Justiça
Duarte Lima ajudou a apanhar rede que branqueava capitais
19.05.2012 - 15:31 Mariana Oliveira
Rui Gaudêncio
Duarte Lima à chegada a casa, onde vai ficar em regime de prisão domiciliária
O advogado e ex-líder parlamentar do PSD, Domingos Duarte Lima, ajudou o Departamento Central de Investigação e Acção Penal a apanhar uma rede que oferecia esquemas para fugir ao fisco e para branquear capitais, da qual seria cliente.
Durante três interrogatórios, dois feitos apenas na presença do procurador Rosário Teixeira, que investiga os dois casos, e um terceiro já conduzido esta semana pelo juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal, o advogado implicou Michel Canals, presidente do conselho de administração da empresa suíça Akoya Asset Management, que foi detido na quinta-feira com outros dois elementos da administração daquela sociedade e um intermediário português.
A colaboração com as autoridades valeu a Duarte Lima uma suavização da medida de coacção, permitindo ao advogado abandonar a cadeia onde esteve nos últimos seis meses. O ex-líder parlamentar do PSD vai aguardar agora o desenrolar das investigações em casa, para onde foi ontem, já que ficou sujeito a prisão domiciliária (ver caixa).
O juiz Carlos Alexandre esteve ontem a interrogar durante todo dia os suspeitos, tendo terminado as audição já perto da meia-noite. Três dos suspeitos, incluindo Michel Canals, ficaram sujeios a prisão preventiva enquanto outro, um dos administradores da Akoya ficou obrigado a prestar uma caução de 200 mil euros, estando proibido de se ausentar do país enquanto não o fizer. Este arguido está ainda proibido de contactar com algumas pessoas envolvidas na rede.
Apesar de o semanário Sol ter dedicado ontem três páginas a este caso, ninguém no Ministério Público esteve ontem disponível para prestar informações sobre a investigação que se encontra em segredo de justiça. A GNR apenas confirmou que a Unidade de Acção Fiscal participou nas operações de buscas, que decorreram em Lisboa e no Porto, em colaboração com a inspecção tributária.
Segundo o Sol, no centro da rede está a Akoya Asset Management, que terá proporcionado a empresários, advogados e políticos, como o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e ex-presidente do BPN, Oliveira e Costa, esquemas que permitiam fugir aos impostos e branquear capitais - uma fraude que se calcula terá atingido os mil milhões de euros. A empresa actuava como testa-de-ferro dos seus clientes, criando empresas offshore onde o capital era colocado. Iludindo as autoridades, a rede também fazia chegar a Portugal o dinheiro dos depositantes quando estes necessitavam sem recorrerem ao seu transporte físico. Para tal seria usado um intermediário, que fazia circular o dinheiro pelo BPN Instituição Financeira Internacional, com sede em Cabo Verde, e o transferia depois para o BCP e o BPN em Portugal.
Ligações a Feteira
No site da Akoya, a firma apresenta-se como "um grupo independente suíço especializado na gestão de fortunas fundado em 2009 no coração do centro financeiro da Suíça". Contactada pelo PÚBLICO para a sua sede em Genebra, uma funcionária da Akoya recusou-se a fazer qualquer comentário sobre as detenções, remetendo informações para a próxima semana. A empresa, que oferece entre os seus serviços optimização fiscal e planeamento financeiro, incluiu Portugal entre um conjunto de oito países onde opera. Os três administradores agora detidos são todos ex-funcionários da União de Bancos Suíços (UBS), um dos maiores bancos do mundo, com cerca de 65 mil funcionários dispersos por mais de 50 países.
Michel Canals é ex-director executivo do UBS onde, segundo o Sol, terá gerido as contas conjuntas do milionário Lúcio Tomé Feteira e da sua companheira e secretária, Rosalina Ribeiro, assassinada em Dezembro de 2009 no Brasil, onde Duarte Lima está acusado do seu homicídio. Nessa altura, as autoridades suíças já haviam remetido documentos ao Ministério Público português (num inquérito aberto na sequência de uma queixa-crime apresentada pela filha do milionário, Olímpia Feteira) que comprovavam a transferência de vários milhões de euros de contas conjuntas de Tomé Feteira e Rosalina para contas individuais da secretária e destas para terceiros. Um deles era o seu advogado Duarte Lima, para quem foram transferidos 5,2 milhões de euros, uma verba que o ex-deputado confirma ter recebido "a título de pagamento de honorários".
Estas movimentações terão passado pelas mãos de Canals, que também terá ajudado Duarte Lima a fazer circular os milhões de euros obtidos através da burla ao BPN, o caso que ainda lhe vale a prisão domiciliária.
Chamada fatal
Neste caso, o ex-deputado é suspeito de ter usufruído directamente ou através de testas de ferro de vários créditos no valor de mais de 40 milhões de euros, obtidos com garantias bancárias de baixo valor. Um dos créditos foi registado em documentos oficiais do BPN como sendo de cobrança duvidosa. Duarte Lima era cliente daquele banco e o seu nome consta de um relatório de auditoria da Deloitte, com um financiamento de cerca de cinco milhões de euros, que foi concedido sem que o banco tenha respeitado os procedimentos normais.
O contrato mais polémico foi feito com o Fundo Homeland, constituído em Setembro de 2007 e que se revelou um negócio ruinoso de mais de 40 milhões de euros que o banco fez com Pedro Lima (filho de Duarte Lima), o empresário Vítor Raposo e o próprio fundo de pensões do BPN. O financiamento serviria para comprar mais de 30 terrenos no concelho de Oeiras que ficariam nas imediações daquela que seria a nova sede do Instituto Português de Oncologia (IPO). Mas o IPO não avançou e, vários anos depois de o crédito ter sido concedido, a dívida continua por pagar, tendo o ano passado a administração do BPN cancelado o contrato de crédito.
Outra curiosidade é o facto de um dos telemóveis suíços que a Akoya disponibilizava aos seus clientes para proteger a sua actividade ter acabado por se mostrar relevante para as autoridades brasileiras, que apanharam uma chamada feita no telefone suíço de Duarte Lima na véspera do crime, perto de Saquarema, a povoação onde o cadáver da Rosalina Ribeiro foi encontrado.
Notícia actualizada às 16h50
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