O início de um longo processo
Guerra de titãs
O maior negócio da história económica portuguesa está a transformar-se numa guerra pelo controlo da Portugal Telecom. Ricardo Salgado prepara a resposta e procura reunir investidores para impedir o sucesso da Oferta Pública de Aquisição que Belmiro de Azevedo lançou sobre a operadora. Um dos objectivos é conseguir que os accionistas da PT não aprovem a desblindagem de estatutos da empresa para a qual é necessária a maioria qualificada de dois terços, o que impediria imediatamente o sucesso da operação. Ricardo Salgado considera o Brasil estratégico para a PT e admite financiar uma contra-OPA.
10-12-2005, Elisabete Felismino e Maria Teixeira Alves
Belmiro de Azevedo, Presidente da Sonae
“Preço oferecido não é baixo, contra-OPA é natural”
Belmiro de Azevedo está optimista quanto ao sucesso da OPA. Em declarações ao “Semanário Económico”, Belmiro desmonta as declarações de Horta e Costa ao afirmar que “a Sonae é quem pode acrescentar mais valor à PT”.
“Dizem que o preço da OPA é baixo, mas garanto que não é, de resto a Sonae é a única empresa que pode acrescentar valor, uma vez que é a única empresa que tem algo para dar.”
A afirmação é de Belmiro de Azevedo e é uma clara resposta a Miguel Horta e Costa que em conferência de imprensa considerou baixo o preço da OPA lançada pela Sonae sobre a Portugal Telecom.
Belmiro de Azevedo, em declarações ao “Semanário Económico” relativiza esta declarações e afirma que “quando se sentarem a fazer contas vão perceber que este é o justo valor pela empresa”.
Sobre o facto de a Sonae ser a única empresa a acrescentar valor, o homem do momento explicou: “a Sonae é a única empresa que tem uma rede móvel para acrescentar, por isso estamos tranquilos”.
A eventual contra-OPA lançada por accionistas como Ricardo Espírito Santo e Patrick Monteiro de Barros, e da qual não faz parte Ilídio Pinh0, é vista pelo empresário nortenho como “perfeitamente natural”, já que “faz parte do processo”. De salientar que o empresário Ilídio Pinho, sempre muito próximo da família Espírito Santo, garantiu ao “Semanário Económico” que está “completamente por fora desta operação”. “Não estou, nem fui contactado para participar em nenhuma contra-OPA”, disse.
O homem-forte da Sonae e candidato a “patrão” da Portugal Telecom foi de resto peremptório na conferência de imprensa de terça -feira à tarde, realizada no hotel Ritz, quando explicou a sua confiança: “Preparámos esta operação muito bem e não entrámos para perder”. E acrescentou: “Temos a melhor proposta que pode ser feita para a aquisição da Portugal Telecom”.
O preço oferecido pela Sonae é de 9,5 euros por acção mais dividendos, uma vez que a Portugal Telecom não mudará de mãos antes da assembleia-geral da PT. Neste sentido, e atendendo a que as acções da PT estavam ontem a ser transaccionadas a 9,66 euros por acção, poderá acabar por ser positivo para a Sonae. Esta é pelo menos a opinião de alguns analistas do mercado, tanto mais que já terá passado a euforia inicial do lançamento da Oferta Pública de Aquisição (OPA). Fonte contactada pelo “Semanário Económico” salienta que é positivo para os homens da Sonae o facto do oferente (Sonaecom) não ter visto o valor das suas acções diminuir, o que quer dizer que o mercado não se assustou com a perspectiva de a Sonae estar compradora. A OPA anunciada segunda-feira, após o fecho da bolsa de Lisboa, apanhou a PT completamente desprevenida. O conselho de administração da PT reuniu na terça-feira, e contou também com a presença de alguns importantes accionistas.
Operação foi montada em três semanas e meia
O lançamento da OPA por parte da Sonaecom sobre a “gigante” Portugal Telecom foi lançada num tempo recorde de três semanas e meia. A operação começou por estar apenas centralizada no presidente do conselho de administração da Sonaecom, Paulo Azevedo, e só numa segunda fase, ou seja há cerca de três semanas e meia, foi criada a equipa que montou toda a operação. “Saíu-nos do corpo”, disse Paulo Azevedo, referindo-se ao enorme sigilo que foi necessário para esta operação. O Governo terá sido informado pelo próprio patrão da Sonae, Belmiro de Azevedo. Ao que tudo indica, a conversa de Belmiro terá sido mesmo com o primeiro-ministro, José Sócrate,s e terá ocorrido quando já estava constituída a equipa que haveria de montar toda a OPA. Em declarações no programa da SIC “Quadratura do Círculo”, António Lobo Xavier, administrador da Sonaecom, adiantou mesmo que “foi possível conversar com as autoridades sem fuga de informação”.
“SPIN-OFF” da PT Multimédia em estudo
BES analisa alternativas para os accionistas da PT
Perante a dificuldade de encontrar investidores para lançar uma OPA concorrente à da Sonae, o BES tem procurado, com o Citigroup e a Merrill Lynch, encontrar alternativas que aliciem os accionistas a não aprovarem a desblindagem de estatutos que a Sonae exige como condição para o sucesso da OPA.
