Só se nasce uma vez
07 Janeiro2011 | 11:28
Pedro Santos Guerreiro -
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Nas presidenciais de 2004, a eleição de George W. Bush estava ameaçada por John Kerry, herói condecorado do Vietname.
Então, surgiu uma foto na campanha: Kerry, em 1971, ao lado de Jane Fonda num comício contra a guerra. Kerry desmentiu e não deu importância. Errou, o escândalo propagou-se: o herói era traidor? Não: a foto era fabricada. Mas quando isso foi provado já era tarde, a sua popularidade caíra a pique, o desmentido nunca dissolveu totalmente o boato e ainda hoje, nos EUA, há quem acredite na foto e o chame de traidor.
As acusações de carácter em Portugal não são de hoje. Mas quando, há 30 anos, Mário Soares pôs em causa a relação de Sá Carneiro com Snu Abecassis, a opinião pública indignou-se com a invocação da vida privada para fins políticos. E Soares meteu a viola no saco onde talvez esteja hoje também o remorso.
Hoje, contudo, a comunicação política americanizou-se nessa era pré-Obama. A cada eleição sucede-se a utilização de boatos (como Santana fez com Sócrates com vileza), o agendamento de escândalos (o Freeport, de que Sócrates foi perseguido duas vezes sem prova formada até hoje) e manobras de comunicação de ataque ao carácter (as escutas de Belém). São sempre "suspeitas" descongeladas para as eleições: a publicação do email de um jornalista sobre as "escutas de Belém", feita cirurgicamente a uma semana das eleições que Ferreira Leite perderia para Sócrates, foi o "crime perfeito": a manobra de comunicação que não deixou rasto.
Assim chegamos a estas eleições e ao BPN. A polémica estava anunciada como um cheque pré-datado. Mas Cavaco cometeu o erro de Kerry: sobrevalorizou a blindagem da sua reputação e menosprezou as suspeitas. Ele é, nisso, responsável pelo avolumar da polémica.
A polémica do BPN é como uma grande pedra no rim: precisa de ser desfeita para desaparecer. Cavaco devia ter explicado em 2009 o como, quem, onde, porquê e quanto daquelas acções, assunto encerrado. E não devia, na TV, ter respondido que é preciso nascer duas vezes para ser mais sério do que ele. Porque isso não é um argumento, é um dogma. Porque ele não é Ele. Porque as pessoas que são sérias não devem precisar de dizê-lo. Porque não se é "mais" sério, é-se sério ou não. Aquela resposta foi provocatória, quase prepotente. E quando, depois, Cavaco rechaçou a polémica para o outro lado, acusando a actual gestão do BPN (ligada ao PS), amplificou-a. O inferno soltou-se. Debaixo de cada pedra atirada para um telhado de vidro está um verme.
O BPN continua a ter risco sistémico, agora sobre o sistema político. A polémica vai manter-se até ao fim das eleições: esta semana quis-se saber a quem vendeu Cavaco as acções da SLN. Na próxima semana vai querer saber-se a quem comprou - e como pagou.
As questões colocadas sobre as acções de Cavaco Silva são legítimas, mas a polémica já se descontrolou. O BPN foi atirado contra a ventoinha e já nem se sabe o que se está a discutir: o lucro nas acções? A decadência da aristocracia cavaquista de há 20 anos? A conservação criogénica do BPN para além da sua vida natural para o PS o arremessar contra Cavaco? A campanha de Alegre no BPP?
Esta polémica só tem capacidade de destruir, nada constrói. E não se está a debater mais nada nestas presidenciais porque não há mais nada para debater. Nem Manuel Alegre tem uma ideia política para o seu milhão de votos, nem Cavaco trouxe uma novidade para agenda, como se viesse contar favas.
Portugal está uma lástima. Os portugueses estão pessimistas, endividados, tributados e com razões para descrer dos seus políticos. Estas eleições deviam ser uma afirmação de dignidade, de confiança, de esperança, para puxar Portugal para a frente, um momento agregador e de afirmação. Somos melhores que o BPN.
A República é centenária mas brincam com ela como crianças. Não pedimos um predestinado, apenas um Presidente que seja eleito por ser o melhor dos bons, não uma exclusão das partes.
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