
Na sequência de mais esta vitória Manuel José deu uma entrevista ao Diário de Noticias em que fala sobre a sua vida no Egipto e porque provavelmente não vai voltar a treinar em Portugal.
Bastante interessante e sem papas na língua como sempre o Manel Zé.
http://dn.sapo.pt/2008/11/21/dnsport/so ... _sele.html
Bastante interessante e sem papas na língua como sempre o Manel Zé.
Manuel José. Tetracampeão africano com o Al-Ahly, o treinador adorado no Egipto continua a sentir-se mal-amado em Portugal. Diz ter "razões fortes" para não gostar de Pinto da Costa e afirma que "o poder maligno" lhe tirou a selecção.
Depois de ganhar 17 títulos, o que é que se pode fazer mais no mesmo clube?
A vida num grande clube é feita de títulos e cada época é um desafio novo. Até porque se perdemos somos substituídos. Quanto mais não seja, há essa motivação. O Fergusson está há vinte e tal anos no Manchester e sempre motivado.
É a segunda vez que trabalha no Egipto. Já lá vão seis anos a viver no país. É verdade que não fala árabe?
É. Nem me esforço. É uma língua muito difícil, tenho um tradutor que me acompanha sempre e na rua falo inglês.
E vive num hotel. É para lhe dar a ideia de que está de passagem?
Não é essa a razão. Vivo num 28.º andar com vista para o Nilo. Num hotel, sim, porque é mais confortável. O calendário é muito exigente, estou fora de casa de dois em dois dias e a minha mulher sente-se mais acompanhada num hotel.
O Egipto é para ela um sacrifício?
Ela tem consciência de que é preciso fazer alguns sacrifícios. A mim custa- -me menos porque saí de casa com 16 anos e, por isso, ganhei cedo a capacidade de me adaptar às dificuldades. Mas também temos aqui amigos, convivemos regularmente e isso ajuda.
Ganha aí o que nunca lhe pagariam em Portugal?
Se não fosse assim, estava aqui a fazer o quê? Nem nos grandes ganharia o que ganho aqui.
E é uma figura pública estimadíssima.
Até me custa falar disso porque podem pensar que é vaidade ou exagero. Acho que só vendo se acredita. Julgo não me enganar se disser que não há no mundo nenhum outro treinador que tenha com a sua massa associativa a relação que eu tenho com os adeptos do Al-Ahly.
Então?
Se quiser ir ao centro da cidade, sei que vou criar um sarilho enorme à polícia. Eles pedem-me para não ir sem antes os avisar. Recentemente, fui a uma loja do centro tratar dos meus óculos e às tantas a entrada da loja estava bloqueada por pessoas que teimavam em entrar. Tive de sair em voo para dentro de um jipe, o trânsito parou todo, já havia pessoal com bombos e fui acompanhado por um carro da polícia até ao hotel. O dono da loja pediu-me educadamente se podia evitar visitar-lhe a loja.
Vai ser complicado se um dia deixar o clube, que é um dos maiores de África...
No ano passado, terminava contrato e estava um bocado indeciso. Nesse impasse tive de mudar de telefone porque as chamadas eram constantes e foi criado um blogue onde os adeptos falavam sobre esse assunto. Lembro-me de um interveniente dizer que se fosse embora, Portugal teria de acolher 60 milhões de egípcios.
Vamos agora para Portugal. Chegou a acreditar que era possível substituir Scolari no cargo de seleccionador nacional?
Nunca, nem por um segundo. Só se fosse doido. Não tinha possibilidades nem nunca as terei. No entanto, nada me impede de dizer o que penso sobre as decisões da Federação. Primeiro, tenho legitimidade para falar; segundo, também gosto de provocar.
Disse que estava "tudo montado" para ser Carlos Queiroz o escolhido. Referiu-se a "rabos de palha", a pressões feitas por "sebastianistas", mas nunca concretiza. Que rabos de palha conhece, quem são os sebastianistas?
Para que vou eu falar em nomes se os nomes são conhecidos? O poder todos sabemos quem é e onde tem estado sempre, e o poder nunca gostou de mim. Tenho pago uma factura elevadíssima por me ter batido pela transparência. Basta ver aquilo em que se transformou o futebol português nos últimos 30 anos para perceber quem venceu.
Trabalhou durante vários anos no clube de uma das figuras mais poderosas do futebol português - o Boavista, de Valentim Loureiro -, o que leva a crer que o problema não é só o poder. Quais são as verdadeiras razões da inimizade com Pinto da Costa?
São muito fortes e não tenho de as contar.
Uma frase que ele tenha dito ou uma atitude que tenha tomado que tenha sido decisiva na ruptura com Pinto da Costa?
Já estou velho e falha-me a memória.
Mas as razões estão para além dessa incompatibilidade entre si e o poder. O que se passou realmente entre si e Pinto da Costa?
As razões são fortes e não vale a pena contá-las. Não tenho receio, mas não vejo qualquer interesse. Sei que não tenho hipótese nenhuma, nomeadamente na selecção.
