O não tão estranho caso do Novo Banco
Infelizmente, o populismo, quando chega ao sistema financeiro, tende a apresentar uma fatura muito elevada. Uma fatura que será cobrada mais cedo do que tarde e que deve ser endossada ao dr. Rui Rio.
Há fortes motivos para regressar ao processo de resolução do BES e às ilusões criadas de que estaríamos face a uma decisão “sem custos para o contribuinte”. Do mesmo modo que há fortes motivos para regressar ao processo de venda do autodenominado “banco bom” e às ilusões criadas de que os “riscos seriam mitigados”. Podemos regressar a esses momentos, mas convém que, em relação a cada um deles, se diga exatamente qual era e que custos tinha a alternativa.
Infelizmente, a margem de manobra para decidir de forma diferente foi sempre praticamente inexistente. Quando foi decidida a resolução, já tinha sido ultrapassado o prazo em que outro tipo de intervenção tivesse sido possível; aquando da venda à Lone Star, não existiam outros compradores e a posição negocial do Estado era frágil.
Optar pela liquidação do Novo Banco teria sido uma loucura, que empurraria Portugal para um cenário de instabilidade financeira, agravando, desde logo, os custos de financiamento da dívida soberana (convém recordar que o rating da República melhorou no preciso momento da venda à Lone Star). Optar pela nacionalização sairia mais caro do que as garantias dadas à Lone Star e acarretaria custos superiores com a litigância, designadamente junto dos acionistas qualificados. Além de que não se percebe qual o racional para Portugal deter, a um preço muito elevado, outro banco público – cenário que teria de negociar com a Comissão Europeia no exato momento em que negociava a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos.
Vendeu-se à Lone Star – uma solução má – num cenário em que todas as outras alternativas acarretavam riscos incomportáveis. Mas o que está agora em discussão é apenas e só o cumprimento do acordado entre o Estado português e o comprador privado. Podemos fazer muitos juízos de valor sobre o processo que nos levou até à venda, mas qual é, hoje, o motivo exato para o Estado não cumprir o acordado? É conhecido algum incumprimento do lado do comprador? A atual administração do Novo Banco – ela própria vítima quotidiana do estado em que encontrou o “banco bom” – tem alguma responsabilidade que justifique que o Estado não honre os seus compromissos?
Pelo contrário, daquilo que se sabe, as perceções públicas não aderem à realidade factual. A Deloitte já realizou uma auditoria, os mecanismos internos do Banco e do Fundo de Resolução nada apuraram e até o Ministério Público se pronunciou no mesmo sentido. Mas como, nos novos tempos, quando os factos não confirmam as perceções, o problema está nos factos, avança-se com nova auditoria. Agora é a vez do Tribunal de Contas ir em busca da evidência que até hoje não foi encontrada.
Até lá, num ato de enorme irresponsabilidade, o Parlamento congelou a transferência acordada pelo Estado português. É estranho que os deputados do PSD se unam aos do BE e aos do PCP, movidos por convergências oportunísticas e sem vestígio de evidência, para, num momento crítico, introduzir perturbação no sistema financeiro, degradar a reputação da República nos mercados, anunciar já um orçamento retificativo e prejudicar a operação de um banco privado (que emprega milhares de pessoas e continua a ser essencial para a economia portuguesa). É estranho, mas não surpreende. Afinal, sempre que o tema são os estilhaços do BES, compensa seguir a via fácil. Infelizmente, o populismo, quando chega ao sistema financeiro, tende a apresentar uma fatura muito elevada. Uma fatura que será cobrada mais cedo do que tarde e que deve ser endossada ao dr. Rui Rio.
https://expresso.pt/opiniao/2020-11-26- ... Novo-Banco