Caldeirão da Bolsa

O fiador de Sócrates

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

O fiador de Sócrates

por luiz22 » 21/6/2006 14:36

OPINIÃO Publicado 21 Junho 2006 13:59
Sérgio Figueiredo
O fiador de Sócrates
sf@mediafin.pt
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Alguém mais entusiasmado até pediu que lhe erguessem uma estátua. Outros já lhe chamaram o «Greenspan português». Eu próprio, num daqueles momentos de grande desnorte nacional, cheguei a classificá-lo como o «oráculo do regime».
A verdade é que Vítor Constâncio caiu do pedestal. Será o último a reconhecê-lo. Mas é o primeiro a ter consciência disso. Aliás, o discurso da sua tomada de posse ontem, tão autojustificativo, é a confissão que faltava: o governador não anda a dormir bem ultimamente.

A questão não deve ser colocada no plano do ego. E muito menos da consciência. É política. Não é partidária. É técnica, mas não é inocente.

Constâncio decidiu patrocionar mais uma comissão «independente» para corrigir as contas públicas herdadas por um novo Governo. O resultado foi desastroso. Se a intenção era avalizar as tais «medidas difíceis», a consequência foi a que toda a gente viu: a política orçamental do primeiro ano de Sócrates foi um desastre completo.

A coberto de um défice virtual, a Comissão Constâncio deu a cobertura técnica para um desastre político: Sócrates viu ali o fiador de um ano fiscal que agravou o défice estrutural, em vez de o melhorar; que deu um sentido expansionista aos gastos, na vez de os cortar.

Mas, sobretudo, permitiu que o Governo apresentasse o maior desequilíbrio financeiro dos últimos anos, 6 por cento do PIB, quase a cantar vitória. Estava, assim, absolutamente desperdiçado o primeiro ano de consolidação das finanças públicas. Com maioria absoluta no Parlamento e a oposição manietada.

Sócrates não tinha desculpas. Constâncio deu-lhe o pretexto.

Não foi inédito. Cinco anos antes, vimos o então ministro Pina Moura sair do mesmo Salão Nobre com o sorriso de alívio de quem encontrara um argumentário sólido para se defender da onda de alertas, críticas, avisos sobre a insustentabilidade do «milagre económico» que o país então vivia.

Inúmeros economistas, incluindo aquele que entretanto se elegeu Presidente da República, andavam apavorados com o agravamento do défice externo. Com aquilo que o originava. Com o custo implícito à sua correcção.

Numa mesma cerimónia, com o mesmo governador, algo de parecido aconteceu: Vítor Constâncio encarou o assunto, comparou Portugal a uma região, evocou outros países com crónicos desequilíbrios externos, tudo correcto, tudo óbvio, para passar uma mensagem errada. Sobretudo perigosa: o problema haveria de se resolver.

Não foi inocente então, como não foi inocente agora. Este aval «às corajosas medidas» do Governo, que «indiciam uma verdadeira consolidação orçamental».

Podia ser um estímulo, igual a tantos outros que Constâncio não deixou de dar a Manuela Ferreira Leite. Não vivesse Constâncio com o prestígio abalado. Não tivesse Constâncio a independência sob escrutínio. Não precisasse Constâncio de explicar tanto aquilo que disse e fez no passado.

Como carrega este lastro do último ano, que não lhe é favorável, devia o governador evitar públicos actos de fé. Sobretudo num Governo que anuncia, anuncia, anuncia, mas que ainda não mostra resultados. O mais difícil está para vir e isso é um problema - que, novamente, o governador do Banco de Portugal decidiu aderir de forma voluntária.

Quem faz parte do problema dificilmente pode ajudar na solução. Ou será que Constâncio vê na «verdadeira consolidação orçamental» um TGV, uma Ota e todos os outros motivos que levaram Campos e Cunha abandonar o Governo?
As decisões fáceis podem fazer-nos parecer bons,mas tomar decisões difíceis e assumi-las faz-nos melhores.
 
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