Voo 447: para especialista, relatório final do acidente não esclarece falhas técnicas
Documento sobre a queda do avião foi divulgado nesta quinta-feira
LUIZ ERNESTO MAGALHÃES
Publicado:
5/07/12 - 15h33
Atualizado:
5/07/12 - 17h36
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RIO - Para o especialista em gerenciamento de emergências, análise de risco e catástrofes tecnológicas da Coppe UFRJ, Moacyr Duarte, o relatório final sobre a queda do voo 447 da Air France, em 2009, deixou a desejar em comparação a outros documentos que tratam de tragédias da aviação comercial. Segundo ele, o relatório não esclarece como se deu a cadeia de falhas que levou a queda do Airbus.
— Ele vai servir mais como peça jurídica para processos judiciais de reparação do que colaborar para evitar que novos acidentes aconteçam. Confirmou-se que os pitots congelaram, a aeronave estolou e caiu. O documento relata as falhas de leitura de instrumentos e o acionamento de alarmes, mas não esclareceu porque as falhas ocorreram nessa sucessão, o que também atrapalhou na tomada de decisões para controlar a aeronave. Um dos tripulantes chegou a afirmar que não poderia agir com base nas informações dos instrumentos, pois elas não eram confiáveis — disse Moacyr.
O diretor de Segurança de Voo do Sindicato Nacional dos Aeronautas, comandante Carlos Camacho, lembrou que na época do acidente já havia uma recomendação em vigor que determinava a substituição de metade dos pitots das frotas do Airbus A-330. Os três pitots da aeronave que caiu eram fabricados pela empresa Thales e congelavam a 40 graus negativos, mas segundo ele, à época do acidente já existiam no mercado equipamentos que resistem a até 46 graus negativos.
— A falha nos indicadores de velocidade interferiu na leitura de outras informações a bordo, o que criou as condições para a tragédia. Comparando com um carro, seria o mesmo que o motorista entrar num túnel com os faróis apagados. Se numa curva do túnel a iluminação externa apagar, certamente o motorista vai bater. É o que se chama de persa da consciência orientacional — disse o comandante.
Camacho observou ainda que ao contrário de outras companhias aéreas, a Air France não realizava, na época do acidente, um treinamento em simulador conhecido como “unreliable airspeed”, onde a tripulação aprende a lidar com situações em que os indicadores de velocidade não são confiáveis. Segundo ele, a companhia só incluiu o procedimento nos treinamentos após a tragédia. Ele observou também que o relatório confirmou que quem tomou as principais decisões para tentar controlar a aeronave era o segundo copiloto, justamente o mais inexperiente da tripulação.
— O ideal era que num voo desses a tripulação contasse com dois comandantes, e não apenas um [na ocasião, o 447 viajava com um comandante e dois copilotos] — disse Camacho.
Acidente foi provocado por uma sucessão de erros
Já o escritor e piloto amador Ivan Sant'Anna, estudioso de grande acidentes aéreos, avaliou que o relatório demonstrou que o acidente foi provocado por uma sucessão de erros. Para ele, um dos detalhes que mais chamou a atenção foi o fato de o copiloto ter optado por levantar o nariz do avião ao invés de abaixá-lo para tentar evitar que a aeronave perdesse velocidade até abaixo do limite que pudesse se sustentar no ar. - Esse foi um erro básico que fez com que aeronave estolasse (perdesse velocidade). O procedimento de baixar a aeronave para retomar a velocidade se aprende na primeira aula de aviação. Mas os dois copilotos não tinham experiência para lidar com a situação, até porque sem pitots eles não sabiam a que velocidade estavam. Foi uma sucessão de erros - afirmou o especialista, que ressaltou outras decisões erradas que teriam sido tomadas:
- Como a decisão de atravessar uma tempestade com nuvens cumulus nimbus que geram fortes precipitações levando, inclusive, a formação de gelo, enquanto todas as outras aeronaves que sobrevoavam a área na ocasião desviaram da formação - disse.
O especialista também afirma que o relatório aponta a Air France, a Air Bus (que projetou a aeronave) e o piloto como responsáveis pelo acidente.
- Houve uma falha no projeto do modelo que instalou os pitots que congelaram, e esse problema já era conhecido, pois o equipamento já vinha sendo substituído em outras aeronaves antes mesmo de o acidente ter ocorrido. Além disso, se o comandante previu que poderiam passar por outras áreas de turbulência, não deveria ter deixando a cabine sob o comando de uma equipe menos experiente - disse Ivan.
O escritor acrescentou ainda que a tripulação tinha como saber que enfrentaria condições extremamente adversas pois, segundo ele, o radar meteorológico de bordo indica pontos de "situação vermelha", e mostra a formação de nuvens.
O relatório, que foi divulgado nesta quinta-feira pelo Escritório de Investigações e Análises da França (BEA, na sigla em francês), afirma que não havia indícios de que a tripulação estivesse cansada no momento do acidente. Além de constatarem a reação inadequada dos pilotos frente àquela situação incomum e uma completa incompreensão do que estava acontecendo, os investigadores do BEA também verificaram que houve uma falha de treinamento.
A ausência do comandante na cabine nos momentos que antecederam ao acidente foi considerada normal pelo relatório do BEA. Segundo o documento, ele poderia se ausentar da cabine de comando porque a tripulação havia sido reforçada por um segundo copiloto, como previsto no manual de operações.
O comandante da aeronave tinha licença de voo com validade até 31 de maio de 2010 e também estava com os exames médicos em dia. Ele somava 10.998 horas de voo e mais de 6.200 horas no comando de aeronaves. Os dois copilotos também estavam com toda a documentação em dia. O segundo copiloto, que substituiu o comandante, já havia feito cinco viagens entre a Europa e a América do Sul, incluindo a rota entre Rio e Paris.
No Airbus A330 que partiu do Rio de Janeiro com destino a Paris, no dia 31 de maio de 2009, estavam 58 brasileiros, 64 franceses, 28 alemães, 9 italianos e 69 passageiros de outras nacionalidades. Ao todo, 103 corpos foram localizados.
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