Entrevista com João Salgueiro (TGV e outras cenas)
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Entrevista com João Salgueiro (TGV e outras cenas)
"É inaceitável. Ninguém vai de TGV para Paris"
por João Marcelino (DN) e Paulo Baldaia (TSF)Hoje14 comentários
O economista foi ministro das Finanças de Pinto Balsemão, mas o percurso político foi alterado quando perdeu contra Cavaco Silva o congresso do PSD da Figueira da Foz. Nas últimas semanas foi conselheiro do Presidente da República e lançou alertas
Depois de uma audiência com o Presidente da República, considerou que o primeiro-ministro vinha fazendo um discurso cor--de-rosa. Após os avisos das agências de rating, e com este processo de negociação com os partidos para aprovar o Orçamento, o discurso está a mudar?
Acho que houve alguma mudança. Foram os avisos, foram opiniões de analistas portugueses que se tornaram cada vez mais unânimes e ajudou muito o exemplo da Grécia. Chegou-se à conclusão de que uma ruptura tem custos muito maiores do que tomar medidas a tempo. Nós, aliás, tínhamos tido um exemplo dramático do que custa não tomar as medidas a tempo, como foi a descolonização: quando não se preparou a descolonização, não se quis preparar uma evolução e tivemos uma ruptura. É o que está a acontecer na Grécia. Um exemplo alternativo bom é o da Irlanda, que quando chega à conclusão - esta é a segunda vez que o faz - que tem de tomar medidas, toma-as num prazo curto. Nós andamos a consolidar as finanças públicas há uma década e é sempre um sacrifício para os portugueses, porque nunca mais a economia arranca, estamos sempre a travar para ver se consolidamos as finanças públicas. É o problema de ir a um operador que extrai o que tem de extrair - seja um abcesso, seja um traumatismo, seja um cancro - ou andar a tomar umas pastilhas para ver se a coisa reduz.
Dizia também que Governo e oposição tinham de racionalizar o discurso político. Tendo em conta as propostas de cada um a propósito do Orçamento, quem está mais consciente da realidade: a oposição ou o Governo?
Podem estar todos. O problema é que há uma distância entre o que as pessoas sabem e o que dizem. Porque temos uma cultura com vícios, o que, aliás, todos sabemos isso vê-se muito bem no desporto - os vários insucessos que se têm porque as pessoas não querem encarar os problemas a tempo. E uma diferença nas últimas décadas foi a maneira como o FC Porto encarou o problema, que conseguiu introduzir algum profissionalismo onde outros clubes não têm conseguido.
É assim com o Governo mas também com a oposição?
É com todos, mesmo em casa das pessoas. Acho que os pais divorciados são particularmente vulneráveis a este género de coisas, porque andam a conquistar as simpatias dos filhos e cada um quer ser mais simpático. É o que acontece com os partidos: querem dar boas notícias, fazer promessas... depois se cumprem ou não, logo se verá. Mas nós aceitamos que se ganhem eleições com programas que sabemos que não são para ser executados.
O acordo que o Governo e a oposição tentam alcançar para viabilizar o Orçamento é suficiente ou é preciso um acordo de legislatura para combater o défice e o endividamento externo?
Acho que um acordo é uma condição necessária, mas não é suficiente. Vamos começar pelo princípio: se tivermos um acordo que continue a não encarar os problemas do País de uma forma eficaz, não vai servir de muito.
E esses problemas são, sobretudo, dois: o défice das contas públicas e o endividamento externo. Ou há outro?
Há um antes desses, o mais importante, ando há anos a dizer isso.
A competitividade?
A competitividade. Nunca conseguiremos equilibrar as finanças públicas de forma duradoura se o País não produzir o necessário para aquilo que estamos a gastar.
Isso remete-nos também para a educação, para a formação. Demora mais tempo.
Remete também para isso no longo prazo, mas pode fazer-se muita coisa a curto prazo.
Por exemplo? Diminuir os custos de trabalho é uma medida pertinente?
A primeira coisa de que precisamos, seja qual for o acordo, é que se baseie num diagnóstico rigoroso da realidade. Não há médico que comece a prescrever remédios sem saber exactamente…
Falar verdade aos portugueses?
