€2600 milhões em obras que não servem para nada
Aeroportos, estádios, autoestradas ou metropolitanos são exemplos de obras caras e de utilidade duvidosa.
Margarida Fiúza, Abílio Ferreira e João Palma Ferreira (
www.expresso.pt)
18:07 Terça feira, 25 de Janeiro de 2011
Autoestradas desnecessárias, estádios às moscas e outros projetos que não cumprem o propósito para que foram criados - como o Aeroporto de Beja, que ainda não recebe tráfego aéreo, e o Metro Sul do Tejo que conta com menos de metade dos 80 mil passageiros diários que se previam -, totalizam €2,65 mil milhões de investimento.
Em termos de encargos para as gerações futuras, o Metro Sul do Tejo é "porventura o projeto mais grave neste momento", afirma Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e autor do livro "Como o Estado Gasta o Nosso Dinheiro". "
O Estado aceitou projeções de tráfego completamente irrealistas, ao validar e acordar com a concessionária um tráfego de 80 mil passageiros diários. A realidade veio demonstrar que o tráfego efetivo não ia além de 35 mil passageiros. Este surrealista erro de previsão está a custar aos contribuintes cerca de €8 milhões anuais, com tendência para crescer nos próximos anos", acrescenta.
No caso das autoestradas, o Expresso considerou uma rede excedentária de 700 quilómetros, com um custo por quilómetro variável entre €2,5 milhões (zona plana, não povoada) e os €4,5 milhões. Tomando-se um valor intermédio de €3 milhões por quilómetro, conclui-se que aquela rede custou, no mínimo, €2,1 mil milhões, tendo em conta os respetivos projetos e expropriações.
'Elefantes brancos'
Se a este montante forem somados os €30 milhões que o Estado afirma já ter gasto com o Aeroporto de Beja, mais €350 milhões com o Metro Sul do Tejo e €170 milhões com quatro estádios 'elefantes brancos' (obras ou negócios de conservação muito dispendiosa e sem rendimento ou utilidade), obtém-se um resultado superior a €2,6 mil milhões. Nesta conta entram os estádios de Leiria, Aveiro e Algarve, mas também o do Boavista, que inclui investimento privado. No total, os 10 estádios construídos para o Euro 2004 custaram €670 milhões, com uma comparticipação direta do Estado de €105 milhões. O Tribunal de Contas calcula que, com o Euro (o que inclui também acessibilidades e apoios indiretos das autarquias), o Estado tenha gasto €1035 milhões.
"Os estádios do Euro 2004 são o caso mais dramático. Foram, desde o início, uma ideia abstrusa - pensar em construir 10 estádios de raiz - e estão a arruinar as respetivas câmaras municipais", afirma o economista João César das Neves. Em alguns destes estádios "o volume de receitas geradas é claramente insuficiente para fazer face às despesas de exploração e manutenção e, por nisso, os municípios envolvidos têm necessidade de recorrer a avultados meios financeiros para responder aos défices de exploração", acrescenta Carlos Moreno.
A Câmara Municipal de Braga, por exemplo, protagoniza um caso curioso, tendo sido chamada a assumir, em setembro, a responsabilidade pelo pagamento de dois empréstimos da Caixa Geral de Depósitos, num total de €9 milhões, a duas das três construtoras que integram a Sociedade Gestora de Equipamentos de Braga (SGEB), criada com o objetivo de gerir as obras de uma Parceria Público-Privada (PPP) para a construção de equipamentos desportivos no valor de €50 milhões. Dos 52 projetos de investimento atribuídos à sociedade, 27 foram cortados por falta de dinheiro.
Portugal campeão das PPP
Segundo as contas de Carlos Moreno, em finais de 2009, tomando por referência o volume dos empréstimos, Portugal, com €1,559 mil milhões, tinha já contratado três vezes mais PPP do que a França e 23 vezes mais do que a Itália. É, assim, o país com maior percentagem de PPP em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e ao Orçamento do Estado.
Há um ano, estimava-se que os encargos com as PPP em execução, a pagar pelas gerações futuras, superasse os €48 mil milhões. "Se a estes se somassem encargos com projetos de PPP previstos e decididos lançar, aquele montante ultrapassaria os €50 mil milhões. E no período de 10 anos, de 2013/14 a 2023/24, representariam um encargo médio anual de mais de €1600 milhões", estima Carlos Moreno.
João César das Neves realça que "tem havido uma tendência para esconder estas contas nos últimos 10 anos". Para este economista, a mais "escandalosa" é a do TGV, cujo troço entre o Poceirão e a fronteira do Caia custará quase €3 mil milhões: o dobro do anunciado.
Durante mais de 10 anos, adianta Carlos Moreno, as PPP foram decididas e negociadas sem legislação específica que impusesse, por exemplo, uma adequada partilha dos riscos. "Assistiu-se ao lançamento de projetos PPP sem avaliação nem justificação prévias das respetivas vantagens para o erário público, em relação à opção tradicional de financiamento direto. As SCUT foram lançadas sem qualquer avaliação preliminar do respetivo custo-benefício", exemplifica.
Para João César das Neves, o Aeroporto de Beja é "o caso mais ambíguo" entre os 'elefantes brancos'. "Percebe-se que há um efeito infraestrutural, mas por causa de uma execução desastrosa transformou-se numa anedota". A explicação é simples, resume: "Coisas que deixem cimento são algo que fascina a classe política, que entende que o sucesso está ligado a inaugurações. É por isso que, desde meados da década de 90, o país passou a investir em coisas inúteis", resume João César das Neves.
