migluso Escreveu:K. Escreveu:Quais são esses factores reais que estão por trás da falta de competitividade?
- Sistema de Justiça;
- Leis Laborais;
- Sistema Fiscal;
- Burocracia diversa;
- Baixa Formação de Empresários e Trabalhadores;
- Falta de Espírito Empreendedor
- Etc...
De certa forma concordo. O que não me parece é não ser possível fazer nada em relação a estas coisas. Pelo menos está fora do alcançe dos governos, e muito menos dentro de um programa de austeridade.
Vou escrever um pequenos texto corrido, para tentar começar a organizar algumas ideias soltas.
A austeridade só vai complicar mais o problema:
1) Quem vai sair do país não são os desempregados com formação em àreas onde não há emprego; são sim as pessoas qualificadas e empreendedoras-as que têm conhecimentos técnicos, contactos internacionais, altas competências em networking, que dominam vários idiomas, etc. Porque motivo estas pessoas ficariam em Portugal?
Mais: técnicos do estado altamente especializados, académicos de áreas cientificas e tecnológicas, etc. E não só no estado: a desvalorização interna vai chegar a todas as áreas, "baixar os salários para aumentar a competitividade" é a frase do dia. Eu preferia ver "aumentar a produtividade para subir os salários".
Vai acontecer em Portugal o que aconteceu na Alemanha de leste após a reunificação (passados 20 anos continua uma das regiões mais pobres da Europa).
2) Vai aumentar a lentidão da Justiça e da burocracia em geral (afinal, quem lá trabalha são funcionários públicos).
3) Em relação ao sistema fiscal não seio que se pode fazer. Subir impostos já é impossível, descer ia contar no défice.
4) A educação vai piorar a todos os níveis-pelos mesmos motivos de 2). Idem com os serviços de saude, etc.
5) Burocracia-o sistema Europeu é burocrático por natureza. Todos os países se queixam do mesmo. É possível eliminar alguns actos inúteis, mas o problema é uma regra básica das organizações onde o poder não +e centralizado: qualquer avanço autoritário numa administração policéfala tem como unica consequência o aumento da burocracia (que depois é utilizada pelos diversos níveis da administração para garantir que tudo fica na mesma).
6) Falta de espírito empreendedor-isto é cultural: em Portugal a ambição é mal vista, as pessoas bem sucedidas são obrigadas a dissimular o sucesso ou arriscam-se a ser destruidas pela inveja alheia, o valor supremo é a humildade, ou, como dizia Salazar, a pobreza de espírito. Nenhum político pode mudar isto.
Quem pode ganhar com a austeridade? Penso que só o sector industrial em sectores onde é necessária mão de obra pouco qualificada, e que vai poder recrutar pessoas a baixos salários.
No entanto, em relação ao programa de austeridade, penso que o ministro das Finanças está a actuar bem. É que não tinha outro remédio: em inícios de Outubro estávamos colados à Grécia, e prestes a sermos sujeitos ao mesmo tipo de pressões.
A "Terapia de Choque" na função publica acalmou os mercados-os cortes salariais (que nas ultimas semanas correram mundo-pessoas de várias nacionalidades têm-me perguntado se é mesmo verdade o que ouviram nas notícias-30% de corte nos salários da função pública!) são corte garantido na despesa e os mercados "esqueceram-se" de nós-estamos no caminho da Irlanda (se bem que não entendo muito bem como é que a Irlanda é sustentável com uma dívida privada de 800% do PIB e uma pública de 110%, quero dizer, entendo sim: tem as costas quentes pela Inglaterra).
Em suma, neste momento resta-nos:
a) Em vez de recapitalizar os bancos, ir recomprando dívida no mercado secundário: isto tem o duplo efeito de baixar o endividamento e de fazer os juros cair (aumentando assim os racios dos bancos).
b) Não arranjar problemas com a Troika e levar a austeridade um pouco mais à frente do que pedem, para os calar e para o dinheiro não parar de vir.
c) Esperar pela descida das taxas de juro e que o dinheiro chova no espaço europeu, pois no sul ele faz muita falta, e se continuar assim, a quem a Alemanha vai vender a produção industrial?
d) Aceitar uma integração fiscal e política que virá junto com os Eurobonds.
Mas uma coisa me custou ouvir do Primeiro-Ministro: que Portugal tem de empobrecer para recuperar a competitividade. Mais ainda me custou foi ver tanta gente a concordar. Salzar dizia o mesmo, sejam pobres para ter o reino dos céus. Como o céu hoje em dia é governado por interesses de think-tanks ligados a pensamento económico de Economia do lado da oferta ( Viena), o pecado capital parece ser o consumo.
O mundo político virou, no século XX as ideias de Keynes foram adoptadas pelo mundo livre para vencer o comunismo com as economias de bem estar. Nos últimos 3 anos, o moralismo monetarista voltou. As consequências estão à vista.
O Mainstream económico olha para Keynes da mesma forma que o Ocidente olhava para Marx no século passado. Ora não sendo a Economia uma ciência (no sentido experimental de Popper-por sinal um dos afiliados de Hayek!), custa-me a entender tanto unanimismo.
Não há debates com contraditório, ninguém aparece a dizer que se tem de injectar dinheiro na Economia para baixar o desemprego. Há uma máquina gigantesca de propaganda a funcionar, com anuncios e filmes que chegam ao ponto de colocar cartazes nas mãos de crianças: os liberais estão a vender a ideia de que a dívida contraida agora vai ser paga pela geração seguinte. E as pessoas acreditam nisto sem questionar (apesar de haver evidências históricas do contrário, e de que o crescimento económico é a melhor forma de reduzir a dívida-como nos anos 50-a dívida Americana era superior à actual no final da guerra).
O que eu pergunto é o seguinte: ninguém acha estranho tanto unanimismo?
Quanto ao argumento moral da Alemanha, ele é, no mínimo, hipócrita. Um país que beneficiou de um perdão fiscal sem precedentes no pós guerra seguido de injecções de capital (tudo recomendado por Keynes), que ficou com dívidas gigantescas com a Grécia, que sentou na pele a austeridade imposta pelos aliados no tratados de Versalhes (que Keynes tentou evitar a todo o custo), que foi o primeiro a violar o limite dos défices, que gerou a actual crise quando o governo obrigou os bancos a vender dívida grega, que tem uma dependência crónica do sector industrial e que vende quase tudo o que produz aos países da Europa (não admira que estes estejam falidos) e que mesmo assim está mais endividado do que a Espanha!
No final da primeira guerra, Keynes tentou convencer os aliados:
"A política de reduzir a Alemanha à servidão por uma geração, degradando as condições de vida de milhões de pessoas e privar toda uma nação de felicidade, é algo de horrendo e inaceitável"
Os aliados quiseram impor a austeridade. Resultado: centenas de milhões de mortod na segunda guerra.
É inacreditável que, decorridos 90 anos, a Alemanha fez o mesmo à Grécia e quer continuar a senda por todos os países do sul da Europa!
Para mim, o argumento moral tem outro nome, trata-se apenas uma emoção obscura bem descrita por uma palavra alemã: Schadenfreude!