
foi exactamente isso crómio
Luís Aguiar-Conraria
Suplemento de Economia do Público, 1 de Fevereiro 2008
Na semana que passou, fomos confrontados com as notícias da alteração do cálculo das taxas de juro pagas pelos Certificados de Aforro. Vai ser emitida uma nova série, a série C, que, com as novas condições, vai perder o seu poder de atracção. Nada que me surpreenda. Já há 10 anos, quando trabalhei no Instituto de Gestão do Crédito Público, havia a consciência de que esta era uma forma de financiamento que ficava cara ao Estado português. Com as novas regras, qualquer banco oferecerá melhores remunerações.
Visto por um certo prisma, o fenómeno aponta para uma política de continuidade. Há uns anos, subsidiava-se, encapotadamente, a banca através dos benefícios fiscais que eram dados às contas poupança-habitação, poupança-educação e outras que tais. Agora que acabaram esses benefícios, retiram a competitividade aos Certificados de Aforro, empurrando os aforradores para a banca. Parece estranho que seja um governo socialista a atacar os pequenos aforradores menos sofisticados, que vêem nestes certificados a única alternativa rentável e credível aos depósitos bancários. Enfim, é mais uma função social que este governo socialista deixa de cumprir. De qualquer forma, seja por que motivo for, a alteração às regras para futuras subscrições é legítima. Seria até defensável acabar com os Certificados de Aforro.
Confesso que só me dei conta do absurdo quando a minha sogra e a minha mãe me perguntaram se deviam levantar os Certificados de Aforro que já têm há algum tempo. Seriam elas tão tontas que não percebiam que não se estava a alterar as regras dos certificados já emitidos? Ou, em alternativa, seria possível que os nossos jornalistas dessem tão mal as notícias? Mea culpa, é mesmo verdade. A Portaria n.º 73-B/2008, assinada pelo Secretário de Estado das Finanças, é bem clara. As regras que se aplicam aos certificados já emitidos alteram-se. Antes, a taxa de juro de base era 80% da Taxa de Base Anual. Agora passa a ser 60%. Ou seja, para uma taxa de base de, por exemplo, 5%, a taxa de juro base dos certificados de aforro desce de 4% para 3%.
Isto é desleal. Legal, com certeza, mas desleal. Não encontro um termo mais adequado. Certificados de Aforro são títulos de dívida do Estado. Não é o governo que faz o favor de pagar uns juros a quem lhe comprou os certificados. O Estado é que se financiou junto dos aforradores. Estes, quando compraram os certificados, emprestaram dinheiro ao Estado com base num dado contrato onde estavam definidas as condições de reembolso. Quando emprestaram esse dinheiro, tinham imensas alternativas. Podiam ter arriscado as poupanças na bolsa de valores, podiam ter comprado um automóvel melhor, podiam ter amortizado o empréstimo à habitação ou podiam ter feito um depósito bancário. Havia uma série de opções, mas escolheram financiar o Estado em troca de um conjunto de condições.
E agora esse mesmo Estado, de má-fé e unilateralmente, vem alterar essas condições. Fosse isto feito com empréstimos obtidos junto da banca internacional e Portugal teria as empresas internacionais de rating à perna. Estes senhores, que detêm as rédeas do nosso país, desonram a palavra dada pelo Estado que servem e de que se servem. É uma acção desonesta e fraudulenta. Pediram-nos dinheiro e declaram agora, com a força da lei e de um arrazoado jurídico, que nos vão pagar menos do que o que havia sido combinado.
O mais extraordinário é que foi esta mesma gente quem obrigou os bancos a arredondar as taxas de juro à milésima, com o argumento de que se estavam a aproveitar da pouca sofisticação financeira dos seus clientes.