Off topic - as tropas portuguesas no Afeganistão

Desculpem mais este off topic, mas como normalmente só colocam aqui off topics em que somos noticia pela negativa,

Expresso no Afeganistão
Os bravos primos de Cabul
As tropas portuguesas adaptaram-se ao Afeganistão e tornaram-se populares. Há soldados que deixaram crescer a barba e outros, como o caso de um primo de Luís Amado, que ganharam o respeito dos oficiais afegãos. (com fotogaleria)
Micael Pereira, em Cabul
13:01 Terça-feira, 7 de Jul de 2009
Aos poucos, as caras dos militares em missão aqui em Cabul vão-se tornando familiares. Ontem, depois de um fim-de-semana a dormir no aquartelamento de KAIA-Sul, junto ao aeroporto internacional, voltei a Camp Warehouse, onde os portugueses se tornaram populares entre as outras tropas, pela sua atitude aberta e descontraída.
Camp Warehouse é um dos principais aquartelamentos da NATO no Afeganistão. O país, que tem neste momento quase 100 mil soldados deslocados da América, da Europa e da Austrália, está dividido em cinco regiões militares: norte, sul, oeste, este e a capital. O Comando Regional da Capital tem o seu quartel-general precisamente em Camp Warehouse, a 12 quilómetros do centro da cidade, e é coordenado pelos franceses, que em Novembro vão passar o testemunho às tropas turcas.
O velho armazém onde estão alojados 57 dos 67 homens dos três ramos das forças armadas em Camp Warehouse não tem as condições dos contentores de KAIA-Sul, onde há mais 16 portugueses, mas o ambiente é de grande camaradagem e a comida é boa (hoje havia borrego e arroz de feijão ao almoço).
Um bar concorrido
A missão tem, além disso, um trunfo: aquele que é provavelmente o melhor bar do aquartelamento, um edifício à parte, do outro lado da rua principal e construído de raiz em tijolo burro, onde a cerveja é vendida a 60 cêntimos. Simplesmente conhecido como o bar de Portugal, foi herdado em 2005 das tropas espanholas e está bem arranjado, com um antigo autocarro transformado numa zona de sofás.
Apesar de estar associado a um acontecimento trágico (mais de 60 espanhóis que cá estavam morreram ao regressar a casa, quando o Hércules C-130 em que seguiam se despenhou na Turquia), o bar é procurado por tropas de outros países, que preferem vir aqui passar uma ou duas horas depois do jantar, em vez de ficarem fechados nos seus redutos. Todas as noites aparece um punhado de legionários franceses, trazidos pelos seus colegas que são filhos de imigrantes portugueses.
Há claramente dois tipos de homens entre as tropas portuguesas no Afeganistão: os mais velhos e experientes (o ajudante António Sousa já está na sua quinta missão no país, desde 2005, por exemplo) e os mais novos e aguerridos, quase todos eles Comandos.
Comandos barbudos
É interessante ver as diferenças. Os Comandos tomam conta, na prática, da protection force da unidade. Meia dúzia deles não fazem a barba há dois ou três meses e vão ficando parecidos com os afegãos. Estão a adaptar-se ao território e o aspecto faz parte dessa adaptação, lembrando as longas barbas que os navegadores portugueses usavam nos séculos XV e XVI quando vieram para a Ásia.
São eles que andam com os Hummers comprados aos americanos sempre que é preciso sair para qualquer lado. Cada Hummer tem uma equipa mínima de quatro homens, armados com as míticas metralhadoras G3: o condutor, o apontador (que vai no tejadilho de arma pronta a disparar), um operacional preparado para sair a qualquer momento e um chefe de viatura, que coordena e dá as ordens.
Tenho assistido aos briefings de planeamento dados pelos sargentos Costa (baixo e sólido) e Castro (alto e esguio) e as viagens são planeadas ao detalhe: além do percurso a fazer, são estudadas alternativas no caso de acontecer algum imprevisto, e faz-se o relato das últimas ameaças de ataques bombistas fornecidas pelos serviços de informação da ISAF (nome que a NATO deu à força multinacional no Afeganistão).
Pilotos de rali
Na meia dúzia de viagens que já fiz com os Comandos, noto que têm uma condução agressiva, não deixando que nenhum carro civil se meta pelo meio ou se aproxime. Uma das técnicas mais mortíferas que os talibãs e outros insurgentes utilizam - o carro-bomba - só consegue ser evitada assim, com condutores capazes de fazer verdadeiras corridas de rali com veículos de combate.
"Os nossos rapazes têm um grande espírito de sacrifício, estão preparados para tudo e vão até onde for preciso", diz-me um dos oficiais. Alguns deles confessam que a vontade que tinham era estar neste momento no sul do país, nas províncias de Kandahar e Helmand, onde milhares de tropas americanas, inglesas e canadianas da coligação (uma estrutura paralela à ISAF) combatem na frente contra os talibãs.
Ontem, os rapazes receberam a visita do ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, que aterrou em KAIA para um périplo de poucas horas por Cabul. A seguir a um almoço com o seu congénere afegão e de reuniões com o representante especial da ONU e o delegado da União Europeia, Amado fez questão de vir ao bar, surpreendendo as tropas com uma revelação: "Tenho um primo afastado entre vocês". Ninguém sabia.
Respeitados pelos afegãos
O homem em causa, o primeiro sargento dos Comandos Alexandre Rosa, é um dos homens mais experientes da missão, tendo estado em combate no sul em 2006, quando as forças especiais portuguesas tinham uma Quick Reaction Force (QRF) e chegaram a ter confrontos directos com os talibãs, perdendo um homem pelo caminho (o segundo cabo Roma Pereira, morto por uma bomba em 2005).
Actualmente afastado da frente da batalha, o sargento Rosa faz parte de um objectivo tão ou mais importante do que estar em Kandahar, dando formação a altas patentes da divisão de Cabul do exército afegão, que conta já com 600 homens e que nos últimos meses aprenderam a respeitar os seus mentores portugueses, pelo trato simples e próximo com que lidam com eles.
A estratégia definida por Barack Obama para a presença americana no território - e que se estende às outras forças da NATO - é reforçar a segurança no país enquanto o exército e a polícia afegã se preparam para tomarem conta, no futuro, do seu próprio país.
Com a perspectiva de uma duplicação de tropas portugueses nos próximos seis meses, Luís Amado partiu estendendo a sua relação familiar a todos os que cá estão, chamando-os a todos seus familiares também. E, de repente, os rapazes ganharam uma alcunha: os primos de Cabul.
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