Tridion Escreveu:Obrigado
pdcarrico, também gostei muito da tua explicação. Gosto muito de equilibrar as opiniões

De nada, dispõe
Já agora, complementando:
Na verdade a corrupção no Brasil não decorre de ideologia. É um erro pensar que um partido é apenas composto por gente corrupta e outro cheio de gente virtuosa. Quando alguém procura vender essa ideia, está obviamente de má fé. Agora há sistemas que possibilitam mais a corrupção ou até quase a tornam obrigatória. Por exemplo, falando de um País que apenas conheço por testemunho indireto (e portanto sujeito a erro), em Angola: haverá algum empresário que faça negócios sem envolver uma componente de corrupção? Parece-me que não. O sistema não só favorece o aparecimento como até em certa medida a torna obrigatória.
Fazer política no Brasil é parecido. Por exemplo, existem 40 ministérios. É por opção política da Dilma? Evidentemente que não, mas ela precisa ceder x pastas ao PMDB, ao PSB, ao PR, PP, PC do B, PTB etc.. E destes partidos todos, há provavelmente dois ou três com um conteúdo programático mais definido. O mesmo se passou quando o FHC foi presidente onde na mesma tinha negociação do PSDB com PMDB, PPS, PR, PP, etc… Porque é assim? Por causa do sistema eleitoral que permite que as eleições para o Legislativo circulem em torno de figuras, que têm sucesso muitas vezes em função do seu poderio económico. Uma pessoa como o Sarney no Maranhão, ou o Renan Calheiros em Alagoas, ACM Neto na Bahia, têm um peso político forte nos seus Estados que é independente do seu próprio partido. Existem muito outros caciques locais e que muitas vezes negoceiam representação em partidos. Se em Portugal existem políticos que migram por opção ideológica, no Brasil o processo é mais por interesse económico. Muitas vezes empresários olham para a política de uma forma negocial, onde há um investimento com retorno. Não por acaso e só para dar um exemplo – o operador do mensalão, tb fez igual procedimento com o partido da oposição mas no Governo de Minas.
Acho do mais elementar bom senso desconfiar de um discurso que fale de um partido como uma quadrilha de ladrões sugerindo que um mar de virtudes existe do lado oposto.
Embora politicamente diferentes, considero que quer FHC quer Lula foram bons Presidentes, tendo em conta as circunstâncias. FHC cometeu alguns erros de política económica como manter por demasiado tempo a indexação do real em relação ao dólar (seguindo uma receita que a Argentina tb seguiu) para controlar a inflação e tb por algum interesse eleitoral. O efeito foi a deterioração das contas externas que quando estourou fez o real perder metade do seu valor em excassos dias. Lula teve que lutar contra uma desconfiança generalizada, mas teve bom senso de manter a independência do banco central, e com tempo desenvolveu algumas políticas mais inclusivas. Algumas delas até derivadas de iniciativas do Governo do FHC. Mas infelizmente a dimensão que tiveram só foi mais significativa no tempo de Lula.
Serra (que perdeu a eleição para Lula e depois para Dilma) é um bom político e creio que teria sido bom presidente, pese embora creio que teriam ocorrido algumas diferenças – provavelmente a carga tributária teria diminuído, mas o processo de inclusão da população mais pobre na classe média teria tido menos resultados.
Agora alguma imprensa tem uma verdadeira aversão ao Lula – o Brasil é de facto um País com muita gente muito preconceituosa e muito classista. Para dar um exemplo, que é apenas isso mas é sintomático sobre a maneira de muita gente pensar, uma vez ouvi um indivíduo de classe média-alta dizer uma coisa do género – "Paris já não tem a mesma graça, agora corremos o risco de lá encontrar o porteiro do prédio".
E para quem pertence a uma elite intelectual, económica, social, o Lula é um intruso, um analfabeto, e o completo oposto de FHC que é um homem de letras, uma pessoa requintada, de berço. E pior é que Lula ficou com uma popularidade intra e extra-muros sem igual. Isso para quem não gosta do Lula é muito difícil de engolir. Por isso é tão tentador falar de Lula e do Lulismo como sinónimo de tudo o que é vício.
Evidentemente existem vícios no PT, mas este cenário que FJV escreve, das manifestações de rua, não tem ponta por onde se pegue. A verdade é que enquanto o protesto foi objetivo era essencialmente contra os Governantes de São Paulo – cidade e Estado. Quando se tornou uma coisa mais global, os protestos eram muito mais difusos, sem que as pessoas tivessem bem noção do que (ou a quem) exigir ou protestar. Só diziam que queriam menos corrupção e agarrando uma ou outra bandeira que ia sendo lançada.
Mas a verdade é que foi o Governo de São Paulo que foi responsável pelo aumento dos protestos – é que foi em São Paulo que se começaram a registar em vídeos a truculência policial, alguns resquícios da ditadura militar (prisões de manifestantes para averiguações!!) e até uma jornalista da Folha de São Paulo apareceu com um ferimento no olho com uma bala de borracha. E a polícia não tem ação assim por ter – com certeza foi orientação do poder que a tutela – o Governo de São Paulo. Porquê? Eu presumo que seja pelo lobby dos transportes que é fortíssimo.
Curioso que para a TV Globo, os manifestantes eram a início hooligans, e depois quando as manifestações já tinham menos conteúdo em termos de pauta de exigências, os manifestantes já eram considerados pacíficos. Os media, que são muito politizados, procuraram dar maior ênfase à dimensão nacionalista e de combate à corrupção, esvaziando os conteúdos anteriormente em pauta – os transportes.
E a realidade é que em todas as alturas houve manifestantes pacíficos e outros aproveitadores. o FJV diz que foi gente do PT que armou confusão. Do Movimento Passe Livre, dizem que eram infiltrados de extrema direita que saqueavam lojas e destruiam bens públicos descredibilizando os protestos. As pessoas acreditam naquilo que querem e não no que é mais verosímil.
No fim das contas, houve dois efeitos muito bons – nos transportes houve recuos nos aumentos, e numa questão mais ampla abriu-se a discussão sobre a reforma política, que toda a gente diz que quer, mas muita gente na verdade nem tanto.