Sérgio Figueiredo
Economia de casino
Traz borrasca o boletim da Primavera do Banco de Portugal. O diagnóstico actualizado ao estado da economia mata ilusões e obriga a descer à terra. E isto não é o pior, porque nas finanças públicas a descida é até aos infernos.
Pois é, apesar do castigo fiscal, não obstante a política de contenção na função pública, eis que o nosso Estado volta aos níveis de desequilíbrio financeiro estrutural dos tempos do eng. Guterres.
Dito assim, desta forma, parece cruel. E é. É cruel a realidade que José Sócrates começou por desvalorizar e, depois, passou a omitir. A crise orçamental é um problema grave.
O banco central vem lembrar que, ao contrário do que o primeiro-ministro dizia, essa crise não passa com crescimento económico. Défice público estrutural agrava-se em 2005 e isso nada tem a ver com a conjuntura económica, porque o efeito cíclico está expurgado.
Tal como não tem qualquer relação com receitas extraordinárias. Nem sequer com os juros da dívida pública.
O significado disto é fácil de explicar: as reformas estruturais são, na prática, reduzidas a uma brincadeira. Que não diverte ninguém, uma vez que os impostos não pararam de subir – afinal, a única reforma comum aos orçamentos dos sucessivos governos.
O primeiro-ministro completou o primeiro ano de mandato com frase «o pior está para vir». Efectivamente, Durão Barroso e Santana Lopes quase não promoveram uma reforma com impacto nas raízes dos défices persistentes do Estado.
Seria injusto não reconhecer que Sócrates nada mudou. Porque, nesta matéria, simplesmente ficou pior. E os motivos estão identificados: sistema de pensões, encargos com a saúde, despesas com pessoal.
É verdade que o Governo socialista de Sócrates é diferente do Governo socialista de Guterres. Sócrates anuncia medidas duras. Aumentar a idade de reforma na função pública é uma ousadia que nenhum dos antecessores se atrevera.
Mas que adianta, se a medida só produz efeitos plenos dentro de dez anos? O ministro das Finanças desabafa num programa de televisão que o sistema de segurança social não é sustentável, mas que decisões vão ser tomadas para corrigir a trajectória hoje – e não, outra vez, dentro de cinco ou dez anos?
Sócrates entusiasmou os agentes económicos com um estilo que, no fecho das contas, não produziu resultados. A consolidação orçamental é uma urgência, mas o primeiro-ministro ainda pensa que basta um processo de intenções. Não basta.
E seguir na boa direcção também já não é suficiente. É preciso velocidade. É preciso acabar com a política das meias-tintas. É preciso flexibilizar a economia para preservar o modelo social. Para evitar aumentos de impostos futuros.
O país precisa de um choque de liberdade. Não aquela que Abril nos deu, porque essa já está conquistada. A liberdade que deixe os competentes sobreporem-se aos instalados e os eficazes conquistarem o espaço dos protegidos. Senão continuaremos a viver numa economia de casino. Com a certeza de que, pela primeira vez, a geração seguinte viverá pior do que a anterior.
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