Grandes obras que são elefantes brancos ou que correm o risco de vir a sê-lo
AEROPORTO DE BEJA
Em novembro de 2010, um relatório da auditoria do Tribunal de Contas (TC) divulgou que o encargo público com aquele que foi apelidado de "aeroporto low cost" pelo ex-ministro das Obras Públicas Mário Lino já é de quase €35,4 milhões, mais €1,3 milhões do que os €34,1 milhões previstos em 2006. O secretário de Estado das Obras Públicas, Paulo Campos, contrapõe que "o investimento público realizado para a abertura daquela pista foi de cerca de €30 milhões (cerca de 10% inferior ao previsto), encontrando-se a obra já finalizada". O relatório do TC avança que "será necessário despender mais €39 milhões (total de €74 milhões) para operacionalizar o aeroporto" e "dar cobertura a défices de exploração" da Empresa de Desenvolvimento do Aeroporto de Beja (EDAB) até 2015. Após derrapagens consecutivas, a meta atual é que o aeroporto esteja a postos para receber tráfego de passageiros no verão deste ano.
AUTOESTRADAS
Nove das 25 autoestradas eram dispensáveis. Apresentam um Tráfego Médio Diário (TMD) inferior a 10 mil unidades. Este é o critério internacional utilizado para avaliar a necessidade de uma autoestrada. Consultando os dados do INIR - Instituto das Infraestruturas Rodoviárias (março de 2010) concluiu-se que quase um terço da rede (700 km) não cumpre o critério do tráfego. A A6 (Marateca-Elvas-Fronteira) e a A13 (Almeirim-Marateca) são as que têm um TMD mais reduzido. Nos últimos troços da A6 circulam pouco mais de 2000 veículos por dia. A média é de 4947. A A13 (80 km) só se justifica em agosto. Nos restantes meses do ano, o TMD é reduzido em toda a extensão. A média é de 3359. Numa análise por troços, verifica-se que o valor mínimo está na A10 (Bucelas-Benavente). No último troço, o TMD é inferior a 1900 veículos. No conjunto, a média é de 6428. E, todavia, tem três faixas em cada sentido.
PORTUGAL LOGÍSTICO
Durante 2011, o secretário de Estado dos Transportes, Correia da Fonseca, deverá reavaliar os projetos de logística lançados pela equipa ministerial anterior. Essa rede nacional - designada Portugal Logístico - tinha programado a construção de 13 plataformas logísticas, de norte a sul. Mas, tal como foram projetadas, essas plataformas estão sobredimensionadas para o volume de trocas que existe no sector logístico e o que se espera agora é que o Governo apresente uma nova versão mais adaptada à realidade do país. As duas maiores plataformas são as do Poceirão (gerida pela sociedade LogZ - Atlantic Hub, liderada pelos brasileiros da Odebrecht em associação com a Mota-Engil) e de Castanheira do Ribatejo (a Logisticspark Lisboa, liderada pelo grupo espanhol Abertis). O Banco Europeu de Investimento (BEI) ficou de disponibilizar cerca de €60 milhões para o Poceirão.
METRO DO MONDEGO
Numa petição feita nas zonas de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã contra a suspensão do Metro do Mondego, recordava-se que este é um projeto que aguarda a luz do dia há mais de 30 anos. Uma avaliação recente aponta para um custo de €450 milhões, repartido pelas três autarquias (que terão de assegurar 40% das verbas, ou seja, €180 milhões). Este valor é considerado pelo Governo como excessivo para a situação financeira atual do Estado. Este projeto foi integrado na Rede Ferroviária Nacional (Refer) e agora aguarda-se uma nova redução do investimento total, devido ao recurso a soluções menos onerosas como, eventualmente, a de um Metrobus, ou de um sistema de trolley. Assim, a 2 de fevereiro, a equipa do ministro das Obras Públicas, António Mendonça, voltará a analisar este projeto. Na sua versão atual, o Metro do Mondego apresentará um défice anual de €38 milhões.
METRO SUL DO TEJO
O problema do Metro Sul do Tejo (MST) é a adequação da oferta à procura efetiva nos três concelhos que serve, de Almada, Seixal e Barreiro. Depois de o Governo ter procedido à recente extinção do Gabinete do Metro Sul do Tejo e de ter passado as respetivas competências para a Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa, juntamente com a Rede Ferroviária Nacional (Refer), quer proceder agora à reavaliação do contrato de concessão do MST. O seu plano de expansão terá de ser analisado à luz das regras de racionalidade financeira e ponderado entre os ministérios das Obras Públicas e das Finanças. Mesmo assim, o Governo procedeu recentemente ao pagamento de indemnizações compensatórias que estavam pendentes e que, no segundo semestre de 2010, chegaram a colocar em risco a manutenção dos seus serviços.
SATU OEIRAS
Depois de a Câmara Municipal de Oeiras se ter mostrado disponível para assumir a totalidade do SATU - Sistema Automático de Transporte Urbano de Oeiras, continua por definir o futuro da estrutura acionista da empresa, que é detida a 51% pela autarquia e a 49% pela Teixeira Duarte. Em causa está o prejuízo de €17,3 milhões que a ligação entre a estação ferroviária de Paço de Arcos e o centro comercial Oeiras Parque tem acumulado e que tem sido suportado pelo parceiro privado desde o início da exploração, em 2004. "A razão dos resultados negativos deve-se, essencialmente, ao facto de o atual trajeto, construído e em exploração ter apenas 1,2 km, quando o sistema tem por objetivo um trajeto final de cerca de 11 km, que é a ligação de Paço de Arcos ao Cacém, ligando as duas linhas ferroviárias (Lisboa-Cascais/ Lisboa-Sintra)", explica Miguel Costa, presidente do conselho de administração da empresa.
Texto publicado no caderno de Economia do Expresso de 22 de janeiro de 2011
In Expresso.pt