Colossal
15 Julho2011 | 12:41
Pedro Santos Guerreiro -
psg@negocios.pt
Três em cada cinco portugueses aceitam o novo imposto extraordinário.
Isso é, em si mesmo, extraordinário. Seria melhor ter confiança que esperança, mas é o que há e tem valor. O Governo tem a obrigação de cumprir. Não apenas 5,9%. Mas a agenda de transformação de que falou ontem o ministro das Finanças.
O imposto extraordinário é o que neste jornal se noticiou em primeira mão. Pago em três quartos pelos pensionistas e trabalhadores por conta de outrem. São os mais fáceis de apanhar. Porque são os mais difíceis de fugir. Inclui senhorios, recibos verdes, mais-valias. Exclui alguns rendimentos de capitais. E, ao contrário do que aconteceu em 1983, deixa de fora as empresas.
Ao corte de despesas, o ministro das Finanças disse nada. É uma desilusão. É uma precaução? É: o corte de despesa demora mais tempo a produzir efeitos que um aumento de impostos. Mas, como desafiou o ministro, cá estaremos para monitorizar essa redução. Até lá, é à confiança. Mas apetece dizer: "Não abuse, senhor ministro."
Ontem não foi anunciada mais nenhuma medida de austeridade. Mas ficou claro que as medidas adicionais recairão sobre o sector público. Sobre o Estado. Mas atenção à palavra "adicionais". Adicionais face às da troika. Porque está calendarizada uma série de medidas que vão entrar em vigor ao longo dos próximos meses: aumento do IVA na electricidade (e possivelmente também no gás, na água, nos legumes, no pão, nos medicamentos...); portagens nas SCUT; preços dos transportes mais caros; reduções de apoios sociais. E etc.
O País vai cumprir o défice orçamental de 5,9% nem que o ministro das Finanças tussa. E as privatizações serão feitas rapidamente e em força. Mas o ministro das Finanças não manda em todo o Governo. E, como ontem escrevia Camilo Lourenço, há sinais de recuos preocupantes.
Começando pelos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, cuja solução foi atirada para depois do Verão. Incluindo a suspensão de encerramento de escolas. Mas, também, a não extinção de municípios.
Esse é que é o tipo de medidas difíceis. Eliminar uma "golden share" é fácil, é só passar o decreto. Não corta um cêntimo de custos.
Nos próximos meses, o Governo vai ser bombardeado com pressões, que ganharão fôlego de cada vez que houver um recuo. Pedro Passos Coelho não foi eleito para ser popular. E Portugal não tem tempo. Por isso, a facilidade social com que os portugueses aceitaram este novo imposto não é um privilégio para dispor, é uma responsabilidade para cumprir.
A forma como o ministro das Finanças fala das privatizações, por exemplo, é de uma candura liberal comovente. É para vender já, seja pelo preço que for, porque temos uma restrição activa de financiamento externo. Mas é para vender sobretudo porque o Estado quer entregar o ouro que o fez bandido. Para promover concorrência. Para estimular competência. Os grandes empresários portugueses querem manter os centros de decisão nacional? Lutem por eles, vençam no mercado. Do Estado, batatas: não há patrocínios. Dizer que não há privilégio aos capitalistas estrangeiros é uma maneira inteligente de dizer que não há privilégio aos capitalistas portugueses. Apoiado! Mas é como os cortes de despesa. Estaremos cá para ver.
A visão do ministro das Finanças é a de um macroeconomista: quer entrada de capitais, redução de défice externo, receitas do Estado e mais concorrência e eficiência. Mas, como disse um dia Miguel Beleza, não há a macro e a microeconomia, há a boa e má economia. A nossa é má. E colossal é o esforço, disse o ministro. Como cantava Ivone Silva, "este país é um colosso". Mas já não está tudo grosso. Está é tudo a fiar bem fino.