Paul De Grauwe
"Infelizmente, creio que Portugal está mais próximo da reestruturação"
31 Outubro 2011 | 00:01
Rui Peres Jorge -
rpjorge@negocios.ptPartilhar
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Paul De Grauwe é um dos maiores especialistas sobre o funcionamento da Zona Euro. O professor e conselheiro da Comissão Europeia não tem dúvidas de que as decisões da semana passada serão insuficientes. Leia aqui a entrevista.
O que destaca como melhor e pior da cimeira europeia?
As decisões relativas ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) são claramente insuficientes, pois não terá capacidade credível de estabilizar o mercado. O perdão de dívida à Grécia é um passo na direcção certa, embora talvez pudesse ser um pouco maior, pois é apenas de 50% sobre a dívida detida por privados, o que significa que o rácio de dívida sobre PIB se manterá relativamente elevado - alimentando dúvidas sobre se a Grécia será capaz de servir a sua dívida no futuro. Ainda assim, a decisão vai mais longe do que achava possível há apenas poucas semanas. Também é preciso esperar pelos detalhes de tudo isto: no passado, quando chegámos a perceber tudo o que estava no "haircut" de 21% decidido em Julho, vimos que o impacto era relativamente pequeno.
Algumas pessoas vêem nas alterações do FEEF mais uma forma de garantir uma "cobertura política" para o BCE, que assim poderá continuar a actuar, mas com menos pressão e holofotes...
Se assim for, não tenho nada contra. Ainda assim, creio que teremos de fazer qualquer coisa quanto à "governance" do FEEF: é péssima. Por exemplo, com poder de veto para todos os países, é muito difícil que o FEEF tenha um processo de decisão ágil, rápido e suave. Além disso, a estrutura de alavancagem que foi criada, com possibilidade de garantir parte das emissões de dívida pública, é instável...
Porquê?
Esta estrutura pode funcionar se a procura de fundos do FEEF for pequena. Mas se houver uma grande procura, então colapsará, pois o FEEF não aguentará um grande choque, já que nessa situação a tranche de activos do FEEF desaparecerá como neve ao sol, prejudicando os "ratings" dos países que o financiam.
Mas acha que os mercados vão já começar a pressionar? Há o risco de começarem a testar a nova capacidade europeia?
É impossível prever quando e como essa pressão se sentirá, mas é muito provável que testem.
Teme que se tenha ido demasiado longe nas exigências de recapitalização que se colocam aos bancos?
Por uma vez, tendo a ter simpatia pela posição dos bancos. Uma das coisas que tínhamos decido fazer no âmbito da reforma do sistema financeiro e da regulação, e também no contexto de Basileia III, era impor rácios de capital dinâmicos e contracíclicos. Ou seja, em altura de "booms", com os preços dos activos a subir, os bancos deveriam reforçar os balanços, o que era relativamente fácil, e permita que os bancos funcionassem como um travão à bolha. Pelo contrário, em recessão, deveriam fazer o contrário, pois é difícil reforçar capital com as economias em contracção, e se se pressionar de mais nesse sentido, corre-se o risco de os bancos cortarem o crédito à economia. Pois agora, que estamos a entrar numa recessão, a primeira coisa que fazemos é exigir aos bancos que reforcem o capital. É certo que no longo prazo é isso que tem de acontecer, mas agora não é momento para acelerar esse movimento.
Até agora dizíamos que o sistema financeiro estava demasiado fraco, e que os bancos precisavam de se recapitalizar para funcionarem correctamente...
Sim, mas o sistema financeiro na Europa é fraco porque temos uma crise de dívida soberana. O que temos de conseguir é que o preço das obrigações pare de cair, pois é isso que está a criar os problemas aos bancos. Se agora virmos, dizemos que os bancos precisam de se recapitalizar, e dada a situação dos mercados, é muito possível que tenham de ser os governos a entrar no capital. Isso significará um aumento da dívida pública, que piorará as respectivas avaliações de crédito, e penalizará as obrigações que estão no balanço dos bancos.
Uma recessão é mais provável depois da cimeira...
Não sei se está mais provável, mas não fizemos nada para evitar uma recessão. Continuamos a caminhar pela mesma estrada, com programas de austeridade excessivos, aplicados por toda a gente ao mesmo tempo, e isso levar-nos-á a uma recessão, que tornará tudo mais difícil.
Portugal está mais próximo de uma reestruturação da sua dívida?
Infelizmente, creio que está mais próximo, devido à recessão, a qual implicará rácios de défice e dívida superiores, forçando o Governo a adoptar ainda mais austeridade.
Como avalia a desvalorização interna que o Governo português está a pôr em curso?
É uma estratégia de alto risco. É verdade que Portugal tem de conseguir uma desvalorização interna, mas vocês terão de aplicar medidas tão duras, que conduzirão a uma recessão profunda. Os mercados podem não vos dar o tempo de que precisam. Estão muito nervosos, e poderão colocar-vos mais e mais pressão. Pode acontecer que as coisas ainda piorem, como aconteceu na Grécia, exigindo mais e mais austeridade que torne uma crise gerível numa crise insolúvel.