Vamos todos pagar

Publicação: 19-09-2008 11:54
actualização: 19-09-2008 14:51
Vamos todos pagar
Na hora da verdade, os contribuintes americanos e praticamente todos os agentes económicos do mundo são chamados a pagar pelos erros de alguns gestores de Wall Street. Estavam em causa as reformas e as poupanças de demasiadas pessoas. O Estado vai assumir as dívidas. O mesmo Estado que para os teóricos do neo-liberalismo deve privatizar quase tudo e regular quase nada. A conclusão aí está, a pesar nos bolsos de milhões de pessoas.
José Gomes Ferreira
Director Executivo Multimédia-Online
opiniao@sic.pt
A Reserva Federal norte-americana foi obrigada (sim, obrigada) a comprar o AIG – American International Group. Se o não fizesse, ficavam em risco as poupanças e as reformas de muitos americanos. A contestação social seria inevitável. O risco para todo o sistema financeiro seria enorme.
Vários bancos americanos de dimensão mundial foram comprados por outros bancos que viram nisso uma oportunidade de crescer a preço de saldo. Não houve dinheiro para comprar todos e o Lehman Brothers faliu. Mas como o risco de ainda mais falências é bem real, a Administração norte-americana acaba de anunciar um mega-plano para salvar o sistema bancário da grande nação capitalista, fervorosa pregadora das virtudes do mercado sem barreiras.
Na hora da verdade, o Estado, os contribuintes americanos, são chamados a pagar pelos erros graves, gravíssimos, de um punhado de gestores. Os mesmos gestores que arrecadaram prémios de gestão milionários, durante anos a fio e voltaram a arrecadar indemnizações milionárias na hora da saída (os que saíram a tempo porque sabiam da iminência da catástrofe).
O mega-plano de salvação da banca americana passa pela constituição de um fundo com 800 mil milhões de dólares – cinco anos de PIB de Portugal, dos quais metade será para injectar imediatamente nas seguradoras e bancos aflitos.
Na hora da verdade para o contribuinte americano e para o mundo em geral, que também pagará a factura, não podemos deixar de perguntar:
- Que credibilidade tem um sistema financeiro capaz de se auto-destruir desta maneira?
- Que credibilidade têm os políticos que o teorizaram e o legislaram, desmantelando sucessivamente todos os mecanismos de controlo e deixando-o em roda-livre?
A constatação de que só com este sistema foram asseguradas décadas de crescimento económico americano e mundial é uma evidência histórica. A constatação de que este sistema só tem longa vida assegurada se o primado do controlo superior, da política responsável, estiver assegurado, é agora uma evidência que vai ser paga do bolso de milhões de pessoas afectadas.
A discussão teórica tem aplicação prática, nacional.
Apesar da tentação dos gestores de fazerem muito produto bancário com os olhos postos nos prémios da gestão por objectivos, o sistema bancário e de supervisão português (europeu) soube evitar a loucura do sub-prime.
O mesmo sistema não evitou o recurso a compra de capital próprio por interpostas sociedades off-shore em duvidosos aumentos de capital, mas os danos parecem controlados.
E a orientação política, apesar dos recorrentes apetites vorazes, soube evitar a privatização da Caixa Geral de Depósitos. Como bem lembra o Secretário de Estado do Tesouro, Costa Pina, ainda bem que é do Estado.
Na hora da verdade, os teóricos da privatização integral e do desmantelamento das regulações aplicam o seu próprio dinheiro em produtos directa ou indirectamente geridos pelo Estado, como bem mostrou um estudo sobre aplicações financeiras dos deputados e titulares de cargos políticos de todos os quadrantes, incluindo os mais liberais.
Aqui chegados convém lembrar que há bem pouco tempo, quando se discutiu a reforma da Segurança Social em Portugal, muitos políticos e empresários propuseram a sua privatização completa.
Mais, foi sugerido que o Estado devia contrair dívida pública no valor das responsabilidades das próximas décadas, mais de 100 mil milhões de euros, para financiar a passagem de todo o sistema para a gestão privada.
Foi proposta a passagem do sub-sistema de protecção na doença, as baixas médicas, para as mãos das seguradoras.
Os autores das propostas aí continuam, no topo de grandes grupos privados e em cargos públicos de relevo.
Pergunto-me, se aprenderam alguma coisa com as lições do último ano, começado em Agosto passado, ou em especial dos últimos dias.
