Eu devo ter um jeito natural para a polémica

. Aqui fica um artigo de opinião que saíu hoje do DE.
Segurança Social - o drama
António Amaro de Matos
O sistema de pensões de reforma em Portugal já foi de capitalização.
As pensões eram pagas por um fundo constituído a partir das contribuições anteriores dos trabalhadores gerido separadamente dos restantes haveres à guarda do Estado. Tal e qual um fundo de pensões privado. Era poupança forçada imposta a cada um. A pensão, numa economia sem oscilações, era calculada em relação com as suas entregas mais recentes. Mas, os primeiros governos após 1974, apropriaram-se do capital - dos trabalhadores! – e até de parte das contribuições posteriores. Foram-no gastando tranquilamente. Durou até 1985.
Não deu muito nas vistas. Mantido o cálculo das pensões como anteriormente, os trabalhadores não se aperceberam do alcance de que tinham sido vítimas e da revolução verificada no sistema, à sua revelia. Da qual resultou a insegurança em que hoje vivem. Que só pode piorar. Saíram de um sistema de capitalização equilibrado e autosustentado. As pensões agora são pagas aos ex-trabalhadores de gerações anteriores pelas contribuições dos trabalhadores de hoje. No entendimento de que esta geração virá a ser compensada pelo recebimento das suas próprias pensões suportadas pelas gerações futuras. Tem-se-lhe chamado solidariedade entre gerações. Nada a ver com solidariedade. É sim um negócio entre gerações. Um mau negócio, de resultados incertos, como se vê. Tornada indispensável a existência de uma instituição que fizesse a ponte entre gerações e assegurasse os compromissos implícitos, o Estado elegeu-se como intermediário. Pouco idóneo. Agora, que poucos se lembram de como surgiu o “negócio” e ninguém, nenhuma organização de trabalhadores sequer, se deu conta dos riscos implicados, vai anunciando as dificuldades do sistema de que, afinal, é o autor. E resolvendo-as, desconsiderando os compromissos implícitos no modelo. Reduzindo as pensões futuras. De facto, não existe, a curto prazo, alternativa viável. Não é por isso que se pode criticar este governo. Só que não houve coragem para o fazer directamente e escolheu-se uma forma indirecta e rebuscada, aumentando o número de anos de referência. E não chega. Ocultando as consequências. Quando se passou da consideração dos melhores cinco dos últimos dez anos como base de cálculo, para os melhores dez dos últimos quinze, a redução (calculada a partir da hipótese simplificadora de progressão linear nos salários reais, passando em 40 anos do simples ao dobro) andou pelos 3%. Nada muito grave. Mas, quando se tomar a totalidade da carreira contributiva como base, com as mesmas hipóteses a redução das pensões atinge 23%. Se o salário inicial triplicasse, a redução já seria de 27%. E as hipóteses feitas parecem normais. Pior ainda quando a curva de progressão salarial tenha na parte final a concavidade para cima.
Tivessem os governos optado pela redução directa, clara, ter-se-iam apercebido do absurdo de aplicar o mesmo critério a todas as pensões. É inconcebível que se reduzam daquela forma as menores. Teriam reduzido mais as restantes, as que ultrapassam limites razoáveis ou não correspondem a esforço dos próprios. Começando já, pelas pensões actuais, para evitar uma redução tão grande no futuro. O que só julgo possível pela via tributária. Estou tomando como válida para o direito português a asserção contida numa sentença do Supremo Tribunal Federal brasileiro de que “em matéria tributária não há direitos adquiridos”.
Mas, a conclusão verdadeiramente importante que se deve retirar do que antecede é a pouca confiabilidade do Estado quanto a dinheiros que passem ao seu alcance. Há sempre uns submarinos indispensáveis, estádios a construir, novos F 16, TGVs, um novo aeroporto, etc., coisas vistosas que “põem Portugal no mapa” e que preferem às finalidades previstas. Quando se fala nos perigos de entregar a instituições privadas (seria a alternativa) a gestão de fundos de pensões dos trabalhadores não se considera que, sendo privadas, existe a possibilidade de exigir e obter garantias eficazes. Cobrindo não só a solidez das aplicações, mas também a responsabilidade por obter rentabilidades comparáveis com certos padrões. Há países onde isso se faz. E, contrariamente ao Estado, instituições privadas não têm o poder de alterar unilateralmente a sua relação com os parceiros com que negoceiam. Claro que há uma transição delicada para o regresso ao sistema de capitalização. Mas, ainda que demore (não mais do que o esgotamento do actual modelo), valeria sem dúvida a pena.
aamarodematos@sapo.pt
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António Amaro de Matos assina esta coluna quinzenalmente à segunda-feira.
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