Falar verdade aos portugueses e falar verdade entre os próprios profissionais da política. Vimos que este ano, por exemplo, o défice das finanças públicas foi um drama até se perceber, mais ou menos, a dimensão que ia ter…
Foi escondido aos portugueses, tem essa opinião?
Ou foi escondido, ou não era conhecido, ou resvalou - não sei qual foi a razão. O que sabemos é que têm vindo a ser revistas as previsões, o que deixou ficar alguma suspeita. Não tenho noção se foi escondido ou não, mas o que deixou uma suspeita foi o facto de várias agências internacionais dizerem que o défice ia ser maior e nós estarmos convencidos de que não. O problema é termos uma noção clara de onde estamos e dos desafios que temos. Não podemos continuar a dizer que estamos a fazer uma economia moderna. Vejo pela Universidade do Minho, onde estou. É uma das três ou quatro universidades que estão a contribuir para o avanço tecnológico: há mais de uma dezena de empresas tecnológicas criadas perto da universidade. Mas isso não tem massa crítica, todas somadas farão 200 empregos, talvez. Fecha uma têxtil e são logo 400 ou 500, e fecharam muitas têxteis...
Para sermos competitivos, só reduzindo os custos do trabalho…
E os desperdícios do Estado, por exemplo! Há muito desperdício do Estado.
Mas como é que se corta na despesa pública sem pôr em causa a saúde e a educação, que levam a maior parte do Orçamento?
Da última vez que se falou na necessidade de melhorar a educação, disse-se que era preciso gastar mais dinheiro. Não é uma atitude. Precisamos é de resultados. E temos de ter uma avaliação mais sistemática. Façamos uma lista dos projectos de investimento público que são adjudicados por um valor e depois há sobrecustos. Lembra-se de todos esses casos? Obras planeadas, em vez de ser para os próximos dez anos, 30 ou 40, e que não eram precisas: o plano de rega do Alentejo, que é um folhetim que não acabou temos agora água e não está a ser utilizada. Dêmos uma volta pelo País e vejamos a série de rotundas, de palmeiras plantadas nos últimos tempos. Não digo que não seja positivo, mas não é essencial!
Qual é a sua posição face às grandes obras, como o TGV, o aeroporto?
São despesas que o País não devia assumir nesta altura. Cada vez mais as pessoas têm essa noção.
Temos um problema grave de défice, mas o TGV não irá custar muito dinheiro em 2010 ou 2011. No futuro, obviamente que nos estamos a comprometer …
Desde que tomemos a decisão e assinemos o contrato, estamos comprometidos. E alguém vai ter de pagar.
Acha que se devia fazer mas deixar resvalar os prazos?
Não. Acho que devia ser avaliado se o que está a dizer-se é verdade, se vai custar só aquilo e quais os efeitos a longo prazo.
Mas, no caso do aeroporto, anda a discutir-se há dezenas de anos.
Esse é um excelente exemplo! Com certeza que é prioritário o aeroporto em relação ao TGV, não tenho dúvida nenhuma. Agora, mesmo o aeroporto teve um excelente exemplo: tinha de ser na Ota, foi garantido que era lá e com o acordo de vários governos. De repente, percebe-se que a Ota era um desastre. Que garantia é que há que outras decisões não sejam tomadas da mesma maneira? Não sei se já veio a conduzir de Espanha para Portugal: vêm os automóveis portugueses à nossa frente até Elvas; até Elvas portam-se bem, a partir de Elvas ninguém mais respeita os limites de velocidade.
José Sócrates diz que a prioridade deve ser o crescimento económico e a criação de emprego. Isso é incompatível com a correcção do défice, que o senhor acha que é fundamental para a economia e para as finanças de Portugal?
Penso que já não sou só eu - o País cada vez está mais convencido disso. Acho que é possível, sim, senhor. O Estado não tem a noção do que pode ou não gastar. Há muita coisa que não é essencial. Citou exemplos de investimentos não essenciais e continuam programados. Há semanas foi decidido o primeiro troço do TGV Lisboa--Madrid e com uma justificação que acho inaceitável: que é para ligar Portugal à Europa. Quem é que vai para Paris, Bruxelas ou Berlim de TGV? Ninguém vai!
E mesmo para Espanha, não se vai de TGV para Vigo, para Sevilha, para Bilbau ou para Valência. É Lisboa-Madrid que está em causa, se esse projecto se justificar é pela ligação Lisboa-Madrid.
