Economico Escreveu:Depois de, entre 2006 e 2007, ter chumbado a OPA do BCP e ter falhado uma fusão amigável, o conselho de administração do BPI volta amanhã a discutir uma união com o seu histórico rival.
Quase nove anos depois de Paulo Teixeira Pinto ter surpreendido com o lançamento de oferta pública de aquisição (OPA) sobre o BPI9.04%, a 13 de Março de 2006, a empresária angolana Isabel dos Santos retoma a intenção de unir as duas instituições e criar o maior banco privado português. Esta é assim a terceira vez em apenas uma década que a operação está em cima da mesa, dado que o BPI propôs, depois de ter chumbado a proposta do BCP2.4% de sete euros por acção, uma fusão amigável que também não se concretizou.
Desenrola-se assim, ao mesmo tempo, o futuro dos três maiores bancos privados portugueses: o Novo Banco (antigo BES) deverá ser vendido no primeiro semestre; o BCP poderá juntar-se ao BPI que, por sua vez, pode também passar a ser controlado pelo seu maior accionista, o grupo catalão CaixaBank; o BPI é ao mesmo tempo um dos 15 candidatos à compra do Novo Banco. O piscar de olho de Isabel dos Santos ao BCP, que tem como maior accionista um outro grupo angolano, a Sonangol, foi, justamente, a resposta a essa tentativa do CaixaBank, lançada há 15 dias, de conquistar o controlo do BPI por 1,329 euros por acção.
A palavra não é, desta vez, apenas dos accionistas. Por ter pedido ajuda estatal em 2012, qualquer aquisição pelo BCP está dependente da aprovação formal de Bruxelas e também do Governo português. Além disso, o quadro regulatório mudou bastante desde 2007, com o Banco Central Europeu (BCE) a assumir, a partir de 4 de Novembro, os poderes de supervisor único na zona euro.
As propostas
Em cima da mesa, por enquanto, ainda há apenas uma oferta. O CaixaBank propõe 1,329 euros por cada acção do BPI e sujeita a eficácia dessa oferta a conseguir a maioria mínima dos direitos de voto e a desblindagem dos estatutos, hoje vedados a 20%. Mas esse preço foi hoje completamente ultrapassado - os títulos do BPI estão a negociar nos 1,48 euros, ou seja, há investidores disponíveis para comprar papéis a um preço superior em 10% à contrapartida catalã, uma aposta clara em, pelo menos, uma revisão em alta da oferta.
Do lado de Isabel dos Santos há, apenas e por enquanto, uma intenção de negociar. "A SANTORO tem mantido conversações com vários stakeholders do Millennium BCP, incluindo accionistas de referência e, em termos ainda preliminares, com a própria equipa de gestão, sendo nossa convicção que existe abertura para se iniciar um processo de diálogo aprofundado pelas equipas de gestão direccionado à consolidação entre os dois Bancos", lê-se na carta ontem enviada pela SANTORO aos maiores accionistas dos dois bancos.
Na primeira e única reacção ao assunto, após a CMVM ter suspendido às 13h, por uma hora, a negociação das acções, o BCP disse estar disponível para analisar uma fusão "havendo interesse do BPI".
Interesses opostos?
Esta expressão do BCP - "havendo interesse do BPI" - é o reconhecimento de que Isabel dos Santos e CaixaBank estão a jogar em campos opostos sendo que, sozinho, nenhum dos dois conseguirá concretizar as suas intenções actuais.
Isto porque, do lado do CaixaBank, sem o ‘sim' dos 18,6% de Isabel dos Santos não será possível desblindar os estatutos em assembleia-geral. Ao mesmo tempo, a fusão com o BCP precisa de 75% dos votos em reunião de accionistas convocada para o efeito, algo que sem o CaixaBank não é possível.
Isabel dos Santos opõe-se à OPA do BPI por três razões: por subavaliar o banco, por não haver partilha de sinergia entre todos os accionistas e pela integração da instituição numa estrutura ibérica poder minar a independência da gestão.
