
Ainda sobre o Galamba vs Costa, a perspectiva do Ricardo Reis, com uma explicação mais técnica, para quem tiver interesse.
Costa versus Galamba
11/12/2011 | 15:43 | Dinheiro Vivo
O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e o deputado socialista João Galamba envolveram-se esta semana numa discussão.
O governador explicou que se os bancos emprestam ao Estado, há menos crédito para o resto da economia. O deputado acusou o governador de faltar à verdade e explicou-se uns dias depois no DN afirmando que comprar dívida pública não reduz o crédito aos particulares. Quem tem razão? Imagine então que um banco português compra 100 euros da dívida pública a outro investidor no mercado. Como Galamba bem explica, o banco não tem de aumentar o seu capital próprio, ou seja, de pedir fundos aos seus acionistas. A regulação financeira até recentemente não o exigia.
No entanto, os bancos estão sujeitos a outra regra: por cada euro que recebem em depósitos, têm de guardar uma fracção em reservas. Se emprestam o restante a particulares, que o depositam noutro banco, então o empréstimo gera mais depósitos e mais crédito futuro. Se, ao invés, compram dívida pública e os fundos são depositados no estrangeiro, o crédito cai. Porque os nossos bancos quase só emprestam a portugueses, mas a nossa dívida é em parte detida por estrangeiros, é provável que quando o banco compra dívida pública os depósitos caiam e logo o crédito também.
Outra fonte de financiamento dos bancos é o BCE. Galamba realça que os bancos podem financiar a compra de dívida pública oferecendo-a como garantia em empréstimos que recebem do BCE. Mas ele esquece-se de referir que, por cada 100 euros de dívida pública dada como garantia, o BCE só empresta entre 90 e 95 euros. Logo, a compra da dívida pública retira 5 a 10 euros dos recursos que os bancos podiam usar antes para crédito a particulares.
A fonte de financiamento primordial dos bancos para conceder crédito não são nem os depósitos nem o BCE, mas antes o mercado interbancário onde pedem emprestado a bancos estrangeiros. Existe hoje um receio real de que Portugal não pague a sua dívida pública. Por isso, quando um banco português compra mais dívida pública, expõe-se mais a este risco. Isso leva os outros bancos a concederem-lhe menos financiamento e a taxas de juro mais altas, logo cortando o crédito. É curioso ter esta discussão hoje, quando os nossos bancos, precisamente por deterem tanta dívida pública, não conseguem financiar-se no mercado interbancário.
Parece-me, por isso, que Galamba não tem razão. O seu raciocínio é interessante, mas está incompleto.
No entanto, pelas palavras do governador, percebe-se que ele respondeu a uma questão diferente da questão que Galamba colocou no seu artigo e que eu analisei acima.
O que acontece antes se o banco comprar dívida ao Estado, que aproveita para aumentar a dívida total subindo a despesa? Nesse caso, porque a despesa pública consome recursos da economia (materiais, máquinas), há menos recursos disponíveis para o investimento privado usar (crowding out). Menos investimento vem com menos crédito. Este resultado, de facto, vem nos livros e é só ir estudar.
Professor de Economia na Universidade de Columbia, em Nova Iorque
http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Art ... 25638.html