Chega um acordo para este Orçamento ou é desejável um acordo para a legislatura?
Essa era a terceira questão, porque a primeira é ter um diagnóstico, a segunda é decidir o que vai fazer-se com base em prioridades que sejam justificadas e a terceira é ter a noção de que há coisas que são imediatas. Não se deve dizer que nada se pode fazer a curto prazo: há muita coisa a fazer. Mas também temos de ter a noção de que há decisões que só produzem efeito no médio prazo. Obviamente, se quiser um exemplo futebolístico, é preciso disciplinar o balneário, mas também criar uma academia para os juniores e os infantis. Nós temos de saber o que fazer a curto prazo, não continuar a aceitar decisões que são injustificadas. Mas há duas que acho que têm efeito a longo e a curto prazo: a educação, mas, antes dessa, a justiça. Porque os comportamentos das pessoas são muito afectados pela probabilidade de terem consequências.
O Pacto de Estabilidade não existe para que em momentos de crise os Estados possam investir? Não era para agora podermos gastar dinheiro e ajudar a economia a recuperar?
A teoria do Keynes tem várias condicionantes para ser verdadeira e uma delas é que o País tenha a dimensão necessária. Porque nós fazemos o TGV, ou fazíamos o aeroporto. Qual é a percentagem que fica em Portugal dessa despesa? E em que prazos? Temos uma grande parte de desemprego feminino, por exemplo, de fábricas que fecharam. Algumas dessas pessoas afectadas vão ser melhoradas pelas obras públicas? Não! Houve tempos em que havia uma comissão chamada Desemprego no Alentejo, em que havia uma lista de pequenas obras necessárias que podiam ser lançadas em qualquer momento: por exemplo, limpar os rios, cortar o mato nas florestas, recuperar alguns edifícios… E, quando havia ameaça de desemprego agrícola, lançavam-se essas pequenas obras! Nós, neste momento, devíamos ter uma lista…
Fizemos obras nas escolas...
Isso é positivo, claro que sim, aí ninguém discordou. Mas foi feito já sob pressão. E de trabalho feminino não se criaram muitas oportunidades ainda, talvez agora se comece, mas isso devia ser a primeira prioridade.
Olhar mais para o pequeno e menos para o grande?
Olhar mais para a realidade dos desempregados e das obras necessárias, não estar com sonhos.
Que nota lhe merece o ministro das Finanças?
O ministro das Finanças é um técnico competente e foi um académico com credenciais reconhecidas. Penso que não tem o poder suficiente que os ministros das Finanças deviam ter. Quem determina a lógica financeira tem de ter mais poder, porque senão vai repercutir-se sobre os impostos…
E quando é que percebeu que Teixeira dos Santos não tinha o poder que devia ter?
Logo na altura da posse. O apoio que ele deu, sem pedir os dossiers, às grandes obras públicas. Obviamente, era a política do Governo, mas não era necessariamente a do ministro das Finanças.
Vítor Constâncio já abordou a inevitabilidade de um aumento de impostos. Esta semana, o FMI veio dizer o mesmo. Acha inevitável esse aumento, à revelia das promessas eleitorais do PS?
Posso admitir que seja inevitável depois de estar feita a análise geral. A primeira coisa é vermos que desperdícios podem ser evitados e ninguém sabe quais são. Há um trabalho notável que o BPI publicou há dias sobre a dívida paralela, que extravasa a administração pública. O Estado devia ter isso e devia ter publicado já isso, porque está a tomar decisões sem ter o volume da dívida que estamos a acumular. Que seja um banco privado a fazer isso… É um pouco como o caso da Ota: fica-se com a sensação de que o trabalho de casa não está feito.
A Irlanda reduziu os salários dos políticos em 15% e 20%, e em 10% os dos funcionários públicos. É possível e desejável que se pense nisso em Portugal?