Como lembra Josef Stiglizt, que foi economista-chefe do FMI e sabe do que fala, o sistema capitalista de mercado, com instrumentos financeiros fortes e apoiado na globalização, provou ser o melhor para criar riqueza no mundo. Mas não pode dominar todo o funcionamento da sociedade e precisa de ser regulado para evitar os excessos. O mesmo que diz, por outras palavras, George Soros, o financeiro que ganhou muitos milhões a especular contra a libra esterlina.
actualização: 19-09-2008 14:51
Vamos todos pagar
Na hora da verdade, os contribuintes americanos e praticamente todos os agentes económicos do mundo são chamados a pagar pelos erros de alguns gestores de Wall Street. Estavam em causa as reformas e as poupanças de demasiadas pessoas. O Estado vai assumir as dívidas. O mesmo Estado que para os teóricos do neo-liberalismo deve privatizar quase tudo e regular quase nada. A conclusão aí está, a pesar nos bolsos de milhões de pessoas.
José Gomes Ferreira
Director Executivo Multimédia-Online
opiniao@sic.pt
A Reserva Federal norte-americana foi obrigada (sim, obrigada) a comprar o AIG – American International Group. Se o não fizesse, ficavam em risco as poupanças e as reformas de muitos americanos. A contestação social seria inevitável. O risco para todo o sistema financeiro seria enorme.
Vários bancos americanos de dimensão mundial foram comprados por outros bancos que viram nisso uma oportunidade de crescer a preço de saldo. Não houve dinheiro para comprar todos e o Lehman Brothers faliu. Mas como o risco de ainda mais falências é bem real, a Administração norte-americana acaba de anunciar um mega-plano para salvar o sistema bancário da grande nação capitalista, fervorosa pregadora das virtudes do mercado sem barreiras.
Na hora da verdade, o Estado, os contribuintes americanos, são chamados a pagar pelos erros graves, gravíssimos, de um punhado de gestores. Os mesmos gestores que arrecadaram prémios de gestão milionários, durante anos a fio e voltaram a arrecadar indemnizações milionárias na hora da saída (os que saíram a tempo porque sabiam da iminência da catástrofe).
O mega-plano de salvação da banca americana passa pela constituição de um fundo com 800 mil milhões de dólares – cinco anos de PIB de Portugal, dos quais metade será para injectar imediatamente nas seguradoras e bancos aflitos.
Na hora da verdade para o contribuinte americano e para o mundo em geral, que também pagará a factura, não podemos deixar de perguntar:
- Que credibilidade tem um sistema financeiro capaz de se auto-destruir desta maneira?
- Que credibilidade têm os políticos que o teorizaram e o legislaram, desmantelando sucessivamente todos os mecanismos de controlo e deixando-o em roda-livre?
A constatação de que só com este sistema foram asseguradas décadas de crescimento económico americano e mundial é uma evidência histórica. A constatação de que este sistema só tem longa vida assegurada se o primado do controlo superior, da política responsável, estiver assegurado, é agora uma evidência que vai ser paga do bolso de milhões de pessoas afectadas.
A discussão teórica tem aplicação prática, nacional.
Apesar da tentação dos gestores de fazerem muito produto bancário com os olhos postos nos prémios da gestão por objectivos, o sistema bancário e de supervisão português (europeu) soube evitar a loucura do sub-prime.
O mesmo sistema não evitou o recurso a compra de capital próprio por interpostas sociedades off-shore em duvidosos aumentos de capital, mas os danos parecem controlados.
E a orientação política, apesar dos recorrentes apetites vorazes, soube evitar a privatização da Caixa Geral de Depósitos. Como bem lembra o Secretário de Estado do Tesouro, Costa Pina, ainda bem que é do Estado.
Na hora da verdade, os teóricos da privatização integral e do desmantelamento das regulações aplicam o seu próprio dinheiro em produtos directa ou indirectamente geridos pelo Estado, como bem mostrou um estudo sobre aplicações financeiras dos deputados e titulares de cargos políticos de todos os quadrantes, incluindo os mais liberais.
Aqui chegados convém lembrar que há bem pouco tempo, quando se discutiu a reforma da Segurança Social em Portugal, muitos políticos e empresários propuseram a sua privatização completa.
Mais, foi sugerido que o Estado devia contrair dívida pública no valor das responsabilidades das próximas décadas, mais de 100 mil milhões de euros, para financiar a passagem de todo o sistema para a gestão privada.
Foi proposta a passagem do sub-sistema de protecção na doença, as baixas médicas, para as mãos das seguradoras.
Os autores das propostas aí continuam, no topo de grandes grupos privados e em cargos públicos de relevo.
Pergunto-me, se aprenderam alguma coisa com as lições do último ano, começado em Agosto passado, ou em especial dos últimos dias.
Como lembra Josef Stiglizt, que foi economista-chefe do FMI e sabe do que fala, o sistema capitalista de mercado, com instrumentos financeiros fortes e apoiado na globalização, provou ser o melhor para criar riqueza no mundo. Mas não pode dominar todo o funcionamento da sociedade e precisa de ser regulado para evitar os excessos. O mesmo que diz, por outras palavras, George Soros, o financeiro que ganhou muitos milhões a especular contra a libra esterlina.