E tem legitimidade para reivindicar o cargo?
Sou quem mais legitimidade tem para o reivindicar. Eu e mais ninguém. O próprio Queiroz não tem o currículo que eu tenho. Os que em Portugal ganharam alguma coisa, ganharam no FC Porto. Depois, zero. Fartei-me de gozar com isso. Quem deve mandar não manda.
Nunca se arrependeu de, como diz, ter "desagradado" a Pinto da Costa?
Nunca. Quando abro a boca sei o que estou a dizer. Sou pela verticalidade e houve alturas em que tive vergonha de pertencer ao futebol. Mas quero esclarecer que nada tenho contra o FC Porto. Antes pelo contrário. O FC Porto e a selecção têm sido os maiores representantes do futebol português a nível internacional. Só não concordo é que um clube tão grande seja usado como defesa pessoal ou escudo de alguns.
Mas como é que lidou sempre bem com Valentim Loureiro, um dos outros envolvidos no processo "Apito Dourado"?
Valentim Loureiro era o presidente do Boavista e eu era o presidente da equipa de futebol. Foi sempre assim em todos os lugares por onde passei e disse ao major o que disse a todos os outros presidentes: "Se quiserem ser presidentes e treinadores nem vale a pena começar a negociar." Valentim Loureiro sempre respeitou esta regra, sou amigo dele e, independentemente do que se está a passar com ele, é pessoa de quem gosto.
Mesmo sendo contra o poder não foi um treinador a quem as portas se fecharam - esteve duas vezes no Sporting e uma no Benfica.
Estive no sítio certo mas no tempo errado. Sobretudo quando aceitei o convite do Benfica. Não tive um único amigo que me tivesse aconselhado a aceitar. Todos me diziam que ia acabar em desgraça, mas foi mais forte do que eu. Fui para o Benfica com 16 anos, foi lá que tudo começou e não pude dizer não.
Teve noção de que era um tempo perigoso para se treinar o Benfica?
Vários treinadores passaram por lá nessa altura e falharam. Não foram os treinadores que falharam; foi o Benfica que falhou. Tive noção do perigo, mas nunca tive medo do risco. Ao longo de 31 anos de carreira fui despedido três vezes - uma no Benfica e duas no Sporting.
O que falhou no Sporting?
Fui para o Sporting pela primeira vez a convite de João Rocha. Aceitei na condição de renovar a equipa ao fim da primeira época. Pois não só não chegaram reforços como fiquei sem o Jaime Pacheco e o Sousa, que foram para o FC Porto para serem campeões europeus. Cheguei a levar para estágio nove jogadores e dois juniores. Enfim, foi uma daquelas coisas doidas que fiz ao longo da minha vida.
Sai do Sporting e dois anos depois, com Jorge Gonçalves a presidente, regressa. Não dava para perceber que não era boa altura?
Era muito novo e se as coisas corressem mal havia muito tempo para recuperar em termos de carreira. Jorge Gonçalves pediu-me para pôr o Sporting na UEFA. Depois, foi eleito Sousa Cintra e fui despedido por a equipa ter sido eliminada pelo Marítimo, em casa.
É nessa altura que Figo faz os primeiros treinos com a equipa sénior do Sporting...
Alguns jogadores juniores treinavam comigo durante uns dias da semana e ao domingo eram libertados para a equipa júnior. Fiz isso com o Paulo Torres, com o Figo, com o Peixe e com o Paulo Pilar. O Figo e o Peixe destacaram-se logo.
Deixou a porta do Sporting aberta?
Depois de duas passagens por Alvalade sem ganhar, a possibilidade de um dia regressar é diminuta. O desgaste seria muito rápido.
O que lhe parece a aposta em Paulo Bento?
O Paulo Bento tem sido brilhante. É um percurso à Mourinho, que até ir treinar o Benfica não tinha treinado nenhuma equipa. O Paulo até já tinha sido campeão como treinador dos juniores. É um treinador de carácter. Tem frontalidade, mão firme e adivinho-lhe uma grande carreira. Tem ganho taças e supertaças, está a fazer uma grande campanha europeia, falta-lhe o título, é certo, mas tem uma enorme margem de esperança. O Sporting deve mantê-lo.
O "seu" momento em Alvalade foi o célebre Sporting-Benfica dos 7-1?
Foi o jogo que me marcou, até porque, para ser franco, a equipa não tinha cabedal futebolístico para dar 7-1. O Benfica acabou por ser campeão.
Se se cruzar com Manuel Damásio cumprimenta-o?
Não.
Nunca esquecerá o facto de o Benfica ter alegado incompetência para o despedir?
O que mais me incomodou não foi isso, mas sim ter sabido do meu despedimento pelos jornalistas e ter sido despedido, pouco depois, pelo telefone. Se o processo tivesse sido liso e respeitoso não teria exigido um cêntimo ao Benfica.
Que lhe disse Damásio nesse telefonema?
