OPINIÃO Publicado 29 Dezembro 2005 13:59
Pedro S. Guerreiro
Para que serve 1,5%?
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É ir às canelas. Um aumento dos salários na função pública de 1,5%, num quadro de quasi-congelamento de carreiras e depois de anos de aumentos reais negativos é um apertão à séria. De nada vale, no entanto, dizer que só dá para tomar mais um café por dia ou que o cinto já está tão estreito que só cabe no pescoço como forca. As leituras demagógicas dão bons títulos mas o assunto exige mais sensatez.
Há a questão orçamental, a que – convenhamos – está de facto na base de esmola tão frugal. Um terço das despesas correntes do Estado são para pagar salários. É um custo fixo e crescente. Porque um aumento nominal de 1,5% representa sempre uma subida superior nos custos com o pessoal, por causa das promoções e progressões.
Há a questão económica, a do impacto desta redução real de salários, que faz minguar o poder de compra, trava o consumo, baixa a inflação e arrefece a economia, podendo servir de farol para os aumentos no sector privado. Na verdade, não está provado – o Banco de Portugal tem-no dito – que os aumentos na função pública sejam seguidos pelos privados. Talvez sirvam mais para justificar do que para orientar decisões.
Há a questão política, a dúvida que fica sobre o gestão do «timing» dos aumentos. O PEC apresentado no Parlamento em Junho passado previa aumentos médios de 2% ao ano. O documento já foi revisto mas com omissão nesta matéria. Isto pode querer dizer que José Sócrates está a concentrar as más notícias no princípio da legislatura e a ganhar margem para aumentos mais comoventes antes de ir a eleições.
E há a questão da gestão. Que é a mais importante para o futuro desta gente. Gerir funcionários públicos não devia ser assim tão diferente de gerir funcionários privados. É gerir recursos humanos, é liderança, avaliação, motivação, desempenho, é delegar responsabilidades, impor objectivos, potenciar talento, abrir carreiras, atribuir prémios, gerir expectativas.
Ninguém gere empresas dando aumentos, grandes ou pequenos, iguais para toda a gente. E é miserável atribuir 1,5% a toda a gente ao mesmo tempo que se lhe diz que as progressões automáticas estão congeladas, que as promoções são miragens pois o número de concursos abertos é insignificante, que as promoções por mérito estão na prática suspensas porque faltou avaliar toda a gente e assim não é possível, vai-se reavaliar o sistema de avaliação e depois logo de se vê... Safa!
É responsabilidade do Estado e obrigação do Governo desenlaçar os nós que atou e deixou atar. E depois fazer como as empresas: definir um aumento global e delegar nas chefias de topo a responsabilidade de decidir como são distribuídos esses aumentos. É isso que muitos gestores privados fazem: O% para os de desempenho medíocre, 1,5% para os medianos e mais do que isso para os que cumprem e ultrapassam objectivos ambiciosos, para os que promovem a inovação, para os que ajudam a melhorar a «performance» colectiva.
Para que serve 1,5%? É o suficiente para premiar o mérito, se for diferenciado. Assim, 1,5% não serve para nada. Ou melhor, serve. Serve para insultar toda a gente.