Re: CoronaVirus, panico justificado...?
Enviado: 4/12/2020 9:31
Já que estavam a conversar sobre o tema deixo aqui este artigo:
Porque é que “uma mentira já deu a volta ao mundo antes de a verdade ter calçado as sapatilhas”?
Uma parte do segundo dia da Web Summit foi dedicada ao problema da desinformação - que, numa época de pandemia, pode ter consequências potencialmente fatais. Um dos intervenientes confessa não entender sempre o mundo onde vive - ou por que razão há outro mundo a viver num sítio diferente. “Parece que existimos em universos distintos: uns acreditam que é dia enquanto outros acreditam que, naquela mesma hora, de facto é de noite”Na Índia, as credenciais de qualquer jornalista que “crie e/ou propague” notícias falsas serão suspensas até à conclusão de uma investigação
Os utilizadores britânicos do Whatsapp começaram a receber no início de março notícias alarmantes nos seus telefones: a pandemia chegou em força e há tanques na M25, a autoestrada em forma de círculo que envolve a capital, Londres. Qualquer revolta civil será contida com força militar, avisava a mensagem. Nunca houve tanques na M25 mas uma estimativa conservadora da BBC mostra que esta mensagem chegou a dezenas de milhares de pessoas, possivelmente muito mais.
Aqui em Portugal as mensagens de voz de pessoas supostamente perto das fontes principais de informação sobre a pandemia - “eu sou filho de um médico”, “eu sou enfermeira num hospital da Grande Lisboa”, “falei com um deputado” eram algumas das frases que se ouviam estas pessoas dizer nas mensagens - chegaram a milhares de telefones. Segundo estas pessoas “próximas” do problema, os hospitais estavam a acumular corpos nas morgues, não havia camas nem ventiladores para ninguém, os números de mortes eram muito superiores aos oficiais.
Sabemos agora que tanto a primeira história como a segunda - e há dezenas de exemplos na internet - são mentiras que se tornaram virais através dos vários canais supersónicos de partilha de informação de que hoje dispomos. O tema das notícias falsas ocupou toda a hora de almoço das conferências da Web Summit, este ano totalmente realizada através da internet, porque o caso tornou-se sério - não é só um problema para quem trabalha em comunicação e para quem tem de ir verificar quase ao minuto todas as afirmações proferidas pelo ainda Presidente dos Estados Unidos.
As notícias falsas já não põem em causa só a democracia
Até chegarmos a esta grave pandemia que todo o mundo enfrenta, as notícias falsas raramente tiveram a capacidade de provocar a morte de milhares de pessoas. Mas agora, caso um número significativo de pessoas acreditar que usar uma máscara reduz a circulação do ar nos pulmões ou caso acreditem noutras mentiras que não vamos aqui reproduzir, é possível que o número de infetados se torne incontrolável. “Isto é tudo de uma magnitude nunca vista. Costumávamos falar do perigo da desinformação para a saúde da democracia, é uma coisa abstrata, agora não, agora são as vidas das pessoas que estão em perigo. Estamos a olhar para o um momento único que é o desenvolvimento da vacina e mesmo assim um há pessoas que dizem não confiar na ciência”, disse Adrienne LaFrance, editora executiva da “Atlantic”, na sessão “O perigo das Fake News em 2020”.
A manipulação e as notícias falsas, as citações truncadas e mesmo inventadas, tudo isto tem muitas décadas - para não dizer mais de um século, quando no século XIX a “yellow press” fazia o que fosse preciso para vender jornais. Havia até um certo Joseph Pulitzer, que hoje dá nome ao prémio de jornalismo mais importante do mundo, que na altura, com o seu “New York World”, publicava alguma desinformação.As redes sociais raramente confrontam as pessoas com ideias ou notícias contrárias às que gostam ou apreciam, colocando os utilizadores perante uma ideia falsa de que estão abertas ao mundo
A reputação de Joseph Pulitzer como um dos maiores nomes desse jornalismo que contava pouco com a verdade foi-se perdendo nos anos mas o legado da “yellow press” ficou. Mathew Kaminsky, chefe de redação do “Politico”, relembrou esses tempos durante esta conferência e mostrou porque é que não estamos exatamente nesse mesmo momento: “As guerras de informação não são novas, os regimes autoritários do século XX consideravam-nas essenciais, fazem parte da história. O que existe agora é que qualquer pessoa pode publicar, já não são precisos milhões para montar uma rede de impressão e distribuição, a praça pública é gigante, e é muito mais barulhenta e descontrolada”.
Descontrolo, caos, voragem, são tudo palavras que os intervenientes usaram para descrever o ambiente editorial que vivemos. “A atmosfera onde publicamos está um caos, é tudo muito fraturado, podemos existir numa bolha e achar que o que estamos a ler está certo mas não, está errado; é impossível saber porque é que estás a ver o que estás a ver no ecrã e isso tem que ver com os algoritmos, que afetam tudo o que vemos nas nossas redes sociais”, diz LaFrance, abrindo caminho a uma conversa com muito mais ramificações: a do peso que têm os gigantes da internet naquilo que chega aos nossos telemóveis. É preciso mais literacia para a comunicação porque é difícil acreditar que existam algoritmos, códigos informáticos, a escolher por nós a informação que lemos, mas é essa a realidade.
