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Mea Culpa

MensagemEnviado: 25/6/2006 16:07
por pedras11
Mea Culpa

Escrevi, na semana passada, um artigo neste jornal que dava conta da minha exaustão enquanto profissional do ensino superior. Sou professor, gosto de ser professor, faço-o por vocação e sei, tenho a certeza, de que aquilo que faço, faço bem.


09-06-2006, José Crespo de Carvalho

Escrevi, na semana passada, um artigo neste jornal que dava conta da minha exaustão enquanto profissional do ensino superior. Sou professor, gosto de ser professor, faço-o por vocação e sei, tenho a certeza, de que aquilo que faço, faço bem.
Dito isto, vamos à história. Depois do artigo a minha caixa de correio electrónico encheu. De queixas de alunos e ex-alunos, dizendo que não tinha direito a estar exausto, não tinha direito a manifestar-me contra os seus interesses ou aptidões intelectuais, não tinha direito a ser eu, a ter um nome e a ter uma opinião. Encontrava-me ao serviço de uma instituição e tinha que lutar por essa instituição, abstraindo-me de…ser eu.
Acho que, de certa forma, eu teria sido, se aluno, um dos que teria escrito um e-mail a dizer que o professor não deveria dizer tais impropérios. Banais, mas impropérios. Usuais e ditos por toda a gente, por todos os meus colegas em todo o lado, mesmo os mais novos, mas jamais publicáveis em jornal. Uma coisa é o que se diz em privado. Outra o que se diz em público e…vícios privados, públicas virtudes.
O que terá levado o professor a dizer que os alunos estavam, de ano para ano, mais mal preparados e eram menos entusiasmantes, sob o ponto de vista intelectual, que há uns dez anos atrás? Não terá sido esta a expressão, e talvez tenha sido mais corrosiva, mas a verdade é que o que quis dizer, e repito, foi isto mesmo.
Mas …não disse, por exemplo, que os seus interesses eram hoje outros. Que a sociedade está diferente e eu mais velho. Que as utilidades mudaram e que provavelmente serão eles que estarão, agora, na onda certa. A minimizarem as competências intelectuais, se vistas pelo prisma de alguém mais velho como eu, mas a maximizarem quaisquer outras aptidões, como aquelas que vejo hoje desenvolver na área dos Sistemas e Tecnologias de Informação. Não disse que teria que lhes dar o beneficio da dúvida e que eles poderiam vir a ser muito melhores que o que eu escrevi. O que é muito provável e eu desejo sinceramente que venha a ser verdade. Não disse na altura, digo-o agora.
A minha geração, por exemplo, pode ser intelectualmente mais interessante, é verdade. Pode não ter tido epítetos de nada, nem de rasca nem de genial, o que é desde logo mau. E muito pior será se se considerar que a coisa mais fantástica que conseguiu para o país foi…nada, produzir nada, transmitir nada, dar o exemplo de pouco mais que nada. O país ruiu cultural e intelectualmente na minha geração. O país que tenho nos meus alunos é, portanto, o país reflexo do que tenho na minha geração. E a culpa, para não morrer solteira, já está encontrada. O culpado, afinal, sou eu.
Reconheço, em grande medida, que a culpa pelo desinteresse intelectual dos meus alunos é meu. E eu, como bom português que sou, tenho sempre de poder dizer que a minha geração é má porque alguém, antes de mim, também contribuiu para que fosse má. E assim sucessivamente para acabarmos na fundação de Portugal. Como diz um colega meu, um país que começa com um filho a bater na mãe, não começa bem.
Há, porém, uma verdade que está e permanece acima de tudo isto e que é objectiva. O mal não acontece com os alunos da instituição A ou B ou C. Sei porque colaboro com muitas delas. O mal é geral. Mas o mal é, também, o desinteresse intelectual medido pelos meus próprios critérios sobre o que é o interesse intelectual. Portanto, como sempre e em tudo na vida, estou a atribuir subjectividade à avaliação. Muita subjectividade. Mas não deixo de continuar a pensar como penso e não deixo de dizer o que penso. Sobretudo por algumas ordens de razões: penso, sinto, tenho opinião. Pode ser boa, pode ser má. Pode ser aceitável, pode não ser. Mas é a que tenho e é minha, com todos os defeitos que possa ter.
Tudo o resto, todos os termos menos felizes e mais achincalhantes na história, meus caros alunos, esqueçam. Só vos quero dizer mais duas coisas, com as quais terão que aprender a viver: uma é a crítica, para vosso próprio bem; Outra é o trabalharem mais e melhor, também para vosso próprio bem. E quem vos diz o que diz diz-vos por bem. Tal como a minha mãe ou o meu pai faziam e eu apenas vim a reconhecer passados alguns anos. Tudo o resto, meus caros, assumam apenas como mea culpa.



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