Acho que isto precisa de uma análise sistémica, como se costuma dizer. Precisamos de ter a dimensão do problema antes de começar a opinar sobre as soluções, e a primeira medida a tomar é acabar com o excesso de despesa pública, porque é isso que se traduz em aumento de impostos. Temos uma carga fiscal maior do que Espanha, o que não é aceitável porque temos um nível de desenvolvimento pior. Se precisamos de encarar os problemas, temos de os hierarquizar e, para mim, o maior problema, neste momento, é o desemprego. São recursos desaproveitados, o único que temos é o factor humano, não temos recursos naturais, não temos dimensão…
Mas aí coincide com o Governo, que também diz que o combate ao desemprego…
Coincide, mas não coincide depois na terapêutica, e isso é que é o importante! O Governo diz que é preciso criar mais empregos e vai criá-los? Isso foi o que se fez nas últimas décadas, criar empregos baseados na despesa pública. Quem vai criar mais empregos só pode ser o sector produtivo. Aquilo que permite produzir mais e o factor mais escasso que temos é a vontade empresarial. Como é que se vão criar mais iniciativas empresariais em Portugal? Desafio qualquer pessoa a fazer o exercício: como é que se convence um empresário português ou estrangeiro a investir em Portugal, com o quadro que temos aqui? Ele vai comparar as oportunidades em Portugal com as que tem em Espanha, na Holanda, na Bulgária, na Ásia, no Brasil.
Estamos a falar de leis laborais?
Estamos a falar do conjunto! Porque a decisão é tomada por um conjunto. Quando a pessoa vai passar férias não pergunta só se o hotel é bom, mas se está perto da praia, quanto custa, a que distância está. O IVA é mais caro, a gasolina é mais cara do que em Espanha, porque fizemos despesas que têm depois de ser pagas pelo Estado, e como este não produz dinheiro tem de ir cobrá-lo a alguém. Devíamos ter na primeira linha das nossas preocupações encorajar o investimento produtivo em Portugal e não é isso que se tem feito.
Em relação à possibilidade de, em Portugal, se reduzirem vencimentos como ataque à crise...
Feito o diagnóstico e a sua dimensão…
Podemos chegar aí?
Podemos chegar aí! Eu não começaria por aí, como não começaria por saber se temos de aumentar os impostos, mas são instrumentos que não podemos recusar à partida, porque, se forem necessários, é como a técnica operatória: se o médico achar que tem de operar, tem de fazê-lo! Agora, não deve ser a primeira preocupação. Ninguém vai ao médico que tem a mania de abrir o paciente.
http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/discur ... id=1477651
por João Marcelino (DN) e Paulo Baldaia (TSF)Hoje14 comentários
O economista foi ministro das Finanças de Pinto Balsemão, mas o percurso político foi alterado quando perdeu contra Cavaco Silva o congresso do PSD da Figueira da Foz. Nas últimas semanas foi conselheiro do Presidente da República e lançou alertas
Depois de uma audiência com o Presidente da República, considerou que o primeiro-ministro vinha fazendo um discurso cor--de-rosa. Após os avisos das agências de rating, e com este processo de negociação com os partidos para aprovar o Orçamento, o discurso está a mudar?
Acho que houve alguma mudança. Foram os avisos, foram opiniões de analistas portugueses que se tornaram cada vez mais unânimes e ajudou muito o exemplo da Grécia. Chegou-se à conclusão de que uma ruptura tem custos muito maiores do que tomar medidas a tempo. Nós, aliás, tínhamos tido um exemplo dramático do que custa não tomar as medidas a tempo, como foi a descolonização: quando não se preparou a descolonização, não se quis preparar uma evolução e tivemos uma ruptura. É o que está a acontecer na Grécia. Um exemplo alternativo bom é o da Irlanda, que quando chega à conclusão - esta é a segunda vez que o faz - que tem de tomar medidas, toma-as num prazo curto. Nós andamos a consolidar as finanças públicas há uma década e é sempre um sacrifício para os portugueses, porque nunca mais a economia arranca, estamos sempre a travar para ver se consolidamos as finanças públicas. É o problema de ir a um operador que extrai o que tem de extrair - seja um abcesso, seja um traumatismo, seja um cancro - ou andar a tomar umas pastilhas para ver se a coisa reduz.
Dizia também que Governo e oposição tinham de racionalizar o discurso político. Tendo em conta as propostas de cada um a propósito do Orçamento, quem está mais consciente da realidade: a oposição ou o Governo?
