01.07.2009 - 08h40´
Tavares Moreira diz que o Banco de Portugal não o tratou de "forma decente"
Tavares Moreira diz que a instituição liderada por Vítor Constâncio não ligou às provas que apresentou no processo em que foi acusado de alegada ocultação de verbas em sociedades offshore.
O Central Banco de Investimento, de que Tavares Moreira foi presidente, foi investigado pelo Banco de Portugal. O supervisor proibiu-o de exercer funções na banca, por sete anos, e aplicou-lhe uma multa de 180 mil euros. Tavares Moreira recorreu da decisão, mas em Julho de 2008 o Tribunal de Primeira Instância de Lisboa confirmaria a condenação. Volta a recorrer, agora, para a Relação, que já este ano anulou o acórdão proferido em primeira instância e manda repetir o julgamento. Mas o prazo está a terminar e a prescrição é o cenário mais provável.
Por que decidiu falar agora?
Sempre entendi que só devia falar publicamente quando o processo judicial estivesse encerrado ou em vias de o ser. Neste momento tenho a informação de que se encontra praticamente prescrito e pode mesmo ter acontecido que o prazo de prescrição tenha já decorrido. Falta ao tribunal declarar formalmente a prescrição. A situação é para mim inevitável. Chegou-se a um ponto em que não há decisão, porque há duas sentenças que se anulam.
Pode explicar?
Há uma sentença do tribunal de primeira instância que teve o resultado que é conhecido, a qual absolveu cinco acusados/recorrentes e manteve a decisão em relação aos restantes quatro. Penso que o critério da decisão teve a ver com a importância das pessoas e consideraram-me uma das mais importantes. É discutível, mas tenho que respeitar. Recorri da sentença para o Tribunal da Relação, que a anulou e mandou repetir o julgamento. Estamos sem sentença e sem tempo para um novo julgamento, que poderia dar lugar a uma nova sentença. Chegou o momento de dar público testemunho dos factos.
Daí a publicação do livro?
É um acto de defesa do direito ao bom-nome e reputação, supondo--se que o Estado deve garantir aos cidadãos esse direito. No meu caso concreto, foi o próprio Estado, devidamente organizado e aplicando recursos avultados, que tomou a iniciativa de ofender o direito ao meu bom-nome, honra e reputação. Portanto, sinto-mo na mais estrita obrigação de defender esse direito.
Está a referir-se ao BdP?
Sim.
Qualquer pessoa envolvida num processo desta natureza pode dizer o mesmo?
Falo em função daquilo que é o conhecimento que tenho da situação.
É uma vítima política...
... sou vítima em várias vertentes. No último capítulo do livro aponto essa conclusão, apresento factos, alguns dos quais ilustro com episódios passados com pessoas bem conhecidas, que me autorizaram a referir o seu nome e que confirmaram o texto. Os factos que relato são todos eles verificáveis e objectivos, até porque o BdP não me imputou quaisquer factos típicos, ilícitos e culposos que pudessem fundamentar a sua decisão. Continuo à procura de uma explicação para uma decisão que não aceito. Tinham de existir outros motivos.
Quais?
A minha perspectiva é a da defesa ao meu bom-nome. Quem ler o livro com atenção vai concluir que agi sempre com boa-fé, honra e com um propósito profissional sério e construtivo excedendo a minha obrigação.
Intitulou o seu livro Processo Indecente. Onde está a indecência?
A expressão está na linha final do livro e é uma expressão branda para a forma como fui tratado, especialmente por parte do BdP, que não teve nada de decente. Fui ouvido mas o BdP não quis saber das provas que apresentei. Todo o esquema acusatório baseia-se numa ideia de um plano concertado que desconheço. Não sei aonde foram buscar a ideia. Nunca tive qualquer reunião, nunca tive nenhuma conversa sobre esse plano, não existe nenhum documento em que esse plano esteja referido. Como é que me podem imputar a qualidade de participante decisivo em tal "plano", se é que existiu?
O BdP fala em manipulação de mercado...
Seriam consequências desse plano concertado.
Mas não nega que os factos tenham existido?
Não vou negar coisas que desconheço.
O BdP agiu com incompetência e má-fé?
Com competência não agiu seguramente. E há episódios que sugerem motivações extracontra-ordenacionais.
Ser deputado do PSD influenciou a acção do BdP?
Isso é outra coisa. Um dos factores que aponto seria a grande pressão feita por dirigentes da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo (CCCAM) [accionista do CBI] para que isto acabasse como acabou: para que o BdP e a CMVM desencadeassem o processo de contra-ordenação contra o Central Banco de Investimento (CBI) e seus administradores.
