"Der Spiegel": "Poupar não basta para Portugal sair da crise"
28 Julho 2011 | 16:56
Carla Pedro -
cpedro@negocios.ptPortugal precisa de expandir a sua indústria e tornar-se mais atractivo ao investimento, defende a revista alemã num longo artigo sobre o país.
“Depois de viver acima das suas possibilidades durante décadas, Portugal está agora a sentir o pleno impacto da crise. O governo está a responder com um brutal pacote de austeridade. Mas só com poupanças, não vai lá – o país precisa de encontrar formas de expandir a sua indústria e de se tornar mais atractivo para o investimento. A boa notícia é que esses modelos positivos já existem dentro das suas fronteiras”.
É desta forma que a revista alemã “Der Spiegel” inicia um alargado trabalho sobre Portugal, onde identifica o que considera serem as suas debilidades e os seus pontos fortes.
“O ar cheira a salgado no Cabo da Roca, a cerca de 30 km de Lisboa. (...) Uma tabuleta anuncia: ‘O fim da Europa’. Estas palavras parecem estranhamente proféticas nesta altura”, prossegue o artigo, divulgado na edição da revista desta semana.
Alexander Jung, o seu autor, descreve depois o corredor "com duas pistas" onde "raramente se vêem ciclistas", até "porque o vento é simplesmente demasiado forte". Fala dessa via que "abraça a faixa costeira durante vários quilómetros, entre Cascais e o Guincho" para começar a desfiar exemplos dos excessos a que o país outrora se permitiu.
“Este luxuoso corredor para bicicletas é uma recordação de tempos melhores, daqueles anos em que os portugueses ainda conseguiam captar recursos ilimitados. Construíram o Colombo em Lisboa, o maior centro comercial da Europa naquela época. Também construíram moderníssimos estádios de futebol e muitas novas estradas, incluindo 2.700 km de autoestradas em duas décadas, muitas delas com seis faixas de rodagem – que estão, muitas vezes, completamente vazias”.
“Muitas coisas em Portugal estão sobredimensionadas e as drásticas consequências deste estilo de vida exorbitante estão agora a manifestar-se”, sublinha a “Der Spiegel”. “O país teve de recorrer ao fundo de resgate da Zona Euro, em Abril, mas isso só lhe concedeu um breve alívio no que respeita aos seus apuros financeiros”.
É Portugal uma segunda Grécia?
“A gravidade da situação tornou-se fortemente clara quando a agência Moody’s, depois de se questionar sobre se o país conseguiria honrar o pagamento das suas dívidas, cortou a dívida soberana de Portugal para o estatuto de lixo no início deste mês. (...) Estará a Zona Euro perante uma segunda Grécia?”, questiona a revista, que dedica cinco páginas a Portugal.
O artigo qualifica de “brutais" as
medidas de austeridade entretanto adoptadas, mas sublinha que estas se revelaram necessárias depois de o país ter vivido “acima das suas possibilidades durante décadas”.
Com a adesão à UE, em 1986, “repentinamente Portugal viu-se com o mesmo acesso ao crédito que os principais países, como a Alemanha e França”. “Consequentemente, as pessoas ficaram habituadas a automóveis velozes e apartamentos pomposos, tudo pago pelo crédito. Mas a aparente riqueza de Portugal era ilusória, porque não tinha qualquer ligação com a real solidez económica do país”.
Agora, explica a revista, “os portugueses não têm qualquer escolha senão poupar dinheiro de todas as formas possíveis. Até mesmo os fumadores reduziram consumo, conforme se observa pela queda de 20% nas receitas provenientes dos impostos sobre o tabaco, em Maio. Os anúncios nas vitrinas das lojas, que dizem “liquidação total”, especialmente nas comunidades mais pequenas, são um outro indicador de declínio”.
Portugueses estão em "estado de choque"
“O país está num profundo estado de crise, mas parece previsível que o pior ainda está para vir. As taxas de juro estão a subir, pedir crédito é cada vez mais caro, os bancos estão a emprestar menos dinheiro, as empresas pararam de investir, algumas estão a desmoronar-se devido ao aperto do crédito, e a taxa de desemprego continua a aumentar. (...) Muitos portugueses estão, simplesmente, em estado de choque”.
O artigo continua, realçando o facto de – ao contrário dos gregos – os portugueses não se terem envolvido em práticas questionáveis. “Os seus bancos não emitem tantos empréstimos de alto risco como os congéneres irlandeses. E não houve bolha do mercado imobiliário em Portugal, pelo menos com a dimensão que se verificou em Espanha. Mas agora os portugueses estão no mesmo barco que várias outras economias europeias actualmente em dificuldades”.
Entre as causas desta crise, a “Der Spiegel” salienta que os portugueses foram vítimas da globalização e que “Portugal é demasiado caro para aquilo que é capaz de produzir”. Com efeito, segundo este artigo, Portugal “é um país que produz muito pouco e consome demasiado”. A publicação alemã aponta igualmente “uma falta de competitividade e de empreendedorismo”, bem como a “escassez de trabalhadores qualificados”.
As rolhas como exemplo
Para finalizar, o artigo sublinha a Corticeira Amorim como sendo “um modelo para Portugal”. Um exemplo a seguir, já que se trata da maior produtora mundial de cortiça natural. “Uma em cada quatro rolhas vem das suas fábricas, que produzem cerca de três mil milhões de unidades por ano”.
O próprio Amorim acredita que a sua empresa pode servir de exemplo para todo o país, acrescentando que Portugal deve identificar os seus pontos fortes e apostar neles. “Temos tantos tesouros. Só temos de os desenterrar”, declarou o “chaimar” da corticeira à “Der Spiegel”.
“As medidas de austeridade, isoladamente, não irão recompor Portugal – ou a Grécia, a Irlanda ou Espanha. Uma abordagem possível para revitalizar a economia seria definir a indústria da madeira e do papel como nuclear para a produção, especialmente quando um terço do país está coberto de florestas.
Na indústria do calçado, algumas empresas já desviaram o seu foco para a produção de artigos de alta qualidade ao nível também do ‘design’”, exemplifica a revista alemã, citando economistas da OCDE, que dizem que Portugal atingirá uma maior produtividade se se especializar em produtos de qualidade”.
Os mesmos economistas identificaram um potencial adicional no turismo, lembra aquela publicação. Por isso, há que apostar neste sector. Neste e em todos os que tiverem capacidade para tirar Portugal dos actuais apuros.