Podem estar todos. O problema é que há uma distância entre o que as pessoas sabem e o que dizem. Porque temos uma cultura com vícios, o que, aliás, todos sabemos isso vê-se muito bem no desporto - os vários insucessos que se têm porque as pessoas não querem encarar os problemas a tempo. E uma diferença nas últimas décadas foi a maneira como o FC Porto encarou o problema, que conseguiu introduzir algum profissionalismo onde outros clubes não têm conseguido.
É assim com o Governo mas também com a oposição?
É com todos, mesmo em casa das pessoas. Acho que os pais divorciados são particularmente vulneráveis a este género de coisas, porque andam a conquistar as simpatias dos filhos e cada um quer ser mais simpático. É o que acontece com os partidos: querem dar boas notícias, fazer promessas... depois se cumprem ou não, logo se verá. Mas nós aceitamos que se ganhem eleições com programas que sabemos que não são para ser executados.
O acordo que o Governo e a oposição tentam alcançar para viabilizar o Orçamento é suficiente ou é preciso um acordo de legislatura para combater o défice e o endividamento externo?
Acho que um acordo é uma condição necessária, mas não é suficiente. Vamos começar pelo princípio: se tivermos um acordo que continue a não encarar os problemas do País de uma forma eficaz, não vai servir de muito.
E esses problemas são, sobretudo, dois: o défice das contas públicas e o endividamento externo. Ou há outro?
Há um antes desses, o mais importante, ando há anos a dizer isso.
A competitividade?
A competitividade. Nunca conseguiremos equilibrar as finanças públicas de forma duradoura se o País não produzir o necessário para aquilo que estamos a gastar.
Isso remete-nos também para a educação, para a formação. Demora mais tempo.
Remete também para isso no longo prazo, mas pode fazer-se muita coisa a curto prazo.
Por exemplo? Diminuir os custos de trabalho é uma medida pertinente?
A primeira coisa de que precisamos, seja qual for o acordo, é que se baseie num diagnóstico rigoroso da realidade. Não há médico que comece a prescrever remédios sem saber exactamente…
Falar verdade aos portugueses?
Falar verdade aos portugueses e falar verdade entre os próprios profissionais da política. Vimos que este ano, por exemplo, o défice das finanças públicas foi um drama até se perceber, mais ou menos, a dimensão que ia ter…
Foi escondido aos portugueses, tem essa opinião?
Ou foi escondido, ou não era conhecido, ou resvalou - não sei qual foi a razão. O que sabemos é que têm vindo a ser revistas as previsões, o que deixou ficar alguma suspeita. Não tenho noção se foi escondido ou não, mas o que deixou uma suspeita foi o facto de várias agências internacionais dizerem que o défice ia ser maior e nós estarmos convencidos de que não. O problema é termos uma noção clara de onde estamos e dos desafios que temos. Não podemos continuar a dizer que estamos a fazer uma economia moderna. Vejo pela Universidade do Minho, onde estou. É uma das três ou quatro universidades que estão a contribuir para o avanço tecnológico: há mais de uma dezena de empresas tecnológicas criadas perto da universidade. Mas isso não tem massa crítica, todas somadas farão 200 empregos, talvez. Fecha uma têxtil e são logo 400 ou 500, e fecharam muitas têxteis...
Para sermos competitivos, só reduzindo os custos do trabalho…
E os desperdícios do Estado, por exemplo! Há muito desperdício do Estado.
Mas como é que se corta na despesa pública sem pôr em causa a saúde e a educação, que levam a maior parte do Orçamento?
Da última vez que se falou na necessidade de melhorar a educação, disse-se que era preciso gastar mais dinheiro. Não é uma atitude. Precisamos é de resultados. E temos de ter uma avaliação mais sistemática. Façamos uma lista dos projectos de investimento público que são adjudicados por um valor e depois há sobrecustos. Lembra-se de todos esses casos? Obras planeadas, em vez de ser para os próximos dez anos, 30 ou 40, e que não eram precisas: o plano de rega do Alentejo, que é um folhetim que não acabou temos agora água e não está a ser utilizada. Dêmos uma volta pelo País e vejamos a série de rotundas, de palmeiras plantadas nos últimos tempos. Não digo que não seja positivo, mas não é essencial!
Qual é a sua posição face às grandes obras, como o TGV, o aeroporto?
São despesas que o País não devia assumir nesta altura. Cada vez mais as pessoas têm essa noção.
Temos um problema grave de défice, mas o TGV não irá custar muito dinheiro em 2010 ou 2011. No futuro, obviamente que nos estamos a comprometer …
Desde que tomemos a decisão e assinemos o contrato, estamos comprometidos. E alguém vai ter de pagar.
Acha que se devia fazer mas deixar resvalar os prazos?
Não. Acho que devia ser avaliado se o que está a dizer-se é verdade, se vai custar só aquilo e quais os efeitos a longo prazo.
Mas, no caso do aeroporto, anda a discutir-se há dezenas de anos.
Esse é um excelente exemplo! Com certeza que é prioritário o aeroporto em relação ao TGV, não tenho dúvida nenhuma. Agora, mesmo o aeroporto teve um excelente exemplo: tinha de ser na Ota, foi garantido que era lá e com o acordo de vários governos. De repente, percebe-se que a Ota era um desastre. Que garantia é que há que outras decisões não sejam tomadas da mesma maneira? Não sei se já veio a conduzir de Espanha para Portugal: vêm os automóveis portugueses à nossa frente até Elvas; até Elvas portam-se bem, a partir de Elvas ninguém mais respeita os limites de velocidade.
José Sócrates diz que a prioridade deve ser o crescimento económico e a criação de emprego. Isso é incompatível com a correcção do défice, que o senhor acha que é fundamental para a economia e para as finanças de Portugal?
Penso que já não sou só eu - o País cada vez está mais convencido disso. Acho que é possível, sim, senhor. O Estado não tem a noção do que pode ou não gastar. Há muita coisa que não é essencial. Citou exemplos de investimentos não essenciais e continuam programados. Há semanas foi decidido o primeiro troço do TGV Lisboa--Madrid e com uma justificação que acho inaceitável: que é para ligar Portugal à Europa. Quem é que vai para Paris, Bruxelas ou Berlim de TGV? Ninguém vai!
E mesmo para Espanha, não se vai de TGV para Vigo, para Sevilha, para Bilbau ou para Valência. É Lisboa-Madrid que está em causa, se esse projecto se justificar é pela ligação Lisboa-Madrid.
Chega um acordo para este Orçamento ou é desejável um acordo para a legislatura?
Essa era a terceira questão, porque a primeira é ter um diagnóstico, a segunda é decidir o que vai fazer-se com base em prioridades que sejam justificadas e a terceira é ter a noção de que há coisas que são imediatas. Não se deve dizer que nada se pode fazer a curto prazo: há muita coisa a fazer. Mas também temos de ter a noção de que há decisões que só produzem efeito no médio prazo. Obviamente, se quiser um exemplo futebolístico, é preciso disciplinar o balneário, mas também criar uma academia para os juniores e os infantis. Nós temos de saber o que fazer a curto prazo, não continuar a aceitar decisões que são injustificadas. Mas há duas que acho que têm efeito a longo e a curto prazo: a educação, mas, antes dessa, a justiça. Porque os comportamentos das pessoas são muito afectados pela probabilidade de terem consequências.
O Pacto de Estabilidade não existe para que em momentos de crise os Estados possam investir? Não era para agora podermos gastar dinheiro e ajudar a economia a recuperar?
A teoria do Keynes tem várias condicionantes para ser verdadeira e uma delas é que o País tenha a dimensão necessária. Porque nós fazemos o TGV, ou fazíamos o aeroporto. Qual é a percentagem que fica em Portugal dessa despesa? E em que prazos? Temos uma grande parte de desemprego feminino, por exemplo, de fábricas que fecharam. Algumas dessas pessoas afectadas vão ser melhoradas pelas obras públicas? Não! Houve tempos em que havia uma comissão chamada Desemprego no Alentejo, em que havia uma lista de pequenas obras necessárias que podiam ser lançadas em qualquer momento: por exemplo, limpar os rios, cortar o mato nas florestas, recuperar alguns edifícios… E, quando havia ameaça de desemprego agrícola, lançavam-se essas pequenas obras! Nós, neste momento, devíamos ter uma lista…
Fizemos obras nas escolas...
Isso é positivo, claro que sim, aí ninguém discordou. Mas foi feito já sob pressão. E de trabalho feminino não se criaram muitas oportunidades ainda, talvez agora se comece, mas isso devia ser a primeira prioridade.
Olhar mais para o pequeno e menos para o grande?
Olhar mais para a realidade dos desempregados e das obras necessárias, não estar com sonhos.
Que nota lhe merece o ministro das Finanças?
O ministro das Finanças é um técnico competente e foi um académico com credenciais reconhecidas. Penso que não tem o poder suficiente que os ministros das Finanças deviam ter. Quem determina a lógica financeira tem de ter mais poder, porque senão vai repercutir-se sobre os impostos…
E quando é que percebeu que Teixeira dos Santos não tinha o poder que devia ter?
Logo na altura da posse. O apoio que ele deu, sem pedir os dossiers, às grandes obras públicas. Obviamente, era a política do Governo, mas não era necessariamente a do ministro das Finanças.
Vítor Constâncio já abordou a inevitabilidade de um aumento de impostos. Esta semana, o FMI veio dizer o mesmo. Acha inevitável esse aumento, à revelia das promessas eleitorais do PS?
Posso admitir que seja inevitável depois de estar feita a análise geral. A primeira coisa é vermos que desperdícios podem ser evitados e ninguém sabe quais são. Há um trabalho notável que o BPI publicou há dias sobre a dívida paralela, que extravasa a administração pública. O Estado devia ter isso e devia ter publicado já isso, porque está a tomar decisões sem ter o volume da dívida que estamos a acumular. Que seja um banco privado a fazer isso… É um pouco como o caso da Ota: fica-se com a sensação de que o trabalho de casa não está feito.
A Irlanda reduziu os salários dos políticos em 15% e 20%, e em 10% os dos funcionários públicos. É possível e desejável que se pense nisso em Portugal?
Acho que isto precisa de uma análise sistémica, como se costuma dizer. Precisamos de ter a dimensão do problema antes de começar a opinar sobre as soluções, e a primeira medida a tomar é acabar com o excesso de despesa pública, porque é isso que se traduz em aumento de impostos. Temos uma carga fiscal maior do que Espanha, o que não é aceitável porque temos um nível de desenvolvimento pior. Se precisamos de encarar os problemas, temos de os hierarquizar e, para mim, o maior problema, neste momento, é o desemprego. São recursos desaproveitados, o único que temos é o factor humano, não temos recursos naturais, não temos dimensão…
Mas aí coincide com o Governo, que também diz que o combate ao desemprego…
Coincide, mas não coincide depois na terapêutica, e isso é que é o importante! O Governo diz que é preciso criar mais empregos e vai criá-los? Isso foi o que se fez nas últimas décadas, criar empregos baseados na despesa pública. Quem vai criar mais empregos só pode ser o sector produtivo. Aquilo que permite produzir mais e o factor mais escasso que temos é a vontade empresarial. Como é que se vão criar mais iniciativas empresariais em Portugal? Desafio qualquer pessoa a fazer o exercício: como é que se convence um empresário português ou estrangeiro a investir em Portugal, com o quadro que temos aqui? Ele vai comparar as oportunidades em Portugal com as que tem em Espanha, na Holanda, na Bulgária, na Ásia, no Brasil.
Estamos a falar de leis laborais?
Estamos a falar do conjunto! Porque a decisão é tomada por um conjunto. Quando a pessoa vai passar férias não pergunta só se o hotel é bom, mas se está perto da praia, quanto custa, a que distância está. O IVA é mais caro, a gasolina é mais cara do que em Espanha, porque fizemos despesas que têm depois de ser pagas pelo Estado, e como este não produz dinheiro tem de ir cobrá-lo a alguém. Devíamos ter na primeira linha das nossas preocupações encorajar o investimento produtivo em Portugal e não é isso que se tem feito.
Em relação à possibilidade de, em Portugal, se reduzirem vencimentos como ataque à crise...
Feito o diagnóstico e a sua dimensão…
Podemos chegar aí?
Podemos chegar aí! Eu não começaria por aí, como não começaria por saber se temos de aumentar os impostos, mas são instrumentos que não podemos recusar à partida, porque, se forem necessários, é como a técnica operatória: se o médico achar que tem de operar, tem de fazê-lo! Agora, não deve ser a primeira preocupação. Ninguém vai ao médico que tem a mania de abrir o paciente.
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