Manter a calma fria e o humor seco
22 Outubro2010 | 12:04
Fernando Braga de Matos
(Onde o autor, depois de jejuar uma semana em profunda meditação num mosteiro beneditino, reage à apresentação do Orçamento do Governo PS e aos paleios seguintes com bonomia e riso sardónico, no modo britânico "cool, calm, colected", estado de espírito que também recomenda aos milhões de leitores que o seguem em busca de orientação espiritual. "Deo gratias"...).
Que se lhe há-de fazer? Estes tipos estão apostados em tramar tudo, andamos nisto há 15 anos, as parcerias público-privadas ainda nem surgiram no horizonte, as Scut apenas despontaram e os juros da dívida crescem alucinantemente. Uma atitude possível é pôr em dúvida a virtude das excelentíssimas mães dos senhores que todos temos em mente, aos gritos e com os olhos desorbitados, mas isso só enerva e também assusta as crianças. Tudo visto, os murros nos olhos e os dentes partidos ninguém nos tira, e o enxurro vai continuar durante anos de decadência. Então por que não rir, com os lábios franzidos e o humor em riste, do acicate? O fígado melhora, não se paga IVA a 23% e os motivos, afinal, são muitos com essa gente em constante "performance" de piadas involuntárias.
Vejam só a entrega do Orçamento, coisa que até dá "pen...a". O ministro de Estado e das Finanças já há anos vinha dando espectáculo com "pens" vazias, quadros desaparecidos, uma borratada de instrução primária. Este ano esmerou-se e chegou à ilegalidade, eventualidade que nem o "Financial Times", que há dois anos o classificara como "pior ministro das Finanças da Zona Euro", conseguira prever. Então, em vez de se ficar verde de vergonha, por que não apreciar o espectáculo, com os amigos e umas "bejecas", enquanto se vê o pobre Jaime Gama a cabecear de sono, os jornalistas a mordiscarem sandes, o pessoal numa correria... e Santos ainda nem começara a comentar. Quando o fez, conseguiu surpreender este seu fervoroso admirador, classificando o Orçamento de "corajoso", nem mais nem menos. A mim, se me telefonassem a pedir um adjectivo não depreciativo, eu avançaria com "duro", "sério", "esforçado", austero", "necessário", "arrojado", hipóteses não faltam. Mas o homem conseguiu encontrar o genial "corajoso", pelos vistos sem entender que a "coragem" em causa é a dos outros, assim trazendo à mente um aforismo popular de grande alcance e visão: "pimenta no c... dos outros é refresco."
Logo veio Sócrates, como sempre insuperável, e esse disse - estou a citar, palavra de honra: "É o Orçamento necessário para proteger os portugueses da crise internacional... o modelo social e o emprego." Como isto é um momento de rara finura em "stand up comedy", é um tanto difícil, reconheço, manter o riso amarelo, em vez da gargalhada explosiva e desenfreada. O homem é realmente um artista português de alto calibre, um Vale e Azevedo da política, como parece que lhe chamam. Uma raridade tal que, em descaro e humor desabrido, ultrapassa um dos meus mentores intelectuais, José de Vilhena, ele próprio. A dupla Sócrates/Santos é insuperável e justifica uma " tournée" internacional em "bad english", numa espécie de "reprise" da famosa dupla Herman/Nicolau Breyner, no número do Sr. Contente e do Sr. Feliz. Um delírio!
Mas eu, pessoalmente, para efeitos de sarcasmo, ainda voto na cena de Jorge Lacão, no programa "Prós e Contras", isto é, em pleno palco e uma "share" aí de uns 30% para mais. Merecidamente. Aí, explicou que o PEC 1 ficara muito aquém das medidas para o Orçamento 2011 porque, em Abril, o juro da dívida se encontrava em 4,5% e, em Setembro, nos 6,5%, logo, exigindo medidas mais duras. Quer dizer: o distinto ministro confundia causa e efeito, dava um chuto mortal nos princípio da causalidade, sem perceber que o juro chegara a 6,5% porque, em Abril, não se tomaram as medidas que só vieram em Setembro. Por este andar, ainda veremos Lacão (se à janela vir chover e, na rua, um homem de gabardine) concluir que chove porque o homem saiu com gabardine. Não foi o maior?
Bem... Manter cá a calma fria e o humor seco é bem melhor que os motins de França, sempre ciosa da sua singularidade, onde os jovens incendeiam carros para protestar contra a subida da idade da reforma para 62 anos.
Advogado, autor de "Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença).