Já estava para escrever este texto, mesmo como nota pessoal, há alguns dias e decidi termina-lo hoje e partilhar aqui com o Caldeirão até porque tem havido algum interesse demonstrado nos metais preciosos.
Aqueles que seguem a minha carteira sabem que adquiri recentemente uma posição longa em prata, isto após uma ou duas tentativas falhadas no ouro (mercado spot). Uma vez que a razão de entrada não foi apenas de acordo com os meus sinais técnicos (que também deram sinal de entrada) achei que valia a pena partilhar.
1)Metais preciosos: Bull Market ou Bolha?
Foi a minha primeira pergunta antes de comprar uns kilos de prata. Pesquisei bastante pela internet a tentar apanhar a opinião mainstream e até li por aqui alguns comentadores como o Fogueiro e outros de nós que costumam olhar bastante para o mercado cambial (que estará sempre relacionado com os metais preciosos) e a opinião não é consensual. Alguns acham que é uma bolha outros acham que é o inicio de um bull market que no caso dos metais precisos costuma operar em ciclos de 20 anos.
É difícil ter uma opinião própria quando estamos a entrar em tópicos que não dominamos fluentemente apesar de depois de lida toda a informação que me chegou fiquei mais convencido com a tese do Bull do que com a tese da bolha.
No entanto a pergunta é mais filosófica que outra coisa pois quando estamos nos mercados para ganhar dinheiro e estamos longos o que interessa é que o preço suba, se houver uma bolha não acho que devemos ficar a olhar para ela mas sim aproveitar o máximo possível e saber devolver parte dos lucros quando ela rebentar... tudo isto fazendo sempre figas para que não tenhamos sido nós os ultimos a comprar.
Assim sendo, não tenho resposta conclusiva para esta pergunta mas investi à mesma visto que a resposta indicará em qualquer dos casos que o caminho é para cima.
2)Porquê a prata e não ouro?
Bom, gostava de dar uma resposta bastante filosófica sobre isto mas não posso. Eu preferia comprar ouro mas os contratos mínimos no mercado spot em ouro implicariam uma alavancagem demasiado grande para suportar qualquer tipo de “dor” que o mercado quisesse inflingir na minha posição.
Para termos dados concretos no mercado spot a posição mínima em ouro seria de 50.000 USD enquanto que na prata estamos a falar de 2.000 USD. Numa carteira pequena como a minha se faz parte do plano suportar alguns retraces não pode haver duvidas sobre que instumento utilizar
3)Então investir em ouro ou prata é a mesma coisa?
De maneira alguma e os fundamentais que os suportam são diferentes. Há apenas uma semelhança entre eles: ambos foram usados no passado em sistemas monetários e estão associados com a “preservação de valor”.
Neste sentido, o ouro não é um investimento “per se”. Não dá dividendos, não tem retorno de capital, não faz nada. O que faz é preservar o valor de compra: se hoje uma onça de ouro consegue comprar 500Kg de arroz é natural que daqui a 100 anos o continue a conseguir. No entanto se 1000 USD hoje conseguem comprar essa quantidade de arroz é duvidoso que daqui a 100 anos consiga comprar 50Kg
Convém notar que o ouro é uma aberração. Não serve para praticamente nada à excepção de joalharia. O que realmente podemos fazer com ele é vendê-lo para comprar produtos que façam falta: umas batatas, uns bifes, uma mota, etc. No entanto, como foi moeda de troca durante séculos há toda uma cultura que reconhece valor ao ouro e lhe garante um estatuto de moeda-mãe toda poderosa e capaz de manter a estabilidade dos preços é por isso que o ouro é visto como um refugio da inflacção.
A prata é diferente. Apesar de ser tão boa como o ouro culturas mais antigas que nem acesso a ouro tinham, depois da descoberta das Américas e da abundância de prata existente nas colónias esta baixou bastante de valor nos mercados europeus. Era usada basicamente para dar o troco quando alguém pagasse em ouro. O verdadeiro padrão sempre foi o ouro.
No entanto e como tem uma história directamente ligada ao padrão ouro também é vista como “preservador de valor” apesar de a um nível muito mais baixo. Para se ter uma ideia, segundo a wikipedia menos de 10% das aquisições de prata no ultimo ano estiveram relacionadas como investimento estando os restantes 90% relacionados com implicações industriais.
É que ao contrário do ouro a prata serve para várias coisas. Desde filmes fotográficos (em desuso agora com as cãmeras digitas) a sistemas de som e novas ideias que surgem agora como colocar prata nos tecidos tradicionais das roupas para manter isolamento térmico (don't ask...). Isto significa que a prata está sujeita a uma maior volatilidade e a regras mais duras da procura/oferta do que o ouro.
Acontece também que, ao contrário do ouro, existiam muitas fabricas de prata encerradas devido aos baixos preços que havia no mercado que estava a sofrer um
dumping das empresas mineiras que procuravam extrair cobre e zinco mas que apanhavam com prata como o que se chama um
by-product. Como o negócio dessas empresas eram outros metais não se importavam de largar a prata no mercado ao preço que fosse para se verem livres dela. Isso levou aos preços historicamente baixos da decada de 90. Acontece que o consumo tem vindo a aumentar e a esvaziar os stocks, com o preço a estes valores têm sido feitos investimentos para abrir fábricas abandonadas anteriormente e portanto estima-se que a oferta venha a subir até ao final do ano.
O ouro, ao que sei, já está a ser explorado em toda a força. Se houver mais procura não vai ser possível abrir novas minas... o preço sobe e ponto final.
Sobre a procura e a oferta do ouro e da prata quero apenas acrescentar mais um ponto. Os bancos centrais têm hoje reservas de ouro como sempre tiveram (se bem que nos EUA e na Europa são cada vez mais pequenas) e podem usar essas reservas para refrear o preço do ouro despejando as suas reservas no mercado. No caso da prata também foi assim no passado mas hoje em dia já nenhum banco central tem reservas de prata e portanto, se houver uma bolha, será mais dificil aqui haver uma intervenção estatal.
4)Como é que a inflacção afecta o preço dos metais preciosos?
Quando o preço das coisas sobe constantemente (avaliado em euros por exemplo) não faz sentido termos dinheiro se podemos ter bens. Não faz sentido hoje em dia meter 5 ou 10 euros de gasóleo como fazia há uns anos atrás porque a probabilidade de quando voltarmos à bomba de gasolina o preço vai estar mais caro. O nosso objectivo passará sempre por atestar o depósito e esperar que quando acabe e seja necessário voltar a encher ainda não tenha sido aumentada novamente.
Se sentissemos o mesmo por exemplo na carne de vaca o raciocínio será o mesmo. Faria mais sentido investir numa arca congeladora e comprar carne para o ano inteiro de uma só vez do que estar todos os meses a comprar carne sabendo que ela irá estar mais cara da próxima vez que visitarmos o Engenheiro Belmiro
É isto que está a despoletar a corrida ao ouro (e à prata) neste momento. Se 50 Euros ontem atestavam o depósito hoje já preciso de 55 Euros... medido em prata (para conveniência) ontem eram 2 gramas e hoje continuarão a ser 2 gramas... mesmo quando o barril de petróleo estava a 10 dolares também eram 2 gramas (a prata estava mais barata).
É também isto que me faz inclinar mais para a teoria do bull market do que da bolha. Uma bolha implica que um bem está avaliado muito acima do seu valor mas o que vemos neste momento é que existem razões fundamentais para o preço dos metais subirem, não estão apenas a subir baseados em factores de análise técnica (que obviamente são sempre importantes e devemos acompanhar para não sermos surpreendidos).
Como deixei no tópico do Fogueiro as pressões inflaccionistas estão adormecidas há mais de 20 anos apesar das politicas monetárias de todo o mundo terem sido bastante laxistas neste período de tempo. Deixei lá as razões porque acho que estas forças vão novamente entrar em acção podendo obviamente estar errado mas é o que em acredito.
Sobre a inflacção, quero apenas a adicionar que se espalhar à economia em geral (actualmente estamos apenas a falar de energia e comida) é obviamente natural que os custos de extracção de minérios também subam elevando assim o preço dos metais mas prejudicando as empresas extractoras que não conseguirão assim ter ganhos tão espectaculares como as matérias primas.
5)Conclusões
O ouro e a prata são, hoje em dia, avaliados pelas condições monetárias dos varios bancos centrais e das pressões inflaccionistas presentes (reais ou percepcionadas pelo mercado). Num ambiente monetário laxista em que a inflacção é relegada para segundo plano para aliviar excessos financeiros o mercado tende a refugiar-se nos metais e acho que ainda estamos a tempo de nos refugiarmos se acreditarmos que as coisas vão piorar (não me refiro aos índices accionistas).
A globalização trouxe muitas coisas boas a todos os habitantes deste planeta. Países onde antes se passava fome de repente passaram a ter empregos para sustentar uma familia... no Ocidente passámos a ter produtos mais baratos porque os grandes produtores passaram as fábricas para zonas do globo onde a produção é mais barata.
Enquanto isto tudo se passava a mão invisível foi ajustando os mercados que criaram uma tendência deflaccionária nunca vista no mundo Ocidental. Para quem acreditar que esta tendência terminou o ouro e a prata serão bons motivos de refugio.