Que devia pôr o lugar à disposição. Transmiti- -lhe então a minha ideia, que era esta: fazer mais dois jogos, um com o Bastia e outro, em casa, com o Sporting, porque se a equipa ganhasse resolvia o problema. Em caso de derrota, a rescisão seria amigável, deixaria o clube sem qualquer problema.
Porque é que Manuel Damásio não aceitou?
Porque estava mais preocupado consigo próprio do que com o Benfica. Para salvar a pele.
Nunca lhe pediu desculpa?
Não, nem eu a aceitava. Ele teve um comportamento muito estranho.
Pôs o Benfica em tribunal e pediu indemnização de um milhão de contos. Mais tarde, com Manuel Vilarinho, chegou a acordo com o clube. Recebeu muito dinheiro?
Perdoei muito dinheiro ao Benfica, isso sim. Ainda houve quem tentasse dizer que desfalquei o clube. Nunca mo disseram na cara porque levavam um soco. Fui para o Benfica em 1962, tinha uma dívida de gratidão para com o clube e paguei-a em dinheiro. Fui para o Benfica sendo do Sporting e gosto tanto de um como de outro.
Sem selecção, FC Porto, Sporting e Benfica é impossível regressar a Portugal?
Provavelmente. Acho que vou acabar a carreira fora do País. Mais três ou quatro anos e acabo. E digo três ou quatro pela paixão que ainda tenho pelo que faço. Não me entristece nada não acabar em Portugal. Que prazer é que dá trabalhar em Portugal? As tricas são sempre as mesmas e os "assobios" dourados nunca dão em nada. É tudo corrido a pena suspensa. Só suspensórios.
Em 2002 esteve por um fio para ser seleccionador. A escolha de Scolari foi a acertada?
Acho que sim. Tinha acabado de ser campeão do mundo. As forças de bloqueio impediram que fosse eu o escolhido. O poder maléfico e maligno tirou-me da selecção e era necessário um nome que ninguém se atrevesse a contestar.
E a de Queiroz, também?
Não gosto de falar de colegas. Respeito-os a todos. Foi uma escolha do presidente que também ninguém contestou.
Esta primeira fase não lhe está a correr bem.
O grupo era aparentemente fácil e acabou por tornar-se difícil. Apesar de achar que esta Suécia não é uma boa equipa de futebol - o próprio Ibraimovich não fez nada -, o jogo foi muito sofrido, com a Albânia foi um tiro no pé muito grande e agora o segundo encontro com a Suécia é decisivo. O público vai ter um papel decisivo. Se lhe der para assobiar vai ser um problema. Se Portugal não ganhar fica numa situação muito delicada.
Outro dos candidatos a futuro seleccionador é José Mourinho. Que previsão faz para a carreira dele em Itália?
Mourinho tem feito um bom trabalho e quer ele quer o seu trabalho têm sido extremamente valorizados pela imprensa. Tem agora uma prova de fogo. Não tanto no campeonato italiano, porque quer o Milan, com uma equipa velha, quer a Juventus, em fase de transição, quer a Roma, com um início desastroso, não deverão fazer-lhe frente, mas sim na Champions. Não acredito que o Inter venha a ser o campeão europeu.
Quando era treinador da U. Leiria acusou Mourinho, seu sucessor, de falta de ética. Chamou-lhe garoto e Tarzan. Diria o mesmo ao Mourinho special one?
Dizia-lhe o mesmo e na cara. Ganhasse o que ganhasse. Tem feito um bom trabalho e tem tido uma propaganda notável.
Nunca pensou tentou ser seleccionador de outro país?
Gosto mais de trabalhar em clubes do que em selecções. A selecção portuguesa seria um caso à parte. Seria uma honra e o topo da carreira, para além da questão da legitimidade.
Ganhar em África é fácil?
É difícil ganhar em qualquer parte do mundo. Andaram tantos por aqui sem ganhar nada. Ninguém imagina quanto custou o trabalho feito no Al-Ahly. Ninguém faz ideia o trabalho que deu incutir a estes rapazes a disciplina e rigor táctico, formar uma grande equipa. Aqui é mais difícil fazê-lo. Mas já disse: se não querem valorizar façam pelo menos o favor de não estar sempre a desmerecer.
Portugal tem sido injusto consigo?
Portugal é um País injusto com os seus cidadãos que se destacam. Quer seja na área da ciência, da cultura ou das artes. Então quando se trata de emigrantes, Portugal é padrasto. Estou no Egipto, disputei 18 finais em cinco anos, ganhei 17 títulos, sete deles continentais e de Portugal nem uma florzinha. Não recebi nem uma medalha de uma organização desportiva em Portugal. Por sugestão do embaixador português no Cairo, recebi de Cavaco Silva a comenda da Ordem do Mérito, que já recebi também do presidente egípcio. Em Portugal, o que faço não vale nada.|
http://dn.sapo.pt/2008/11/21/dnsport/so ... _sele.html