"Pedro Santos Guerreiro
Loucura
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"Tudo cai, tudo tomba, derrocada pavorosa!". É o início de um poema de Florbela Espanca mas podia ser o arranque de um comentário de Bolsa. Não, todavia, o de hoje. Mas, quem sabe, o de amanhã?
Por que é que a bolsa de Nova Iorque subiu 11% esta terça-feira? Por que é que, nesse dia, as acções da Volkswagen dispararam dos 200 para os mil euros (quase 400%!), caindo para 500 (50%) ontem? Por que é que o Santander apresentou os maiores lucros trimestrais da banca mundial e as cotações caíram? Por que é que a lógica nos falha para compreender esta bipolaridade, que alterna grande euforia e depressão profunda entre um dia e outro?
Num livro que enfadaria a poetisa Florbela, um matemático espanca a nossa necessidade compulsiva de racionalizar os acontecimentos, que, ora nos conduz às explicações, ora nos leva ao psiquiatra por não estarmos programados para a falta delas. O livro chama-se "O Cisne Negro", é de Nassim Taleb (um professor de probabilidades que fez carreira em Wall Street) e tem sido muito citado nestes dias. Da mesma maneira que até à descoberta da Austrália o mundo juraria ser impossível existirem cisnes negros, o livro dedica-se aos acontecimentos imprevisíveis que têm grande impacto e para os quais é, depois, desenhada uma explicação "oficial" que os faz parecer menos aleatórios e mais previsíveis. A actual crise financeira é um Cisne Negro.
A Bolsa disparou 11%, porque "as acções estão a preço de saldo" e o desejo dos investidores entrarem no momento certo (quando bater no fundo) levou a um movimento de reentrada súbita. As acções da Volkswagem multiplicaram por cinco, porque foram "shortadas" de tal forma que, quando afinal subiram um pouco em vez de descerem, os fundos que especulavam tiveram mesmo que comprar as acções, fosse a que preço fosse. Uma demonstração, em carne viva (muitos fundos poderão falir, porque o feitiço se virou contra o feiticeiro), de que se mantém a especulação financeira que faz das acções esponjas que incham e desincham de forma desligada da realidade.
É, neste contexto de loucura (nome técnico: volatilidade), mais prudente analisar os movimentos de fundo do que o sobe--e-desce diário. Fazer comentários diários de Bolsa é uma auto-flagelação, porque muitas vezes o que está a acontecer é inexplicável. Mas as grandes tendências são inteligíveis.
Os resultados da banca, já apresentados nos Estados Unidos, em Portugal, em Espanha, mostram o impacto do descalabro, mas também a tentativa da sua contenção. António Horta Osório explicava-o ontem neste jornal de forma clara e transparente: os bancos terão de emprestar dinheiro em função dos depósitos que obtenham, e não o contrário. Isso significa que haverá menos crédito e que, em alguns países, é mesmo preciso "destruir" parte da carteira de crédito concedido. E, portanto, ou abdicamos do nosso estilo de vida, ou temos de trabalhar mais nos nossos empregos para mantê-lo.
Enormes bandos de cisnes negros sobrevoam o Ocidente e a intervenção dos estados para acalmar os mercados de crédito e dar segurança aos depositantes é o início do papel que deles se espera. A política monetária, continua Horta Osório, só pode baixar o custo do crédito, restando os governos para, através das políticas fiscais, estimular as economias e evitar que a recessão certa degenere na depressão improvável.
Venham a nós, queridos défices, que mais tarde vos pagaremos. Até lá, conclui Florbela Espanca, "rasgam-se as sedas, quebram-se os diamantes", enquanto "passa em tropel febril a cavalgada".