"Enquanto a OPA anunciada pelo CaixaBank pressupõe uma integração ibérica, legítima à luz dos interesses de quem a faz mas afastada dos interesses do sistema financeiro português (...) o nosso objectivo é a criação do maior banco privado com sede em Portugal e que terá presenças de referência em Angola e Moçambique e, também, na Polónia", disse um porta-voz de Isabel dos Santos.
As reacções
Já com o conhecimento da carta de Isabel dos Santos, Isidre Fainé, ‘chairman' do CaixaBank, que tem 44,1% do BPI, disse esta manhã, citado pela agência Lusa, que "o jogo ainda agora começou" e que "durante um jogo há momentos que a uns parece uma coisa e a outros o contrário". Inicialmente, a oferta catalã parecia merecer a concordância da alemã Allianz, que controla 8% do BPI.
Em tom igualmente amplo, a comissária europeia da Concorrência destacou em Bruxelas que o BCP não está impedido de fazer aquisições, prometendo olhar com "muita atenção" para uma eventual intenção de fusão com o BPI.
Já o Governo português, em resposta a questões do Económico, declarou "ser prematuro" pronunciar-se nesta altura, garantindo contudo estar a acompanhar "todos os desenvolvimentos" do processo.
O conselho de administração do BPI, por seu turno, limitou-se a dar conhecimento da carta da SANTORO. Amanhã há contudo reunião para discutir a OPA do CaixaBank, sendo pouco provável que os accionistas de referência se pronunciem até lá. Contactada, fonte oficial do BPI recusou fazer qualquer comentário.
Do lado dos accionistas de referência do BCP apenas Joe Berardo, que detém um pouco mais de 2% do capital, falou para admitir sentir-se "confuso" com a actual situação, e manifestando dúvidas que uma fusão possa acontecer em plena OPA.
Limitações
Existem quatro factores que prometem dificultar o nascimento do Millennium BPI. Em primeiro lugar, as ajudas de Estado pedidas pelo BCP exigiram um programa de reestruturação aceite em Bruxelas que é claramente anti-expansionista.
Devido a essas ajudas de Estado, uma fusão com o BPI depende formalmente de uma autorização do Ministério das Finanças. Algo que seria equacionado numa altura em que, apesar dos sinais públicos de algum reatamento, as relações entre Lisboa e Luanda estão muito longe de um nível de excelência. Até porque um dos factores que acelerou o colapso do Grupo Espírito Santo foi, precisamente, o buraco nas contas do BESA.
Depois, a operação terá de ter a aprovação do Banco Central Europeu e, nos últimos tempos, há sinais de alguma renitência da autoridade monetária em relação a Angola, que foi excluída da lista de países com uma regulamentação e supervisão financeiras equivalentes na União Europeia. Mesmo a nível nacional, a Sonangol nunca foi autorizada pelo Banco de Portugal a elevar para mais de 20% a sua posição no BCP.
Por último, a OPA do CaixaBank tem como pressuposto que "não ocorreu nem ocorrerá" qualquer decisão no sentido de "dissolver, transformar, fundir ou cindir a Sociedade Visada" desde o anúncio preliminar.
Os investidores
No mercado, contudo, a reacção dos investidores foi positiva. O BCP fechou a sessão a apreciar 2,4% para valer 8,5 cêntimos por acção. Trata-se da cotação mais elevada desde Novembro de 2014. A par da forte pressão compradora registou-se um forte volume de negociação, com quase 730 milhões de papéis trocados.
No mesmo sentido, o BPI subiu 9% para 1,483 euros, um máximo de Dezembro de 2014. Trocaram de mãos quase 10 milhões de títulos.
Juntos, BCP e BPI valem hoje 6,7 mil milhões de euros. Em 2007 Paulo Teixeira Pintos considerava que 10 mil milhões de euros eram a "linha da vida" para o BCP.