Está a referir-se ao presidente da CCCAM, João da Costa Pinto?
Em especial.
É uma acusação grave.
Não se trata de acusação, mas de encadeamento lógico de factos. O objectivo, tudo indica, foi a desforra de uma situação que o afastou a determinada altura da CCCAM.
Quem afastou Costa Pinto?
Foi o Conselho de Administração da CCCAM, numa altura em que já me encontrava afastado e era apenas um consultor. Quem estava na gestão com Costa Pinto era o dr. José Lemos e outros membros como o dr. Meira Fernandes. Costa Pinto nunca terá aceitado esse afastamento.
Agiu por vingança?
Não tenho grande dúvida. Quando ele voltou à CCCAM, em meados de 2002, eu já lá não estava. As dificuldades do CBI proporcionaram--lhe uma oportunidade de ouro para executar esse plano.
Está a acusar o presidente de um banco...
Relato factos que têm uma lógica sequencial bastante clara.
... de o ter incriminado?
Houve uma pressão muito grande por parte do dr. Costa Pinto para que o BdP se ocupasse do assunto do CBI e das presumíveis infracções.
O que está a dizer é que o BdP é permeável a pressões?
Se a supervisão do BdP é instada por um accionista a intervir numa instituição, parece-me que o BdP não poderia fazer outra coisa. A sequência posterior dos factos já é outra. Questiono fundamentalmente o que se passou na instrução do processo, na acusação e na sanção.
O BdP foi permeável a pressões externas não só para averiguar, mas também para o incriminar pessoalmente?
Admito que o BdP conduziu este assunto para me colocar numa situação muito difícil, acusando-me com um fundamento mais do que duvidoso, não aceitando nenhuma das explicações e provas que prestei por escrito (coisa que a maioria dos outros arguidos não fez). Há outros aspectos estranhos. Fui responsável pelo serviço de auditoria do CBI, durante pouco mais de seis meses, a partir de Junho de 2001. Esse serviço foi criado apenas em Junho de 2001. O BdP atribui-me a responsabilidade do serviço de auditoria a partir do ano 2000, quando o serviço nem existia. São breves apontamentos, mas tudo isto revela uma enorme falta de cuidado na forma como a acusação foi feita e um total desinteresse pelas explicações.
Por que é que o BdP foi célere a intervir no CBI e demorou tanto a actuar no BCP, BPN e BPP?
Isso é interessante, apesar de no CBI ter actuado por mais do que provável denúncia da CCCAM e do dr. Costa Pinto, mas a forma brutal como actuou depois é que é muito, mas muito estranha. Estive sempre convencido, pelas provas que apresentei, que o processo seria arquivado. E fiquei atónito quando tomo conhecimento da decisão do BdP de me punir da forma brutal que é conhecida. É claro que depois soube outras coisas, nomeadamente da existência de pessoas estranhas ao processo que pelos vistos já sabiam, meses antes de eu saber, o que é que me ia acontecer.
Pode relatar um episódio?
Quando tomo conhecimento da decisão do BdP, em Novembro de 2003, o dr. Guilherme Silva, líder do grupo parlamentar do PSD, contou-me que meses antes, no final de um programa na SIC Notícias, o outro interlocutor lhe disse que eu ia ter um problema muito sério com o BdP, que me iria aplicar uma sanção muito grave. O dr. Guilherme Silva respondeu que eu estava convencido que o processo ia ser arquivado mas ele respondeu-lhe que, se eu pensava isso, então estava muito enganado. Este episódio mostra que alguma coisa de muito estranho se passou mesmo para que uma decisão, meses antes de ser tomada, fosse já conhecida fora da instituição.
Diz que foi alvo de intervenções políticas que o prejudicaram. O que quer dizer?
No Verão de 2002 fui informado de que haveria intenção do dr. Durão Barroso de me nomear para a Caixa Geral de Depósitos e que várias pessoas viam esta solução com maus olhos. Depois o processo desenrolou-se como se desenrolou.
Refere-se à actuação junto de Durão Barroso de presidentes dos grandes bancos?
Admito apenas que fosse uma possibilidade.
Fonte: Público.pt
Recordo que o Dr Tavares Moreira era o PRESIDENTE do CBI à data dos factos, que incluem criação de off-shores para ocultação de prejuizos e qu terminou com a falência do CBI e o despedimento de muitos dos seus colaboradores.