Afinal a Cristina Casalinha manteve a coluna no negócios (e ainda bem)!
BCE regressa às compras
06 Setembro 2012 | 23:30
Cristina Casalinho
Conseguir recuperar o mercado interbancário requer a criação de uma união bancária, sobretudo pela instituição de um esquema de garantia de depósitos europeu e de um fundo de resolução para os bancos insolventes, desligando os riscos de eventuais corridas aos bancos dos estados, individualmente.
Inerente à criação da moeda única está a instituição de um espaço comum de livre circulação de pessoas, bens e capitais. Se a movimentação de pessoas e bens tem sofrido sempre de constrangimentos, até à eclosão da crise financeira de 2008, o epítome da união monetária encontrava-se transposto na efectiva livre circulação de capitais. Após 2008, os fluxos foram suspensos, instalando-se um clima de desconfiança. Os bancos passaram a desconfiar uns dos outros e apenas a emprestar a entidades bem conhecidas: bancos ou estados. Os mercados financeiros balcanizaram-se.
As iniciativas europeias têm visado corrigir progressivamente a fragmentação dos mercados, tentando estabelecer condições no sentido da sua progressiva estabilização, atingida, provavelmente, num ponto de equilíbrio diferente do paradigma associado ao modelo anterior. O processo de resolução da crise tem passado por uma tentativa de substituição dos fluxos de capital privados por fluxos públicos. Quando os bancos vendem dívida pública da Grécia ou de Espanha, a Grécia recebe um empréstimo de entidades oficiais e a Espanha vê o BCE adquirir dívida pública através do seu programa de compra de títulos. Deste modo, os fluxos de capitais entre países, para financiamento dos desequilíbrios externos, deixam de ser observados ao nível atomizado dos bancos privados para serem registados ao nível dos bancos centrais. Deste modo, as responsabilidades das economias europeias face ao sistema bancário alemão desaparecem dos balanços dos bancos germânicos e surgem agregadamente nas contas do banco central da Alemanha. O risco de crédito é transferido de entidades privadas para entidades públicas, que exigem contrapartidas por parte de bancos e estados. O BCE apenas empresta dinheiro aos bancos contra garantias e a Comissão Europeia ou o FMI somente cedem fundos ao abrigo de programas de ajustamento. Implicitamente, a dívida dos países a braços com crises de financiamento tem vindo a ser socializada. Para o edifício europeu se manter, a restauração dos fluxos de capitais necessita ser assegurada. O programa de aquisição ilimitada de dívida pública até três anos por parte do BCE (conjuntamente com o abandono do estatuto de credor privilegiado e a publicação de informação detalhada sobre as compras) melhora as condições de financiamento dos estados e liberta-os do estigma do apoio do BCE, que afastava os investidores privados, colocados numa posição de subalternidade face ao credor BCE.
Os actuais esforços das autoridades europeias de reposição de equilíbrio nos mercados financeiros podem ser interpretados à luz da constatação da necessidade de corte das ligações, ou mitigação do contágio, entre bancos e estados e do sucesso limitado das operações de refinanciamento de longo prazo (três anos) - LTRO para restauração do mecanismo de transmissão de política monetária. Ao atribuir-se a responsabilidade de assegurar menores patamares de custo de financiamento para os estados, mediante a redução do prémio de risco, o BCE" liberta" os bancos da tarefa de financiamento dos estados implícita no modelo LTRO; como dispõe de bolsos mais fundos, constitui uma garantia mais credível de baixas taxas de juro; mitiga o efeito de contágio entre estados e bancos; e, promove uma reorientação dos esforços dos bancos para a concessão de crédito à economia a taxas mais comportáveis. Para assegurar que o BCE é bem sucedido na sua nova tentativa de reanimação dos mercados financeiros, os presentes esforços devem ser complementados com a reconquista da confiança dos bancos entre si. Conseguir recuperar o mercado interbancário requer a criação de uma união bancária, sobretudo pela instituição de um esquema de garantia de depósitos europeu e de um fundo de resolução para os bancos insolventes, desligando os riscos de eventuais corridas aos bancos dos estados, individualmente. Pela conjugação da acção do BCE e da união bancária, circunscreve-se o nexo entre estados e bancos e entre bancos e estados. Porém, o modelo de análise de risco de crédito alterou-se estruturalmente e nenhum banco ou estado deixará de ser analisado numa lógica individual.
Economista
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