Fica uma opinião
CTT: uma década em dividendos rende ao Estado o mesmo do que a privatização
Daniel Oliveira
8:00 Quarta feira, 20 de novembro de 2013
Começou ontem a venda a retalho da empresa pública que, em todos os inquéritos, surge com melhor imagem junto dos portugueses. A privatização dos CTT, pela forma como está a ser feita, dificilmente poderá garantir qualquer estratégia do Estado para o sector. Chega a ser desconcertante ouvir o secretário de Estado das privatizações, Sérgio Monteiro, fazer declarações públicas em que se relega a si próprio para a posição de mero vendedor. Um vendedor excitadíssimo por ter tal tesouro no stand, não perdendo um minuto que seja para falar dos interesses da empresa e do futuro dos serviços que presta aos cidadãos e ao país. Está a brincar aos magnatas com o que é dos outros e tudo o resto lhe parece irrelevante.
Hoje vou-lhe seguir o exemplo e ignorar a importância central desta empresa para a coesão nacional, o que leva a que até os liberalíssimos EUA mantenham públicos os seus serviços postais, que são sempre o que têm maior dispersão territorial. E por favor não me venham falar de cadernos de encargos e compromissos dos compradores. O episódio da Three Gorges na EDP, em que esta pura e simplesmente se recusou a cumprir as contrapartidas acordadas, foi só há umas semanas.
Falemos então de negócios. Façamos contas simples, daquelas que se fazem atrás de um envelope, que ajudem a perceber melhor o que este governo está a fazer. Com a privatização de 70% dos CTT o Estado espera encaixar entre 430 e 579,6 milhões de euros. E perderá, em receitas anuais como único acionista, 42 milhões por ano (70% dos 60 milhões que se espera que sejam distribuídos em dividendos aos novos acionistas, em 2014, e que correspondem a 90% dos lucros). Ou seja, ao fim de 10 a 13 anos este negócio passará a corresponder a perdas líquidas para os cofres públicos. Uma receita que nenhum governo seguinte poderá recuperar. Apenas ficando quieto, com a empresa nas suas mãos, o Estado conseguiria, em pouco mais de uma década, a mesma receita que terá com esta venda. Só nos últimos 8 anos os CTT tiveram um lucro acumulado próximo de 440 milhões de euros.
Mas a coisa é ainda pior do que parece. Os dividendos da empresa vão para o Orçamento de Estado e o Estado que decide o que lhes fazer. Pelo contrário, 80% das receitas das privatizações só podem, por lei, ser usadas para abater na dívida. O único efeito orçamental é uma redução marginal dos custos com essa mesma dívida.
Isto permite ao governo dizer à Europa e aos "mercados" que reduziu a dívida pública. Mas como o Estado perderá este rendimento para sempre, terá de compensar essa perda ou com mais cortes definitivos nas suas despesas fundamentais ou com mais endividamento. Vender ativos para pagar dividas pode, em situação de desespero, ser aceitável. Apesar de ser sempre mau negócio, porque se vende em estado de necessidade. Pagar dívidas com a venda de ativos (que ainda por cima correspondem a serviços públicos) que nos dão rendimentos seguros, duráveis e elevados, sabendo que esses rendimentos não vão ser substituídos por outros e que a sua perda não chega a ser compensada pela redução nos custos da dívida, é pura e simplesmente idiota. Continua o velho hábito de tapar buracos agora e deixar a consequências financeiras do remendo para quem vier depois.
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