Um recente documentário da Netflix, “O Dilema Social”, reúne testemunhos de pessoas que já trabalharam em algumas das maiores empresas de difusão de conteúdo do mundo (Google, Facebook, Twitter, Instagram só para referir os mais conhecidos) que explicam como é que estas marcas “agarram” as pessoas aos dispositivos para que os anunciantes tenham audiências praticamente cativas. Por exemplo: será que todos sabemos que as redes sociais nos enviam notificações sobre a atividade de amigos específicos com os quais falámos mais no dia anterior ou, por oposição, dos quais não ouvimos falar há imenso tempo só para nos fazerem regressar aos telefones se estivermos muito tempo sem abrir estas aplicações? “É ‘o’ problema", diz LaFrance. À arquitetura da internet social não interessa quão má é a informação que lá colocamos, pode ser do QAnon [rede de conspiracionistas que acreditam que existe uma rede de pedofilia mantida por democratas da qual só Donald Trump ‘nos’ pode salvar], desinformação em relação à vacina ou afirmações sobre uma fraude eleitoral que ninguém provou. Toda a forma como a internet está construída é a base disto tudo e mudar a internet é uma tarefa...como dizer?, incomensurável”.
A editora executiva da “Atlantic” disse ainda que a ação dos jornalistas neste campo é “limitada”: “Podes ter a melhor reportagem no mundo e as pessoas vão continuar ligadas ao seu grupo fechado do Facebook onde só se fala do que eles já sabem. Até conseguirmos mudar a forma como o sistema está construído, a nossa ação é limitada e só pode passar por continuar a agir no interesse público - é preciso que sejamos nós a ajudar as pessoas a navegar neste universo de mentiras”.
Matthew Kaminsky faz a ponte para o jornalismo político, matéria prima do “Politico” e um dos terrenos onde a desinformação e as notícias falsas mais proliferaram nos últimos cinco anos - em parte por culpa de líderes democraticamente eleitos, como Donald Trump, Jair Bolsonaro ou Narendra Modi, que se manifestam contra os jornais e as televisões tradicionais por estes não lhes serem favoráveis. Tal como o “Politico”, os meios de comunicação de referência operam dentro de um conjunto de regras muito mais restritivas do que as centenas de sites alojados na internet e que todos os dias dão as mesmas notícias, apenas (alguns) com menos preocupações no que à imparcialidade e à verificação diz respeito. “Nós, no jornalismo no político, à medida que as coisas se tornam muito confusas e barulhentas, temos de estar sempre a regressar às regras mais básicas do jornalismo. Não temos uma equipa de políticos, nós não somos partidários, a nossa missão é contar, é apenas contar, principalmente o que as pessoas não veem. Nós não somos a oposição, como o Stephen Bannon [teórico declaradamente populista e ex-conselheiro de Trump] disse”.
Explicar, explicar, explicar
Num painel que antecedeu este, sobre a experiência de se ser jornalista na “bolha de Washington” durante a campanha e a presidência de Donald Trump, Nicholas Johnson, editor executivo do site de investigação na área da política “Axios”, começou a sua intervenção precisamente pelo tema da desinformação. “Na redação falamos constantemente de como balancear as coisas, de como falar de política sem ir muito para um lado nem muito para outro. Está tudo tão polarizado que nos arriscamos a perder uma metade inteira de leitores se escrevermos alguma coisa apenas ligeiramente tendenciosa.” Admitindo que o ainda Presidente dos Estados Unidos “apoia e dá força aos detratores do jornalismo sério”, o foco das redações tem de continuar a ser o mesmo, sem grande consideração pelos desestabilizadores: “É preciso que sejamos desapaixonados, claros como água, clínicos na análise e sempre verdadeiros. Se houver uma dúvida não se escreve nada”.
Jonathan Karl, repórter de política da ABC News, chama a atenção para o problema que é existirem potencialmente milhões de norte-americanos que “neste momento, acreditam que o resultado das eleições presidenciais é uma fraude”. É difícil, continua, “lutar contra pessoas respeitadas, conhecidas, com autoridade na sociedade, que alimentam essas ideias, sabendo perfeitamente que não têm fundo de verdade”.
Explicar, explicar, explicar, mesmo que seja “aborrecido” e possa levar a uma quebra momentânea da atenção das audiências, é a única solução, defende Karl. “É preciso ir ao encontro daquelas pessoas que acordaram quarta-feira com Trump a perder quando horas antes estava à frente e explicar o que é que são ‘miragens azuis’ e ‘miragens vermelhas’.” O jornalista referia-se ao facto de, com o número inusitado de votos por correio que foram depositados nestas eleições, a “onda azul”, dos democratas, ter chegado mais tarde, já que esses votos são contados depois dos presenciais - tendencialmente republicanos nos estados decisivos. “Temos de tentar entender porque é que uma mentira já deu a volta do mundo antes de a verdade ter calçado as sapatilhas”, diz o jornalista, que confessa não entender sempre o mundo onde vive - ou por que razão há outro mundo a viver num sítio diferente. “Parece que existimos em universos distintos: uns acreditam que é dia enquanto outros acreditam que, naquela mesma hora, de facto é de noite.”
https://expresso.pt/web-summit/2020-12- ... patilhas-#