O Banco Espírito Santo está a analisar, em conjunto com outros bancos estrangeiros (o Citigroup e a Merrill Lynch) e em consonância com a administração da PT, alternativas à criação de valor para os accionistas. O objectivo é convencê-los a não vender na OPA e, sobretudo, a não aprovarem a desblindagem de estatutos que garante o sucesso da mesma. Ricardo Salgado confirmou que o BES Investimento foi escolhido como adviser para estar ao lado da PT na construção da resposta à OPA
O spin-off da PT Multimédia (venda desta aos accionistas da PT) é uma das soluções em cima da mesa que pode trazer mais valor para os accionistas do que a OPA da Sonae sobre a PT, lançada a 9,5 euros acrescido dos dividendos. Esta é uma das propostas que o BES poderá tentar levar à Assembleia Geral de accionistas da empresa agendada para 21 de Abril.
Numa primeira fase e enquanto não se torna viável reunir investidores que detenham cerca de 16 mil milhões de euros (enterprise value atribuído pela Sonae à PT) acrescido do diferencial mínimo de 5% (mais 800 milhões de euros) necessários para lançar uma OPA concorrente, esta parece a ser a solução mais óbvia para tentar travar a compra. Recorde-se, que após a oferta de segunda feira, alguns analistas vieram dizer que a PT valia 11 euros por acção, ou seja, mais 15,8% a 21% acima do valor oferecido pela Sonae.
Reestruturação da PT
O que o BES está a fazer é tentar provar aos accionistas que esta oferta não lhes garante o máximo de valor que a PT pode dar. Uma reestruturação de todo o grupo PT está a ser desenhada com os respectivos cálculos da criação de valor, para mostrar aos actuais accionistas de referência da Portugal Telecom e aos potenciais novos accionistas que queiram apoiar a estratégia do BES.
BES e Patrick Monteiro de Barros pretendem, desta forma, demonstrar aos outros accionistas que a operação financeira da Sonae, suportada pelo Santander, destrói valor da empresa porque a quer desmantelar. Este desmantelamento foi altamente criticado pela administração da PT, que por sua vez foi também alvo de severas críticas por Belmiro de Azevedo. O patrão da Sonae, aliás, conta aumentar substancialmente o cash flow da PT só através da melhoria de gestão da empresa.
O BES, que tem relações fortes com a PT, pretenderá evitar o sucesso desta OPA. Outra das soluções poderão passar por reunir um núcleo de accionistas que prefaça um terço do capital, de forma a impedir que a Sonae seja autorizada a adquirir mais de 10% do capital da PT. Ou seja, reunir mais investidores que comprem cerca de 23% da PT, o que representa um investimento da ordem dos 2,5 mil milhões de euros. Na linha destes aliados poderá estar, entre outros, o BCP.
“Não avanço com contra-OPA mas estou disponível para financiar”
Ricardo Salgado afirmou em conferência de imprensa que não está disponível para avançar com uma contra-OPA, mas o maior accionista português da PT diz que está disponível para apoiar uma eventual operação desde que surja um grupo de investidores nacionais credíveis. Ricardo Salgado disse que o “grupo BES não pode desencadear OPAs e contra-OPAs que não sejam do sector financeiro porque tem limitações regulatórias, mas podemos financiar operações”. Admite ainda vender a sua posição na PT se surgir uma boa oferta. RicardoSalgado afirmou também que a sua posição está reflectida no comunicado de Miguel Horta e Costa, dado que essa posição foi tomada em conselho de administração onde o BES está representado. Volta a frisar que o preço não reflecte o valor real da PT. Apesar de elogiar a coragem de Belmiro, considerou que o desmatelamento da PT vai reduzir a dimensão da empresa, nomeadamente a venda da Vivo no Brasil.
PT considera OPA hostil e está contra o “desmantelamento” do grupo
O conselho de administração da PT considerou hostil a OPA lançada pela Sonae. Belmiro de Azevedo garante, porém, que a “OPA não é contra ninguém”. Para Miguel Horta e Costa, CEO da PT, a operadora vale mais do que a oferta feita, criticando o facto de a proposta não estabelecer uma estratégia nem uma visão de longo prazo para o grupo. “Na profunda convicção de que o valor actual e futuro da PT é muito superior” à oferta da Sonae, Horta e Costa recomenda mesmo aos accionistas que aguardem “as recomendações que o conselho de administração vier oportunamente a emitir”. Uma sugestão que foi interpretada pela Sonae como um adiamento da decisão sobre a OPA . Após a primeira posição da administração da PT, o CEO da Sonae.com, Paulo Azevedo, afirmou à SIC Notícias que “o essencial da declaração é que decidiu não decidir para já, recomendou aos accionistas aguardar que haja mais informação, que é o passo mais importante”. Salientando o optimismo em relação à proposta, sobre a qual ainda não notificou a Autoridade da Concorrência, Paulo Azevedo acredita que “as preocupações que o presidente do conselho de administração avançou vão naturalmente desaparecer quando conhecerem o nosso projecto em detalhe”. A declaração do CEO da PT surge após uma reunião da comissão executiva, realizada na terça-feira, onde os seus membros salientaram a ausência de informações relativas ao financiamento da oferta. Este, afirmou Miguel Horta e Costa na sua comunicação, é efectuado através de “uma estrutura já com elevados níveis de endividamento”, a qual “poderá implicar o desmantelamento do grupo PT”. Em termos estritamente legais, falta saber se o presidente do conselho de administração da Portugal Telecom podia dizer ao mercado que o preço é demasiado baixo sem dizer qual é, em sua opinião, o verdadeiro preço pelo qual a empresa deve ser avaliada.
Também não se sabe se é lícito o facto de Miguel Horta e Costa aconselhar os accionistas a aguardarem as recomendações que o conselho vier oportunamente a emitir. A última das interrogações relativamente à administração da PT vai para a contratação de mais advogados e bancos para responder à OPA. Será isso lícito, dado o custo desses serviços e o facto de a defesa caber aos accionistas e não à administração demissionária?