Crise? Que Crise? A visão de um Economista do Brasil

Em recente viagem a Europa (cruzando de trem Portugal, Espanha, França e Bélgica), passei a ter sérias dúvidas de como os europeus, (principalmente àqueles que correspondem à classe média brasileira) vêem o problema da crise econômica que se abateu sobre o Euro e interpretam os seus efeitos sobre os seus níveis de trabalho, renda e de lazer.
Extremamente centrada no setor de turismo interno, a economia microeconômica européia destes países que visitei não passa aparentemente por nenhuma crise estrutural. Porto. Com a chegada do período de férias que coincide com o verão europeu, os grandes centros comerciais e de turismo que visitei: Porto, Lisboa, Nantes, Orleans, Antuérpia e Paris se assemelham a um grande formigueiro de pessoas disputando restaurantes, bares, centros de diversões, centros culturais e lojas principalmente. Daí o título do artigo acima.
Dado que aparentemente não havia nenhum problema de crise estrutural, passei então a buscar na conjuntura procurar entender como as pessoas comuns (nada melhor do que a opinião do homem comum europeu, extremamente politizado e informado dos acontecimentos que o cercam) compreendiam o sentido da palavra crise no seu dia a dia. O resultado foi do ponto de vista econômico muito surpreendente.
Para o europeu comum (90% das pessoas com que conversei), a crise é algo fabricado por uma mídia comprometida com o único objetivo de justificar a necessidade de manutenção dos altos ganhos (leiam-se taxas de juros, mais especificamente spreads bancários) da Grande Banca, representada pelos grandes conglomerados financeiros norte-americanos, ingleses e alemães, que não se conformam com as perdas em Wall Street a 4 (quatro) anos atrás e desejam simplesmente socializar os prejuízos junto aos trabalhadores.
Portugal, Holanda, Bélgica, Itália e os demais países que compõe a Zona do Euro não se conformam que a Alemanha e a França simplesmente tomem para si a responsabilidade de ditar as normas que devem reger a economia da Zona sem ao menos consultar os demais membros. Daí resultam os grandes embates nas ruas promovido pelos sindicatos dos trabalhadores e pela classe acadêmica, o que propicia mais munição para a idéia da existência da crise.
Mas sem dúvida o pior discurso é o político.
Aproveitando-se de uma grande massa migratória não qualificada e desempregada proporcionada pelo espaço Schengen (que permite a entrada e saída de pessoas entre os países) economistas políticos de plantão pregam o fim da moeda única como solução para o fim da pretensa crise econômica do continente em um retrocesso que do ponto de vista histórico faria De Gaulle se remoer no túmulo.
Extremamente conveniente para a Grande Banca, ávida por grandes lucros e que não tem escrúpulos em manipular as taxas de juros para maquiar ganhos e perdas milionárias com o consentimento de governos, (como no recente caso do Banco Barclays com a manipulação da taxa da Libor) o que acabou por desencadear uma 2ª grande crise nos EUA com a investigação em andamento dos grandes bancos norte-americanos, a crise do sistema financeiro (esse é o nome real com que devemos chamar a crise) com o consentimento total de governos “non sense”, descomprometidos com a manutenção do nível micro-econômico de suas economias (trabalho, consumo e renda) e mais interessados em agradar aos banqueiros e assim manter os seus status quo de bom vivant, ameaçam levar a Europa a um nível de retrocesso econômico e social semelhante ao fim da 2ª Guerra Mundial, cenário que pode se agravar com a instabilidade no Oriente Médio e a elevação dos preços do petróleo.
Mais uma vez pude comprovar o total desconhecimento sobre o funcionamento macroeconômico da economia do ponto de vista financeiro quanto às afirmativas da mídia européia referentes à manipulação e aos mecanismos de estabelecimento das taxas de juros interbancárias. E aí está centrado o problema do Euro.
