Reportagem - Caloiros de Medicina da Universidade de Lisboa
“Praxe comunitária” no Cais do Sodré angaria dadores de medula óssea
01.10.2008 - 20h34 Nicolau Ferreira
“Boa tarde, quer ser dador de medula?”. Esta podia ser uma das perguntas com que os estudantes de primeiro ano de Medicina abordaram hoje as pessoas que passavam pelo Cais do Sodré. Quem aceitou a proposta recebeu um panfleto dos alunos, dirigiu-se a uma carrinha da Santa Casa da Misericórdia onde preencheu um pequeno inquérito, tirou dois tubos de sangue e recebeu uma caneta sem sequer reparar que estava a ter um papel importante numa praxe.
À volta da carrinha estavam várias dezenas de alunos do curso de Medicina da Universidade de Lisboa, a maioria eram caloiros, mas havia pessoas dos outros anos, entre os quais os organizadores das praxes que estavam vestidos com o traje académico.
“São mais de 100 alunos, talvez 150”, disse Diogo Martins referindo-se aos estudantes de 1.º ano. “Se contarmos com o resto chegamos aos 200”. O finalista de medicina e principal organizador desta actividade estava com o brilho nos olhos de missão cumprida e bem cumprida. Há mais de três anos que imaginava haver dentro da semana da praxe espaço para uma actividade diferente.
“Antes, durante as praxes escrevíamos nos braços dos estudantes “Dê sangue.”, mas era inglório. Sempre sonhámos que quando chegássemos ao 6.º ano podíamos fazer isto”, explica. O “isto” foi a organização de uma praxe que envolveu a Associação Portuguesa contra a Leucemia, o Centro de Histocompatibilidade do Sul e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para dar seguimento ao “trabalho” dos caloiros de angariar pessoas para serem dadores de medula óssea.
O esforço estava a ser compensado porque passado pouco mais de uma hora já não haviam inquéritos para distribuir, obrigando os organizadores a trazer mais da faculdade. “Já dei uns dez panfletos em 20 minutos”, disse Miguel Afonso, de 18 anos. Os caloiros podiam ser identificados por vestirem batas brancas ou t-shirts onde se podia ler: “Só faltam dois mil cento e noventa dias para ser médico”.
Ideia louvável
Antes do frente-a-frente com as pessoas os alunos assistiram a uma aula sobre leucemia onde aprenderam detalhes sobre a doença e a doação de medula óssea para poderem informar os possíveis dadores. “Estamos a ajudar as pessoas”, explicou Miguel Afonso. “Perdemos um bocado de tempo, as pessoas perdem um bocado de tempo, mas há gente há muito tempo à espera da medula.”
Toda a actividade teve um cariz voluntário, desde os dadores até os caloiros que estavam ali. “Na nossa faculdade as praxes são voluntárias, isto é mais uma actividade”, disse Diogo Martins, acrescentando que quem quiser pode ir embora. Mas ninguém parecia chateado. “Faz-se alguma coisa de útil. Não é como as praxes tradicionais”, disse Sara Gomes, aluna do 1.º ano.
Na praça do Cais do Sodré o número de pessoas aumentava à frente da carrinha da Santa Casa da Misericórdia. Muitos eram da faculdade e vieram apoiar os colegas, os que não eram estudantes tinham prioridade para entrar, uma medida para incentivar as pessoas.
Dentro da carrinha só se podia caminhar quando ninguém estava a tirar sangue. “É uma praxe comunitária” disse Guida Amorais, enfermeira da Santa Casa da Misericórdia chamava as pessoas para tirar sangue e que também ajudava na recolha. “Estamos a ter muita afluência, é uma iniciativa louvável por parte dos estudantes, mas é importante a continuidade do processo”, disse, referindo-se aos dadores de medula, cujo voluntariado não termina no teste de sangue mas sim quando são chamados para dar células da medula óssea aos doentes com leucemia.
"A iniciativa pegou"
João Leitão, professor de música do primeiro ciclo estava sentado à espera para a recolha de sangue. A amostra serve para detectar se a pessoa pode ser dadora e principalmente para ver se as células da medula são compatíveis com algum doente de leucemia de todo o mundo. “Acho que é uma praxe original, sensibiliza as pessoas para ajudarem o próximo”, disse depois de ser pesado para se certificar que tinha mais de 50 quilos e podia ser dador.
Cá fora, Diogo Martins andava de um lado para o outro no meio da azáfama a atender um telefonema, a dar uma entrevista ou a ajudar alguém, sempre com um sorriso na cara. Se tudo correr bem, o estudante de 24 anos está formado para o ano e a praxe já não é da sua responsabilidade. “A iniciativa pegou, vamos deixar a ideia com os colegas dos outros anos”, disse, esperando que a experiência se repita. Talvez em 2009 se dê nova edição desta iniciativa ou outra qualquer do mesmo género noutra faculdade do país e assim a “praxe comunitária” venha para ficar.