Itália pode ter "mexido" nas contas para poder entrar no euro
11 Novembro 2011 | 17:09
Carla Pedro -
cpedro@negocios.pt
A Grécia falseou os seus números para poder adequar-se aos critérios de adesão à união monetária europeia. Isso já se sabe. Mas parece que Itália terá feito o mesmo.
Nos últimos dias, vários meios de comunicação social pegaram no caso. Itália pode ter falseado as suas contas para poder entrar no euro. E, tal como aconteceu com a Grécia, pode ter sido o Goldman Sachs a assessorar as operações. Nessa altura, o presidente do Tesouro italiano era Mario Draghi, que assumiu a 1 de Novembro a presidência do BCE, sucedendo assim a Jean-Claude Trichet. E Draghi foi vice-chairman do Goldman Sachs International.
Numa notícia intitulada “Itália cometeu fraude para entrar no euro?”, o “Cinco Días” refere que o país ainda liderado por Silvio Berlusconi utilizou artimanhas financeiras com derivados para receber antecipações de dinheiro sobre emissões de dívida e reduzir o seu défice em 1997 (que passou de 7% para 2,7%), podendo assim ser membro da Zona Euro.
Estas suspeitas, sublinha o jornal espanhol, já têm uma década. Isto porque em 2001 o economista italiano Gustavo Piga publicou um estudo intitulado “Derivatives and Public Debt Management” - em colaboração com o “think tank” Conselho de Relações Externas e com a Associação Internacional de Mercados de Valores – onde faz precisamente essa referência.
O estudo, que se debruçou sobre o uso dos derivados na gestão da dívida pública, fala de um país (cujo nome Piga não cita devido a um acordo de confidencialidade) que celebrou um acordo de permuta financeira com um banco de investimento numa elaborada artimanha que se assemelha à que foi utilizada pela petrolífera norte-americana Enron – protagonista de um dos grandes escândalos contabilísticos dos EUA.
O referido país, apesar de não ser oficialmente enunciado, é Itália, sublinha o “Cinco Días”. Isto porque, entre outros aspectos, a divisa fictícia usada por Piga para explicar a operação tem o mesmo tipo de câmbio face ao iene que a lira italiana. Um dos directores do Conselho de Relações Externas estabeleceu também, em 2002, um paralelismo entre Itália e a Enron, refere o jornal.
Assim, com este esquema, Itália conseguiu cumprir o critério de Maastricht relacionado com a dívida pública, ao conseguir que esta se fixasse abaixo dos 3% do PIB. “De facto, de 1996 a 1997, segundo os dados do Eurostat, que validou este tipo de maquilhagem, o défice público italiano passou de 7% para 2,7%. O modelo é semelhante ao utilizado pela Grécia com a assessoria do Goldman Sachs”, diz o jornal.
Apesar de não se saber oficialmente se terá sido mesmo o Goldman Sachs a mediar estas operações, visto que essa informação também é confidencial, muitos estudiosos apontam para aí (se bem que jornais como o “Financial Times” e “New York Times” já tenham referido que se tratou do JP Morgan).
E a propósito deste banco de investimento norte-americano, o “National Journal” publicou ontem uma reflexão sobre o mesmo assunto, numa peça intitulada “’Government Sachs’, Italian Style”. “É apenas uma coincidência que algumas das figuras-chave da crise europeia sejam ‘Goldman guys’? Não. É provavelmente por essa razão que estamos metidos nesta confusão”, sublinha aquela publicação norte-americana.
E um dos aspectos curiosos é que o Departamento italiano do Tesouro era, nessa altura, comandado por Draghi, agora presidente do BCE. “Mario Draghi, que talvez seja agora o homem mais poderoso da Europa, na qualidade de líder do BCE, disse em Junho perante uma comissão do Parlamento Europeu que ‘não tinha nada a ver’ com aquelas transacções [referidas por Gustavo Piga] (…). Mas após Draghi ter saído do Tesouro de Itália, integrou de imediato o Goldman Sachs International (de 2002 a 2005) como vice-chairman e administrador executivo”, salienta o “National Journal”.
E vai mais longe: “acontece agora que o homem que foi designado para substituir Berlusconi num governo de emergência criado para conduzir Itália num tempo de crise fez também parte do Goldman Sachs: Mario Monti”.
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