Já li e gostei.
Gostei que não tivesses carregado nos sintomas de euforia falando de trolhas e de taxistas. Os sintomas são bem outros... Vão para lá dos trolhas e dos taxistas. Muito para lá dos trolhas e dos taxistas! Coitados!
No final dos anos 90 havia fundos comunitários para tudo. Havia dinheiro. Dinheiro, segundo alguns, a mais.
Lembro-me da recente e inovadora sala da ASCOR na Baixa (toda a gente se lhe referia por a corretora do Abílio) se encher de herdeiros de 'fortunas' velhas e carunchosas, de filhos cinquentões de proprietários imobiliários que a braços com o depauperamento das rendas apostavam velhos depósito a prazo na Bolsa. E eram amigos do Abílio. Ou tinham contas a acertar com 'o careca'. -A familiaridade era excessiva com o sr. Abílio de Sousa e com os empregados de balcão que trabalhavam na sua corretora-. E faziam sala. E comentavam. E lembro-me da imagem de avô que levava a neta para dar sorte, 'Vamos lá querida, vamos ganhar dinheiro hoje!' E lembro-me das perguntas e das respostas que se faziam e se davam. Dos diz que disse. 'Fusões. Alguma coisa?' 'Sr. António, que notícias é que convinham à Sonagi?' 'Parece que o Belmiro vai fazer mais uma das dele!'.
E viam quem estava. E viam quem chegava de novo. E olhavam atentamente -quase sofregamente- para a pantalha toda modernaça. Soavam os 'bens jogados', nos momentos bons e os 'o que é que faz a cêvêéme! pá!', nos momentos maus.
O telefone tocava. 'Compre, compre', 'venda já!'. E pousava-se o telefone tentando evitar um ar de enfado que, imagino, fosse o que apetecesse ao jovem empregado -o Pedro, salvo erro-.
Eu ia lá de tempos a tempos preencher ordens de venda e ordens de compra de um dia. Uns verbetes em A5 que eram brancos, outros que eram rosados e, não tenho a certeza, parece-me que os vi verdes também... Chegava de manhã, preenchia as ordens, saía, almoçava e voltava à tarde. Ia com uma mala de diplomata 'para dar um certo ar e tal'.
Numa dessas vezes fiz-me acompanhar de um amigo agricultor (não moro em Lisboa) que, por falta de tempo e por desleixo de solteirão, trazia umas botas de atacadores de cano curto com marcas de terra. Ouviu-se: 'Isto quando vejo trolhas!...' Indignei-me e ia a responder quando ele me sinalizou que me calasse. 'Eu quero c'o gajo vá pô c------...'
E toda a gente falava da bolsa. É verdade. E ganhei dinheiro até, imagine-se, com a Pararede!
E ofereceram-me ações do BFE à porta do café da terra. Os empregados bancários vendiam coisas (já nessa altura!) que não sabiam o que eram.
O empregado do café atirava-me fregueses para cima 'Aí o dr é que percebe de ações...' Normalmente nunca me tratava por nenhum título académico e as perguntas que os clientes me faziam eram mais que básicas. E as cotações das ações tinham um limite: o céu.
Não se faziam -na província não - análises técnicas. Mas havia sempre primos, e amigos do cunhado e pessoas muito bem colocadas com quem se tinha estado num casamento, num funeral ou na praia. 'Gente que sabe dessas coisas'.
Depois a Ascor foi vendida ao Banif.
No escritório do último andar de uma das torres das Amoreiras já não se fazia sala. 'O sr Comendador não gosta'. E depois, pronto. Foi bom enquanto durou...
Depois veio o tempo do 'a Bolsa é só para os galifões!' e do 'só um parvo é que se mete numa coisa dessas!'.
E depois a euforia voltou. Uma euforia mais contida. Mais restrita. Os fundos da Europa já não iam fazer toda a gente rica.
E foi o que se sabe.
De forma, que é isto: Chamar tempos de euforia ao que se está a passar agora é 'comparar o Rossio com a rua da Betesga'. Não é que a rua da Betesga não tenha os seus encantos...
Mais uma vez, os meus parabéns pelo teu texto.