Quando ainda prevalecia o estalão ouro no século passado (funcionando como âncora cambial até meados da década de 70 e terminando com a crise) as economias européias cambiavam as suas reservas em dólares pelo metal junto ao Tesouro Americano, as taxas da Libor e do FED eram ditadas por 5 ou 6 grandes players do metal que se reuniam no início e no final do dia entre as praças de Londres e Zurique para verificar os níveis diários de negociações (compra e venda) entre eles. Se as compras (demanda) fossem maiores do que as vendas (oferta) as taxas de juros eram elevadas, se ao contrário as vendas excedessem as compras do metal as taxas de juros eram reduzidas. Ao abrir da Bolsa de Tokio o ajuste do Ien era automático, seguido necessariamente pelas outras moedas conforme o dia de negócios ia passando.
Com o fim do estalão ouro, a economia globalizada passou a utilizar as cotações do barril do petróleo como âncora cambial, mais tarde este mecanismo evoluiu para utilizar também as taxas pré-fixadas nos contratos futuros de commodities. È neste momento que entra o Euro em cena, abalando o papel principal do dólar como moeda comercial e única nos negócios internacionais e é aí também que se iniciam os problemas financeiros da Grande Banca e do endividamento interno dos EUA.
Enquanto os contratos futuros, principalmente os contratos de fornecimento de petróleo e de metais, estiverem atrelados ao dólar, a moeda americana vai ter um sobre fôlego. No entanto se a economia chinesa desaquecer, nós vamos ter um sério problema, pois todas as suas reservas monetárias estão lastreadas em títulos do Tesouro Americano.
O problema real da economia européia parece ser mais um problema de conjuntura. Centrada em um único setor, o de turismo, a economia é extremamente dependente do nível de renda e de consumo interno e totalmente carente de uma maior expansão das balanças comerciais, principalmente as dos países de extensões territoriais menores como Portugal, Irlanda, Grécia e mesmo de países de economia mais robusta como a Espanha e a Itália. Parece haver uma real competição por espaço e supremacia na Zona do Euro como na Alemanha e França em detrimento a idéia de união e expansão externa das economias.
Dentro deste contexto, a proposta do Primeiro Ministro italiano Mário Monti de emissão do Eurobonus como solução para dívida interna de países com economias comprometidas por déficits públicos foi um “goal” em oposição a propostas de ajustes macroeconômicos, como o da Chanceler Angela Merkel.
Autor: Pedro Paulo Silveira Felicíssimo é Economista formado pela Universidade Federal Fluminense, Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e Professor de Logística do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Conteúdo livre e autorizado para publicação pelo autor.
Extremamente centrada no setor de turismo interno, a economia microeconômica européia destes países que visitei não passa aparentemente por nenhuma crise estrutural. Porto. Com a chegada do período de férias que coincide com o verão europeu, os grandes centros comerciais e de turismo que visitei: Porto, Lisboa, Nantes, Orleans, Antuérpia e Paris se assemelham a um grande formigueiro de pessoas disputando restaurantes, bares, centros de diversões, centros culturais e lojas principalmente. Daí o título do artigo acima.
Dado que aparentemente não havia nenhum problema de crise estrutural, passei então a buscar na conjuntura procurar entender como as pessoas comuns (nada melhor do que a opinião do homem comum europeu, extremamente politizado e informado dos acontecimentos que o cercam) compreendiam o sentido da palavra crise no seu dia a dia. O resultado foi do ponto de vista econômico muito surpreendente.
Para o europeu comum (90% das pessoas com que conversei), a crise é algo fabricado por uma mídia comprometida com o único objetivo de justificar a necessidade de manutenção dos altos ganhos (leiam-se taxas de juros, mais especificamente spreads bancários) da Grande Banca, representada pelos grandes conglomerados financeiros norte-americanos, ingleses e alemães, que não se conformam com as perdas em Wall Street a 4 (quatro) anos atrás e desejam simplesmente socializar os prejuízos junto aos trabalhadores.
Portugal, Holanda, Bélgica, Itália e os demais países que compõe a Zona do Euro não se conformam que a Alemanha e a França simplesmente tomem para si a responsabilidade de ditar as normas que devem reger a economia da Zona sem ao menos consultar os demais membros. Daí resultam os grandes embates nas ruas promovido pelos sindicatos dos trabalhadores e pela classe acadêmica, o que propicia mais munição para a idéia da existência da crise.
Mas sem dúvida o pior discurso é o político.
