De acordo com a experiencia de cada um, será aconselhável exigir que as partes envolvidas num negócio em que participamos, se sirvam só de documentos com fonte notarial?
Transcrevo este caso que penso estar relacionado com a questão da segurança em transacções imobiliárias e confiança nos agentes envolvidos, sobretudo depois da atribuição de alguns actos a diversas entidades e que antes eram exclusivos dos notários, que aliás continuam a ter que exercer a sua actividade em regime de exclusividade.
A segurança destes actos foi diminuída?
Está o cidadão menos protegido?
O Estado assegura eficaz e integralmente a indemnização das vítimas destes casos quando os culpados não podem ou não assumem?
Casal burlado em mais de 165 mil euros
António e Elisabete compraram um terreno que estava à venda mas que na realidade não estava. A burla foi da autoria de Felix Amado, um advogado que passou para seu nome um terreno de um cliente. Depois vendeu a propriedade por 62 350 euros à imobiliária InGrupque que por sua vez a voltou a vender a outra empresa, a PCA esta última responsável por vender o terreno em causa ao casal.
António e Elisabete deram 165 mil euros por 3500 m2, um terreno a cinco minutos do centro de Coimbra. Compraram o imóvel a uma empresa do Algarve, mas quem sugeriu a compra foi uma imobiliária de Coimbra.
Segundo Elisabete o sonho de construir a própria habitação tornou-se num pesadelo: "inicialmente tínhamos um projecto para a nossa habitação, já tínhamos entrado com um destaque na câmara mas depois tivemos que anular o processo e as coisas tiveram de parar".
Os planos pararam por apareceram os verdadeiros proprietários do terreno, uma família de Coimbra que nunca pensou vendê-lo. O que sucedeu foi que o advogado da família falsificou uma escritura de doação e registou o terreno em seu nome.
Assim, o documento que constava nos registos notariais nada tinha a ver com o da conservatória do registo predial. O livro era o mesmo, o número da folha também, o texto parecido tal como as assinaturas. A única diferença é que a escritura real se referia à doação de outro terreno, noutra freguesia de Coimbra, e com outros intervenientes.
Segundo o advogado do casal, Luís Lopes Rosa, o burlão, Felix Amado “deu-se ao trabalho e teve a paciência de informaticamente redigir e criar folhas iguais às que os cartórios notariais têm. Redigiu um texto do ponto de vista legal irrepreensível em que recebia o terreno em doação e depois a sua esposa a Dra. Lurdes Telmo, também na qualidade de advogada, certificou que as fotocopias, uma vez que eles n podiam apresentar os originais, estavam conformes à original que estaria arquivada no cartório notarial” explicou à SIC.
À polícia judiciária, o advogado suspeito garantiu que foi ele próprio que entrou na área de trabalho reservada da mulher, também esta advogada, para certificar a escritura falsa sem o seu conhecimento.
Uma situação que há alguns anos não seria possível, quando só os notários podiam certificar fotocópias e havia apenas cerca de 1000 profissionais podiam fazê-lo com o controlo da Ordem e do Ministério da Justiça.
Actualmente são cerca de 60 mil pessoas que podem certificar fotocópias: além dos notários, todos os advogados, juntas de freguesia e postos dos CTT tem autoridade para tal.
Segundo o Bastonário dos Notários, Alex Himmel : “só pela quantidade, é lógico que as burlas ou possibilidades de burlas aumentem exponencialmente. Por outro lado, nós temos um estatuto especial muito parecido com a magistratura, com restrições, incompatibilidades e impedimentos que outros profissionais não têm. Nos estamos sujeitos ao princípio da legalidade, imparcialidade e impedimentos que é conseguido através da exclusividade, porque nós só podemos exercer estas funções e não outras” atesta.
Depois de conseguir passar o terreno dos clientes para o seu nome, o advogado Félix Amado vendeu-o por 62 350 euros à In Grup, uma imobiliária de Coimbra, que o vendeu logo a seguir. No mesmo dia, num espaço de três minutos, o terreno voltou a passar de mãos, desta vez para a PCA, Parques de Campismo de Albufeira.
Até agora o negócio já rendeu 150 mil euros. Em três minutos, o terreno rendeu mais do dobro.
Foi a esta segunda empresa, PCA, que António e Elisabeth compraram o terreno, como explica o advogado dos dois Luís Rosa: “os nossos clientes confiaram na fé publica do registo, foram comprar um terreno, deslocaram-se ao local, no local estava uma placa a dizer vende-se, foram à conservatória onde lhes foi dito que tudo estava em ordem e que por isso que n havia problema nenhum em assinarem a escritura e eles assinaram”.
Contactado pela SIC, Félix Amado não quis prestar declarações.
À Polícia Judiciária, o advogado justificou-se com as dificuldades financeiras que estaria a atravessar. Saiu da Ordem dos Advogados, onde já enfrentava uma acusação e propôs compensar os lesados e doar 1000 euros a uma instituição de solidariedade social.
Se for acusado no processo-crime, Félix Amado poderá ser condenado a uma pena que vai dos 2 aos 8 anos de prisão por burla qualificada. Um preço baixo para o casal lesado: “é um projecto de vida que vai por agua abaixo. Fizemos projectos, nomeadamente já tínhamos começado a fazer projecto para a casa e vemos que nada tem significado. Já entreguei o terreno às senhoras e as chaves, neste momento procuro ser ressarcido do valor que está em causa” afirma António.
O casal pede uma indemnização a Félix Amado mas também quer que a PCA, a empresa que lhes vendeu o terreno, lhes devolva os 165 mil euros, os cerca de 10 mil que pagaram de imposto de selo e os juros do empréstimo ao banco que continuam a pagar, além das custas judiciais que se encontram a pagar a prestações e a dobrar.
Para piorar o cenário António e Elisabete têm ainda de enfrentar outro processo referente aos verdadeiros proprietários que também querem que o casal seja julgado em Tribunal tal como o advogado e as duas empresas envolvidas no negócio.
http://sic.sapo.pt/online/video/informa ... -22104.htm
http://sic.sapo.pt/online/noticias/dinh ... +euros.htm