Fenicio Escreveu:mais_um, o grande, enorme, gigantesco e monstruoso problema que se levanta quando falamos em "fiscalização da imprensa" é que rapidamente associamos essa ideia à censura pura e dura.
Não é mesma coisa, censura é proibir antes de publicar, eu estou a referir é as consequências das notícias serem manipuladas ou falsas. Estava a pensar em algo semelhante ao que a Razão Pura descreveu.
Vou dar-te um exemplo muito simples, o CM publicou uma notícia sobre o Manuel Alegre, dizendo que ele recebia uma reforma de vários milhares de euros, por ter trabalhado apenas 4 meses na rádio pública. Apesar do Alegre desmentir, o CM continuou a insistir na notícia. O Alegre colocou o caso em tribunal e ganhou, na 1ª instância, na 2ª instância e no Supremo, a indemnização foi sendo aumentada sucessivamente de 10 mil € até 50 mil € (a noticia era falsa). A notícia foi publicada antes das eleições presidenciais, para mim com um objectivo obvio, denegrir o Manuel Alegre, passado 2 ou 3 anos ele recebe 50 mil € mas o estrago está feito, basta ver a quantidade de blogs que referem o assunto, até o The Mechanic, apesar de saber da historia ser falsa, tem no seu blog um comentário sobre o Manuel Alegre onde ironiza a situação e passo a citar: “E queria também trabalhar 4 meses na rádio estatal. Dava-me jeito.”
O crime compensou largamente, bastou 50 mil € para denegrir a imagem do Manuel Alegre. Quem ganhou com isso?
Ainda uma opinião de um jornalista sobre o tema e que vale a pena ler:
Qual o valor de notícia de uma notícia sobre fulano? Depende naturalmente do fulano e da notícia.
Veja-se o caso da polémica – “quentinha” – acerca da reforma de Manuel Alegre. O Correio da Manha vasculhou as listagens da Caixa Geral de Aposentações e descobriu que o deputado Manuel Alegre ia passar a receber uma pensão de três mil euros, parcialmente fundada nalguns meses que passou como director de programas da RDP.
O interessante nesta notícia (replicável em muitas outras) é o encadeamento do efeito multiplicador da relevência pública da mesma. Como este search no Google News demonstra, o “foco” inicial da informação, no Correio da Manha, deu origem a várias notícias noutros meios, verdade seja dita, todos impecavelmente citadores da fonte inicial: Diário Digital, Portugal Diário, TSF Online, Publico.pt, SIC e TVI. Pode-se argumentar que o Correio da Manha é o jornal que mais vende em Portugal e portanto não carece de mais para dar relevância pública a uma notícia, mas ainda assim é inegável que a citação de uns pelos outros aumenta e multiplica essa relevância. É esse efeito multiplicador que verdadeiramente coloca uma notícia no topo da agenda, onde não chegaria se continuasse a ser apenas uma notícia do Correio da Manha.
Depois, o que acontece normalmente é que, a existirem negações ou informações adicionais, elas ou não são noticiadas ou são-no menos vezes e com menos efeito multiplicador (com muito menor “orquestração”). Segundo o mesmo search, apenas TVI, TSF Online e Portugal Diário deram a notícia em que o deputado nega as acusações e fazem-no de uma forma mais espaçada no tempo, menos “orquestrada” (uma abordagem mais “científica” carece de um registo mais preciso). Por outro lado, a hora do dia em que as coisas são noticiadas também influi na sua relevância pública. Neste caso em concreto, na minha redacção discutiu-se informalmente o assunto (com as opiniões a formarem-se quase integralmente contra o deputado) logo pela manhã, quando a notícia do Correio da Manha foi reproduzida noutros meios mais imediatos, nomeadamente online. Mas, à tarde, as negações do deputado passaram quase integralmente “ao lado” da “agenda” das pessoas.
Claro que este é um comportamento típico de uma comunidade profissional fortemente ligada nos meios online; o comportamentro será diferente no caso do grande público, para o qual é a televisão, à noite ou durante a hora de almoço, que estabelece a “agenda” do dia e assim constrói a relevência pública de uma notícia. Acontece que, em boa parte, essa “agenda” é determinada por “o que está a dar”, ou seja, o que o conjunto de meios foi noticiando ao longo do dia. Neste caso em particular, a polémica Manuel Alegre tem todos os condimentos – intrínsecos e extrínsecos – para – aposto – fazer boa parte dos noticiários televisivos de aqui a pouco. Os condimentos intrínsecos são a reforma milionária de um deputado no quadro do emagrecimento do orçamento do Estado e das famílias – isso por si só já é notícia. Os condimentos extrínsecos são a multiplicação da informação em diversos meios: isso, por si só, embora sem qualquer relação com o valor intrínseco da notícia, constitui um factor que leva as televisões a pegar no tema e multiplicar ainda mais a sua relevância pública. Ou seja, os factores extrínsecos à notícia não vivem sem ela, mas podem multiplicá-la muito para além do que ela “merece”
Penso que foi isso que aconteceu neste caso. Independentemente que ser legal ou ilegal, certa ou errada, justa ou injusta (essa é outra questão), a reforma do deputado Manuel Alegre seria, quando muito, uma boa (má…) notícia de segundo nível. Mas não seria um tema do topo da agenda, capaz de fazer manchetes ou abrir telejornais. Catapultou-se ao topo da agenda por mero efeito multiplicador do funcionamento dos media.
Se pensarmos que esta é uma notícia na primeira pessoa (não é uma estatística, não é um grupo de deputados, não é um esquema repetido, é apenas um caso) vemos até que ponto este efeito pode ser susceptível de manipulação. Basta que a informação seja libertada no momento certo ao jornal certo para que se crie uma cadeia multiplicadora que a coloca no topo da agenda e com muito mais relevância pública do que teria em condições normais ou, mais importante, do que merecia em condições normais (repito: independentemente dos factos em concreto deste caso). As notícias fulanizadas são particularmente susceptíveis a este tipo de manipulação e a defesa delas torna-se especialmente difícil.
Fenicio Escreveu:Em última instância, quem é que garante que um tal órgão de fiscalização da imprensa é de facto idóneo ou que não está "preso" a nenhum partido político?
Ninguém garante, nem aqui nem em nenhuma parte do mundo, todas as pessoas tem preferências partidárias, umas mais fortes outras mais ténues, depois há todo um jogo de interesses que não tem a ver com politica, basta ver o que se passa no mundo do futebol.
Para mim não há pessoas 100% isentas, quando muito existem pessoas que tentam ser 100% isentas.
Fenicio Escreveu:Imagina, por um momento, que o presidente de um hipotético órgão de fiscalização da imprensa portuguesa é ligado ao PS. Quem é que garante que esse órgão não irá, sob a escusa de "fiscalizar e garantir a precisão das notícias", censurar as críticas ao governo?
Isso existe em todos os órgãos de fiscalização que são públicos (Estado), ao serem nomeados pelo governo ou pela a assembleia da república, aqui e nos restantes países ocidentais.
Fenicio Escreveu:Estás a perceber a minha ideia?
Sim estou
