O Renascimento de Gordon Gekko
21 Setembro2010 | 11:56
Nouriel Roubini - © Project Syndicate, 2008.
www.project-syndicate.org
No filme Wall Street, de 1987, a personagem Gordon Gekko disse a famosa frase: "A ganância é boa".
O seu ditado tornou-se o ethos de uma década marcada por excessos no sector financeiro e empresarial. Assim foram os anos 80, que culminaram com o colapso do mercado das obrigações de categoria junk [lixo] e com a crise das Savings & Loan [instituições de poupança especializadas em crédito imobiliário]. No filme, o próprio Gekko foi parar à prisão.
Uma geração mais tarde, a sequela Wall Street 2 mostra Gekko a sair da prisão e a regressar ao mundo das finanças. O reaparecimento acontece exactamente no momento em que a bolha de crédito alimentada pelo boom das hipotecas sub-prime [recurso a empréstimos hipotecários de alto risco] está prestes a rebentar, desencadeando a pior crise económica e financeira desde a Grande Depressão.
A mentalidade ao estilo de "a ganância é boa" é um aspecto que acompanha regularmente as crises financeiras. Mas seriam os operadores e os banqueiros da crise do sub-prime mais gananciosos, mais arrogantes e mais imorais do que os Gekkos dos anos 80? Nem por isso, já que a ganância e a imoralidade nos mercados financeiros têm estado presentes ao longo dos séculos.
Ensinar os princípios e os valores morais em faculdades de Economia e Gestão não vai acabar com este comportamento, mas tal pode ser feito com a alteração dos incentivos que beneficiam os lucros a curto prazo e que levam os banqueiros e os operadores a tomarem riscos excessivos. Aliás, estes intervenientes da última crise financeira responderam de forma racional aos sistemas de bonificação, pois estes permitiram-lhes assumir uma enorme quantidade de dívida e assegurar amplos bónus. No entanto, isso quase levou um grande número de instituições financeiras à bancarrota.
Para evitar estes excessos, não é suficiente confiar em melhores regulações e supervisões, devido a três razões:
• Os banqueiros e operadores astutos e gananciosos vão sempre encontrar formas de contornar as novas regras;
• Os CEO e os conselhos de administração das empresas financeiras (sem mencionar os reguladores e os supervisores) não conseguem monitorizar eficazmente os riscos e os comportamentos de milhares dos vários focos de lucros e prejuízos numa firma, tendo em conta que os operadores e os banqueiros são eles próprios centros individuais de ganhos e perdas com o seu próprio capital em risco;
• Os CEO e os conselhos de administração estão eles próprios sujeitos a maiores conflitos de interesse, visto que não representam o verdadeiro desejo dos principais accionistas da empresa.
Como resultado dessa situação, qualquer reforma na regulação e na supervisão vai falhar no controlo de bolhas e de excessos a não ser que sejam alterados muitos outros aspectos fundamentais do sistema financeiro.
Em primeiro lugar, os sistemas de atribuição de bónus têm de ser radicalmente modificados através da regulação, já que os bancos não o vão conseguir fazer sozinhos por medo de perderem elementos talentosos para a concorrência. De modo particular, os bónus baseados nos resultados a médio prazo dos negócios e investimentos mais arriscados têm de substituir os baseados no curto prazo.
Em segundo lugar, a revogação da lei que separou a banca de investimento da banca comercial, a Glass-Steagall Act, foi um erro. O antigo modelo das parcerias privadas, onde os "sócios" tinham um estímulo para supervisionar cada um dos outros de forma a evitarem investimentos negligentes, foi substituído pela concorrência agressiva entre as empresas públicas e entre estas e os bancos comerciais para alcançarem uma rentabilidade crescente, algo que é conseguido apenas com níveis imprudentes de endividamento.
Da mesma maneira, a passagem do modelo de empréstimo de "cria e mantém" para um modelo de "cria e distribui", com alicerces na titularização, levou a uma forte transferência de risco. Só o último elemento da cadeia de titularização estava exposto ao risco final ligado ao crédito. Os outros apenas cobravam altas recompensas e comissões.
O terceiro ponto está relacionado com o facto de os mercados e as empresas financeiras se terem tornado o centro de conflitos de interesse que precisam de ser eliminados. Estes conflitos são internos porque as companhias que operam nos segmentos da banca comercial, da banca de investimento, de operações de proprietary trading [investimento próprio das empresas em acções], da criação e negociação de mercado, dos seguros, da gestão de activos, do private-equity [capital de risco], das actividades dos hedge-funds [fundos de cobertura de risco], e ainda outros serviços, estão em todas as vertentes de cada negócio (e o recente caso do Goldman Sachs é apenas a ponta do iceberg).
Também existem problemas de representatividade no sistema financeiro, já que os investidores - como é o caso dos accionistas - não podem fiscalizar correctamente as acções dos mandatários (CEO, gestores, operadores, banqueiros), já que eles têm os seus próprios interesses. Além do mais, o problema não está apenas no facto de os accionistas de longo prazo serem enganados pelos investidores sedentos de capital a curto prazo, porque há problemas de representatividade mesmo entre os accionistas. Se as instituições financeiras não tiverem capital suficiente e os accionistas não tiverem grande parte da sua pele em jogo, vão levar os CEO e os banqueiros a assumirem riscos e endividamento, pela simples razão de que os seus rendimentos líquidos não estão em causa.
Contudo, há um duplo problema de representatividade duplo tendo em conta que os accionistas minoritários - os accionistas a título individual - não controlam directamente os conselhos de administração nem os CEO. São representados por investidores institucionais (fundos de pensão, etc.) cujos interesses, agendas e relacionamentos por vezes os alinham mais com os CEO e com os gestores das empresas. Em consequência, as repetidas crises financeiras são também o resultado de um sistema fracassado de governação empresarial.
Em quarto lugar, a ganância não pode ser controlada por nenhum apelo à moralidade e aos valores. Ela tem de ser controlada pelo medo da perda, que advém da percepção de que não haverá resgate para os agentes e para as instituições que arrisquem demasiado. Embora os sistemáticos resgates da última crise tenham sido necessários para evitar um colapso global, a verdade é que eles agravaram o problema do risco moral. Não só as instituições financeiras "too big to fail" foram salvas, como também se agravou a distorção devido ao facto de estas instituições se terem tornado - através da consolidação do sector financeiro - ainda maiores. Mas se uma instituição é grande demais para falir, então é porque é muito grande e precisa de ser fragmentada.
A não ser que façamos estas reformas radicais, novos Gordon Gekkos e Charles Ponzis irão aparecer. Para cada um dos Gekkos punidos e posteriormente renascidos (como acontece com a personagem no novo filme Wall Street) irão nascer centenas de outros ainda mais vis e gananciosos.
Nouriel Roubini é professor de Economia na Stern School of Business, Universidade de Nova Iorque, é "chairman" da consultora global de macroeconomia Roubini Global Economics (
www.roubini.com) e é co-autor do livro intitulado Crisis Economics: A Crash Course in the Future of Finance
© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Diogo Cavaleiro
in
www.negocios.pt