito malparado)Em 2018, o Novo Banco colocou à venda uma carteira com mais de 100 mil contratos de crédito. Foi assim que concretizou a sua primeira grande carteira de crédito malparado. Os créditos tinham um valor bruto de 1.530 milhões de euros mas uma parcela relevante, de 986 milhões, estava já coberta por imparidades. Assim, o crédito a clientes da instituição financeira registou aqui uma diminuição de 544 milhões.
O comprador foi um consórcio formado pelo fundo americano KKR Credit Advisors e pela Lx Investments Partners. O Novo Banco recebeu na transação 435,5 milhões de euros.
Em suma, o impacto no resultado líquido foi de uma perda de 110 milhões de euros para o banco.
2018 – Viriato (Imobiliário)Foi a primeira operação de grande venda de imóveis. Foram colocados à venda quase nove mil imóveis para uso residencial (incluindo estacionamentos), espaços industriais e comerciais e ainda outros terrenos. Acabaram por ser vendidos mais de 5 mil imóveis, compostos por mais de 8 mil frações.
Segundo os dados do Novo Banco, a carteira em causa tinha um valor bruto contabilístico de 716,7 milhões de euros (o banco não revelou qual o valor líquido, após imparidades), prevendo o banco receber 388,9 milhões de euros dos compradores.
Foram os fundos geridos pela Anchorage Capital que adquiriram a carteira, numa operação que gerou perdas diretas de 159 milhões de euros no Novo Banco.
O Público noticiou esta terça-feira que esses fundos geridos a partir de Nova Iorque fizeram a compra através de uma sociedade nas Ilhas Caimão, e que não se conhece o beneficiário último do fundo Anchorage. Além disso, o Novo Banco concedeu financiamento aos compradores para a aquisição. A entidade bancária garante que esta operação não implicou custos diretos ao Fundo de Resolução.
No Twitter, António Ramalho frisou que sabe claramente quem é "o beneficário último e que foi analisado detalhadamente pelo compliance do banco e feitos todos os relatórios". "Todas as sociedades são detidas pelo vencedor do concurso, a Anchorage", acrescentou, dizendo que "tudo foi publicado em Outubro de 2018". O Público, no entanto, explicita na sua investigação que a Anchorage atua em nome de determinados investidores, que normalmente estes fundos de "private equity" nunca identificam.
2019 – Albatros (Crédito e Imobiliário em Espanha)O grupo Novo Banco decidiu vender ativos problemáticos na sua sucursal espanhola (que um ano depois foi colocada à venda). Aqui foram comercializados não só créditos tóxicos como também imóveis naquela geografia.
A carteira tinha um valor bruto contabilístico de 308 milhões de euros (mais uma vez não foi divulgado valor líquido, após o efeito das imparidades e provisões registadas até aí).
A nova-iorquina Waterfall Asset Management foi a compradora, numa transação que trouxe um impacto negativo de 34 milhões para o banco herdeiro do BES.
2019 – Nata II (Crédito)Era para ser a maior operação de venda de crédito, onde o banco pretendia desfazer-se dos seus maiores devedores, como a Ongoing.
Inicialmente a intenção era alienar créditos de 3 mil milhões mas o banco acabou a vender ativos (sobretudo crédito) de 1.202 milhões de euros, com uma imparidade associada de 1.056 milhões. Assim, o ativo líquido verificou uma redução de apenas 146 milhões de euros. O Fundo de Resolução travou a venda de alguns dos créditos, com destaque precisamente para o da Ongoing. Considerava que seria mais benéfico para o banco mantê-lo e geri-lo e não vendê-lo em pacote.
Esta transação, em que o comprador foi o grupo americano Davidson Kempner, levou a uma perda de 79 milhões de euros.
2019 – Sertorius (Imobiliário)A maior perda causada por uma só operação foi protagonizada pelo projeto Sertorius. Foram 229 milhões de euros de impacto negativo nos resultados líquidos do banco no ano passado.
A carteira envolvia 195 imóveis, com um valor bruto contabilístico de 487,8 milhões de euros (sem imparidades). O banco recebeu 159 milhões de euros.
A diferença entre o valor bruto e a venda é de quase 330 milhões de euros, mas o impacto direto nos resultados de 2019 foi de 229 milhões negativos.
O comprador foi o americano Cerberus Capital Management. E este é o projeto de venda mais polémico. Isto porque, como revelou o “Público”, Byron Haynes, que preside ao conselho geral e de supervisão do Novo Banco, foi presidente do banco austríaco Bawag, cujo principal acionista é a gestora de fundos Cerberus.
Rui Rio disse no Parlamento que esta era uma questão eticamente questionável e disse mesmo ao Ministério Público deveria investigar o banco. E foi por isso que a PGR acabou envolvida no assunto.
Banco satisfeito com vendas
Na semana passada, Byron Haynes deu uma entrevista ao “Jornal Económico” na qual foi questionado sobre estas pesadas vendas de ativos, em especial a Sertorius.
A venda de pacotes “é o instrumento mais importante para ajudar na redução da exposição a ativos improdutivos que foram originados pelo regime BES”, disse Byron Haynes, acrescentando que em todos os casos “foram processos muito competitivos”. “Contactámos mais de 60 investidores e assinámos dezenas de non-disclosure agreements [acordos de confidencialidade]”, acrescentou. O chairman, cuja missão é acompanhar e fiscalizar o trabalho da equipa executiva de António Ramalho, considera que o banco está satisfeito com os resultados e os timings das vendas.
Com estas operações de grande dimensão, o banco verifica perdas, com impacto nos rácios (o que obriga a pedidos ao Fundo de Resolução e, daí, aos contribuintes), mas consegue reduções expressivas no rácio de crédito malparado, o que é também uma exigência do Banco Central Europeu, o seu supervisor. O Novo Banco tinha em março um rácio de 11%, que era, ainda assim, o mais elevado do sector em Portugal. O banco pretende terminar a limpeza da herança tóxica este ano.
BCP não fez mas admite vender carteiras com financiamento ao comprador
A venda de grandes pacotes de ativos problemáticos é uma realidade no sector bancário nacional. O BCP é um dos bancos que já protagonizaram estas operações. Contudo, ao contrário do que foi noticiado esta terça-feira pelo “Público” relativamente ao projecto Viriato do Novo Banco, o BCP sublinha que não financiou compradores de carteiras de ativos na sua história recente. No entanto, Miguel Maya admite que o poderia ter feito.
“Não tenho memória de termos financiado a aquisição de carteiras de ativos”, respondeu o CEO do banco privado na conferência de imprensa de apresentação de resultados do primeiro semestre do banco. Segundo Miguel Maya, estes processos são “transparentes”, com “preços adequados e elevadíssimo escrutínio”.
Ainda assim, o líder do BCP sublinhou que, quando se trata de um cliente que quer comprar um imóvel que esteja na posse do banco, a situação é diferente: pode beneficiar da concessão de crédito, já que não pode ser prejudicado por ser cliente do banco. E diz mesmo que poderia fazer uma operação idêntica à do Novo Banco (venda de pacote de ativos), “desde que fosse um processo organizado, numa postura muito conservadora, com o comprador bem identificado” - e desde que o comprador também pusesse dos seus capitais e não dependesse apenas de financiamento bancário.
Ainda assim, Miguel Maya quis frisar que não faria comentários sobre as notícias em torno de vendas polémicas do concorrente. “Tenho respeito pela equipa de gestão do Novo Banco”, declarou, acrescentando que não é sua competência fazer comentários sobre a gestão de carteiras de ativos problemáticos daquele banco.
O problema para o BCP é um e existe desde 2017: os incentivos criados na venda à Lone Star, que abriam a porta a que o banco esgotasse todo o escudo de 3,89 mil milhões de euros. Aliás, por essa razão o banco privado pôs um processo na justiça europeia para anular aquele mecanismo.
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