Aproveitando-se de uma grande massa migratória não qualificada e desempregada proporcionada pelo espaço Schengen (que permite a entrada e saída de pessoas entre os países) economistas políticos de plantão pregam o fim da moeda única como solução para o fim da pretensa crise econômica do continente em um retrocesso que do ponto de vista histórico faria De Gaulle se remoer no túmulo.
Extremamente conveniente para a Grande Banca, ávida por grandes lucros e que não tem escrúpulos em manipular as taxas de juros para maquiar ganhos e perdas milionárias com o consentimento de governos, (como no recente caso do Banco Barclays com a manipulação da taxa da Libor) o que acabou por desencadear uma 2ª grande crise nos EUA com a investigação em andamento dos grandes bancos norte-americanos, a crise do sistema financeiro (esse é o nome real com que devemos chamar a crise) com o consentimento total de governos “non sense”, descomprometidos com a manutenção do nível micro-econômico de suas economias (trabalho, consumo e renda) e mais interessados em agradar aos banqueiros e assim manter os seus status quo de bom vivant, ameaçam levar a Europa a um nível de retrocesso econômico e social semelhante ao fim da 2ª Guerra Mundial, cenário que pode se agravar com a instabilidade no Oriente Médio e a elevação dos preços do petróleo.
Mais uma vez pude comprovar o total desconhecimento sobre o funcionamento macroeconômico da economia do ponto de vista financeiro quanto às afirmativas da mídia européia referentes à manipulação e aos mecanismos de estabelecimento das taxas de juros interbancárias. E aí está centrado o problema do Euro.
Quando ainda prevalecia o estalão ouro no século passado (funcionando como âncora cambial até meados da década de 70 e terminando com a crise) as economias européias cambiavam as suas reservas em dólares pelo metal junto ao Tesouro Americano, as taxas da Libor e do FED eram ditadas por 5 ou 6 grandes players do metal que se reuniam no início e no final do dia entre as praças de Londres e Zurique para verificar os níveis diários de negociações (compra e venda) entre eles. Se as compras (demanda) fossem maiores do que as vendas (oferta) as taxas de juros eram elevadas, se ao contrário as vendas excedessem as compras do metal as taxas de juros eram reduzidas. Ao abrir da Bolsa de Tokio o ajuste do Ien era automático, seguido necessariamente pelas outras moedas conforme o dia de negócios ia passando.
Com o fim do estalão ouro, a economia globalizada passou a utilizar as cotações do barril do petróleo como âncora cambial, mais tarde este mecanismo evoluiu para utilizar também as taxas pré-fixadas nos contratos futuros de commodities. È neste momento que entra o Euro em cena, abalando o papel principal do dólar como moeda comercial e única nos negócios internacionais e é aí também que se iniciam os problemas financeiros da Grande Banca e do endividamento interno dos EUA.
Enquanto os contratos futuros, principalmente os contratos de fornecimento de petróleo e de metais, estiverem atrelados ao dólar, a moeda americana vai ter um sobre fôlego. No entanto se a economia chinesa desaquecer, nós vamos ter um sério problema, pois todas as suas reservas monetárias estão lastreadas em títulos do Tesouro Americano.
O problema real da economia européia parece ser mais um problema de conjuntura. Centrada em um único setor, o de turismo, a economia é extremamente dependente do nível de renda e de consumo interno e totalmente carente de uma maior expansão das balanças comerciais, principalmente as dos países de extensões territoriais menores como Portugal, Irlanda, Grécia e mesmo de países de economia mais robusta como a Espanha e a Itália. Parece haver uma real competição por espaço e supremacia na Zona do Euro como na Alemanha e França em detrimento a idéia de união e expansão externa das economias.
Dentro deste contexto, a proposta do Primeiro Ministro italiano Mário Monti de emissão do Eurobonus como solução para dívida interna de países com economias comprometidas por déficits públicos foi um “goal” em oposição a propostas de ajustes macroeconômicos, como o da Chanceler Angela Merkel.
Autor: Pedro Paulo Silveira Felicíssimo é Economista formado pela Universidade Federal Fluminense, Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e Professor de Logística do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Conteúdo livre e autorizado para publicação pelo autor.